Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

19 janeiro 2012

Há tempos dei por mim a pensar se será possível pessoas com princípios, com bons princípios, com bom fundo, podem ser pessoas sem bom carácter. E andei a mastigar isto muito tempo, muitas viagens. Hoje, em mais uma, mais uma vez me pus a pensar, porque não tinha ainda conseguido ordenar as ideias, de forma coerente e lógica. Cheguei à conclusão que não, não é possível. O carácter cumpre as fundações dos princípios.
Não basta ser boa pessoa da boca para fora, ser sério na teoria, ser honesto no abstracto, há que perante a situação que a vida nos impõe cumprir com esses princípios, ou será só fachada para enganar turista. Toda a gente é honesta e incorruptível, pelo menos da boca para fora, até ao dia em que afundado em dívidas lhe oferecem um suborno para fazer algo ilícito, que pode até não ser grandemente prejudicial a ninguém, mas que ainda assim é errado, ou que até aquele momento, sempre o tinha sido, pelo menos da boca para fora. Na verdade todos temos muito bom carácter até ele ser posto à  prova, só aí sabemos do que somos feitos, até lá é só ideais de compromisso, nada mais pálpavel que isso.
Penso que alguém com carácter é alguém cujos princípios e vida correm, quase sempre, adjacentes, são consistentes.
Se os principios forem bons - bom carácter, se os principios forem menos recomendáveis, será o que se chama de mau carácter. Porque também os há, e não são poucos.
Mas, e apesar de tudo, um bom carácter também erra, o que o distingue dum mau caracter é que se erra, não o faz com má intenção, não o faz para levar a melhor, e no caminho, se preciso for, pisar ou lubibriar quem se interpuser no seu caminho. E principalmente, se o fundo for bom,  pesa-lhe a consciência do erro, algo o levou a fazer uma coisa que considera errada, e isso pesa-lhe todos os dias, não o faz despreocupadamente, há culpa e arrependimento. Fez porque errou, porque alguma circunstância o atenua, porque terá uma justificação, boa ou má, mas que seria a sua justificação, e nunca com maus fundamentos. Tal como um mau caracter, que sempre o demonstrou toda a vida, repetida e inequivocamente, não deixará de o ser por ter feito algumas coisas bem, também um bom carácter não pode ver uma vida inquinada porque algumas vezes agiu mal. As pessoas merecem quanto mais oportunidades quanto mais fizeram por elas. Não percebo aquelas pessoas que são consideradas quase santas, uns modelos de vida, e um dia porque fizeram uma qualquer coisa que ninguém as julgava capazes, caem do altar e vão directo para a valeta... e no fim ainda se ouve dizer (quase contentes, ou mesmo contentes) "nunca me enganou.." Não concordo com isso, quanto melhor alguém se esforçou por ser até fazer asneira, mais oportunidades deve merecer (até eventualmente deixar de merecer, porque também acontece...)
No fundo, o importante é o fundo que forra as pessoas, a forma como tratam e pensam nos outros, se com respeito, consideração e igualdade, ou apenas como ferramentas, degraus, caminhos, para se obter algo. Erros toda a gente comete. Erros conscientes e consistentes, não eliminados ou reparados, já podem desmoronar todo um carácter, em vez de apenas deixarem brechas que nos lembram por onde não ir. Porque também há as pessoas sem carácter (a quem muitas vezes se chama de mau carácter, embora a mim não me pareça que seja a mesma coisa), e estes são os que ainda não decidiram que princípios têm ou querem seguir, tanto fazem bem como mal, tanto se fazem reger por bons princípios como são exímios em contorná-los em proveito próprio, ainda que a custo de uma ou outra pessoa, ou manipulando esta e aquela, e aí por diante. Não são consistentes em si mesmo, não têm personalidade formada, boa ou má.
Como dizia Gandhi a felicidade está em poder fazer-se e dizer-se segundo pensamos (mais ou menos isto, não decoro frases...), e acho que o que ele queria dizer é que a tranquilidade e paz de espírito que se vive, por podermos ser consistentes e fieis a nós próprios, por não nos sucumbirmos perante a vida, será algo próximo da felicidade (eu não lhe chamaria felicidade, mas...).
Já fiz coisas de que me arrependi, que acho que foram erradas. Poucas, mas algumas. Acho que isso abriu brechas nas minhas fundações, questionei-me dos meus princípios, avaliei o meu erro e o que podia fazer para repará-lo ou eliminá-lo, e fiz. Abalou-me o carácter, sim, modificou-me em muitas coisas, fez-me pensar muito, e obrigou-me a tomar posições em que me possibilitasse aproximar-me da felicidade que Gandhi falava, e que me devolvesse a minha consistência, que não me traísse. O que esteve nas minhas mãos, o que eu consegui fazer, fiz. O que não consegui, por ter mais força que eu, não fiz, porque era apenas outra forma de me trair, e felicidade seria a última coisa que me poderia trazer, quanto mais paz.