Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

04 março 2015

Há ritmos diferentes. No respirar, no mexer, no olhar, no viver. Agora dou por mim a pensar que até as faltas que se sentem têm ritmos de compassos tão diferentes, quando uns já estão no limite suportável que esgaça costuras na alma, outros nem dão pelas costuras, pela falta de coisa alguma que lhes diminua os dias ou a vida neles. Como se tudo lhes fosse distante e indiferente. Talvez a única falta gritante seja a falta de sentir que algo lhes falta, ter presente uma ausência aguda que não lhes é grave.

... Realmente pondo as coisas assim, tem alguma lógica, é até reconfortante a ideia. 
Seria bom se eu conseguisse ver nesta lógica a minha. Mas não consigo, para mim a pessoa certa é aquela de quem se gosta, de quem se gosta muito - só não digo demais, porque não acho que haja essa coisa de amar demais. Certo é aquele que tem o que nos faz amar, e gostar de amar, que nos faz o melhor de nós, sem razões ou porquês. Isso é que torna a pessoa certa, e não o contrário: declarar quem seria certo, cómodo e que daria jeito gostar, e depois dedicar-se a tentar amá-lo por ser a pessoa certa. Não resulta, infelizmente...
Pena é a pessoa certa para mim não me achar a pessoa certa, por não gostar de mim com a certeza que me faz certa... a certeza de não conseguir não me amar, não me querer, ficar sem mim, ficar longe.
Talvez nada seja certo afinal, ou a única coisa certa seja amar, e o resto ter de se acertar...
...apareceu-me isto à frente. Falava em fim de semana, para duas pessoas, claro.
Registei como forte candidato para a próxima saída em retiro. Começo a ter vontade de pelo menos planear, começar a procurar, como que já com um pé fora daqui. Parece-me que aqui só se podem começar coisas boas, e tenho uma para começar há algum tempo. Mas se não começar também não há problema, não vou com obrigações, vou para me deixar levar pelo tempo e pelo que apetecer a cada hora, gozar apenas a tranquilidade, o respirar que nos enche o olhar e lava a alma. E aqui, neste aparente sossego, com  vidraças para deixar entrar a cor e a luz, parece-me ideal. Preciso duns dias aqui, entre palavras, as minhas e aquelas que leio que me lêem por dentro, que me fazem sentido e sentir. Começo a perceber que há coisas em comum que procuro nestes sítios para onde quero fugir para me encontrar: paisagem funda, verde, vidraças, sossego e palavras. Talvez isso diga mais de mim do que pensava, talvez eu seja muito mais isto do que imaginava. E talvez eu esteja muito em paz comigo por ser assim e não doutra maneira.

Bom Dia.



A tristeza tem uma dimensão de silêncio tão vasta que engole as palavras na nascente, não chegam a nascer completas, rasgam-se a meio antes de me dizerem ao que vêm, o que lhes quero, como me querem. A tristeza não tem boca mas engole silenciosamente mundos inteiros, e tem o estômago cheio de mágoas e desesperanças várias que não aprendeu a digerir. A tristeza prende-nos inteiros sem correntes. Sem nos forçar, subtrai-nos movimentos calando a vontade; amordaça-nos por dentro dos sons sem sequer nos tapar a boca - apenas nos apaga de dentro dos olhos todos os significados e significâncias e submerge-nos, abandonados, na falta de tudo. Infinita falta embrulhada num escuro vazio denso, que quase parece poder escavar-se com as mãos, esgravatar-se a sobrevivência do grito com as unhas, mas que agarra a vontade antes que qualquer movimento consiga mexer-se, sobreviver-se.
Silêncio que asfixia sem matar. Sem mexer. Sem tocar. Sem morrer.

Boa Noite