Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

26 dezembro 2014


"O Destino, esse nome que por vezes damos às coisas aleatórias, diz o que nos acontece, não nos diz como reagir. A nossa vida é tão fruto do destino como da vontade, cada um deles agindo de forma distinta sobre coisas diferentes, às vezes sobre as mesmas coisas, em momentos diferentes.

É também do destino e do acaso que falo de cada vez que digo que há coisas que não se procuram, só se encontram. E o amor é uma dessas, talvez a principal. Por mais que o procuremos em toda a parte, é ele que nos encontra, por vezes sem sabermos como, por uma série de coincidências impossível de provocar. Mas a sobrevivência das coisas, aleatórias ou predestinadas, não nasce do acaso, mas da capacidade de se adaptar ao mundo, à vida, à realidade, a nós. E isso não o torna, de uma forma ou de outra, menos mágico, menos belo, menos feliz, nem menos importante.

Maktub só se escreve no passado. Só no passado conseguimos encontrar os pontos que, unidos, nos trazem, por vezes sem saber como, ao lugar em que estamos. E sim, acredito, e é possível, que o que nos uniu seja o destino. Mas o que nos vai fazer ficar juntos é a vontade."

Pela mão do Menino

[alguém me dizia há uns dias que era o karma. O meu karma, esta coisa de passar assim pelas coisas, por andar há tempos com a vida a cair-me ao chão aos bocadinhos, a escorrer-me aos soluços pela pele, de dentro para fora, a evaporar-se entre um dia e outro. É karma, dizem-me, esta coisa de andar assim há tanto tempo, que o universo equilibra tudo e terei feito mal a alguém para andar a penar assim... e eu fiquei a pensar, juro que fiquei, aliás como fico quando normalmente me dizem algo que não entendo, que não me encaixa, ainda mais se vindo de alguém que considero, que oiço. E fiquei-me a pensar, a moer, e não entendo. Não entendo que se for suposto um equilíbrio, o meu karma seja este, partindo do pressuposto agradável - quase doce e prazeroso -, de que o mundo é justo e as energias se equilibram, o bem e o mal, o que eu duvido e cada vez mais, e quase sempre que olho à minha volta. A ideia encanta-me, porque pela amostra, o que estaria por vir seria muito bom, tenho uns créditos acumulados... bastantes, mesmo. Porque realmente posso ter feito sofrer alguém, sim, mas só tenho consciência de ter magoado uma pessoa, e não com esse propósito ou intenção, não faço nada para prejudicar ou magoar ninguém conscientemente, mas há vezes em que as nossas acções poderão magoar e não havendo alternativa melhor, têm de ser feitas sob pena de todos ficarmos pior. E tenho a certeza, e a plena consciência, de que essa pessoa agora está muito melhor, melhor duma maneira que não poderia estar comigo, porque eu não era a pessoa certa para aquela vida. Eu já não estava bem onde estava, não estava feliz, e não estando feliz não poderia fazer ninguém feliz. Insistir nisso só faria toda a gente mais infeliz durante mais tempo. Sofreu, talvez, mas eu também sofri para chegar ao ponto de saber que ali já não estava bem, já não era feliz, sentia-me vazia e fora de mim, calçada nuns sapatos que não me cabiam. Já tinha sofrido demasiada desilusão, já me tentara moldar demais, já tinha dado tudo o que tinha, e nunca nada parecia chegar, até que encolhi os ombros e deixei de tentar, abri os olhos e vi que já não estava ali, já não era eu, nem nada do que queria para mim. Sofri, sofri até chegar a esse ponto e sofri muito depois também, mas, ou talvez por isso mesmo, virei a vida - toda, mesmo toda, e em todos os quadrantes - do avesso, e hoje sei que não estou feliz, mas não estou amarrada a uma infelicidade que me sufoca e prende os sorrisos onde deviam nascer. Não estou feliz, mas estou livre para a poder encontrar em qualquer esquina, a qualquer momento desavisado, porque estou despojada daquelas grilhetas que prendem mesmo quando já nada nos faz sentir presos: os afectos, o gostar, o querer, o ansiar estar junto. Só isso prende alguém, o resto são armas de fazer reféns, opressoras de vida se o permitirmos. Mas temos escolha, por isso escolhemos, por isso escolhi. Houve sofrimentos de parte a parte, acho que se o karma é essa coisa do equilíbrio, nós os dois devemos estar quites, por isso... lá está, não entendo. Porque se entretanto mais alguém sofreu não foi culpa minha, não foi nada do que possa ter feito, porque não fiz nada, fui vivendo a minha vida sem ter de dar satisfações a ninguém - sem grilhetas nem justificações-, e sendo assim não se pode magoar ninguém. Nós só podemos ser magoados realmente por quem nos está perto, por isso esta coisa de magoar os outros por dentro, com a vida, os (des)afectos, as palavras e as atitudes, é comparada sempre a guerras corpo a corpo, para se apunhalar é preciso estar ao alcance da mão. É preciso estar perto para magoar por dentro da pele, onde se chora baixinho, berrando a todo o coração. Se alguém magoou alguém não fui eu, mas a mim magoaram-me bastante, e eu deixei porque me mantive perto, ao alcance da mão que magoa por dentro enquanto esvazia os sonhos e os bolsos do amor. Tive a minha culpa, que assumo, na minha mágoa, aliás só me culpo mesmo a mim e à minha estupidez por ter sido magoada tanto tempo, a mais ninguém... mas agora onde está o equilíbrio? quem mais, e mais gente, fez sofrer é quem melhor está. E ainda bem, não lhe quero mal, só não percebo porque raio este mecanismo, esta coisa do karma, só comigo, e com quem me está perto, é que acha que ainda tem de fazer penar mais e mais... para equilibrar o quê? o quê senhores??????.... 
....Karma, a sério, deslarga-me pahhh... estou farta, sim? irraaa!!... não há pachorra!! ou então, sei lá, na loucura,  muda de flanco e começa a dar coisas boas...  ]

"podes levar os dias que trouxeste

os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue

podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois

daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido

não, é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites

as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca

podes levar os dias que trouxeste"


Pedro Sena-Lino

[... "Nunca foi tão tarde ser depois", tarde até para levares o que for, nada do que pudesses levar me parece teu, e tu nunca trouxeste nada. hoje - particularmente hoje, amanhã não sei - parece-me que nunca trouxeste nada, apenas vieste buscar tudo o que tinha, tudo o que tinha de melhor, tudo o que tinha meu de teu, talvez. Levaste tudo, não me restaste nada, não me trouxeste nada, apenas, qual sanguessuga, vieste à procura do que precisavas, do que querias, e nunca fui eu, mas a vida que me corria nas veias, o brilho que iluminava o olhar de quem ama. Era sempre a tua sobrevivência, o teu equilíbrio, as tuas faltas, as tuas sedes, as tuas fomes. O que levaste foi-se daqui e nem tu o guardas, esfumou-se. Já desapareceu no sorriso que agora sorris e trocas por dias-a-dias, nas mãos que dás, nos abraços que apertas, e trocas por amnésias de noite, ou insônias a toda hora, não sei. Não quero saber, hoje não quero saber nada. Só sei que podias levar os dias que trouxeste, se não os tivesses enterrado antes de nascerem, levaste dias que eu pensava que trazias, tiraste noites que eu pensava que me davas, esgotaste-me as perguntas sem resposta, e nunca me perguntaste nada, não trouxeste nada, não quiseste nada, deixaste ficar tudo, foi sempre tudo meu. Nada teu. ]

Boa Noite