Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

04 abril 2015



Noite de conversa boa, uns tantos vodkas e mais sorrisos. Há pessoas que apreciamos, e que gostamos de perceber que nos apreciam. Pessoas com espinha, com carácter, com princípios fora de moda que honram sem gáudio de plateia. Pessoas que tentamos olhar com outros olhos, com outra vontade, vontade talvez, de futuro. Pessoas que nos poderiam mimar e compreender e preocuparem-se connosco, com os nossos dias e noites, quererem querer-nos e estar perto, querer partilhar as vivências e dar vida - dar e receber o que ela precisa para ter esse nome. Isso tudo. Depois só não sei se não falta o essencial, o gostar de tudo mesmo que não se queira, o gostar e nada mais importar. Porque às vezes parece que se pode gostar por tudo isto importar, e isso é fazer tudo ao contrário, estar tudo ao contrário. Arranjar o que não se pode escolher, escolhendo o que se pode e gostava de arranjar. Porque eu sei - e tão, mas tão, bem - que gostar a sério não é o mesmo que gostar de estar, que gostar das qualidades que se vê no outro, nem sequer do carácter dele, nem se pode confundir com gostar que gostem de nós duma maneira que nos faz sentir bem. Não, gostar realmente de alguém, adorar alguém, amar alguém com paixão não é isto - é também isto, mas não só. São talvez condições necessárias, mas não suficientes. Falta o inexplicável, o que não se avalia. Então, sabendo tudo isto pelo lado de dentro da pele, e do olhar que lançamos à vida, fico-me aqui, quieta, sem dar um passo, neste impasse que me embrulha e me prende. Mas com a sensação que a noite foi boa, que me senti bem, ainda que impasses que combatem cá dentro me travem os passos e me encolham as vontades. Porque receitas são coisas para cozinhar e não para viver, e normalmente é sem receita que as melhores coisas acontecem. Sem se saber como ou porquê, ou qual o ingrediente não programado que lhe dá aquele toque inesquecível que vicia, que não se procura, mas que, quando encontrado, nos engole e consome por dentro em vida, com vida - e que torna tudo o resto nada. Aquilo que nos arranca do chão e nos apresenta às nuvens como programa diário. Que nos faz gente da casa na lua. Esta lua que agora me sorri, malandra ou traiçoeira, por trás dum véu que quer ser despido.

Boa noite