Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

11 agosto 2012

Acabei de me lembrar duma frase que me disseste, e odeio-te agora um pouco por ma teres dito, e a mim mais por a ter ouvido, ter percebido, mas achar que eras mais tu a falar sozinho, e a diminuir-te. Não era. Eras tu a constatar um facto, e a incluir-te nele, ainda com a tua pele quente encostada à minha, ainda tu em mim. 
" Não há ninguém nesta cidade, eu pelo menos não conheço, que esteja à tua altura."  
Não vou apequenar-me para servir a ninguém, não espero que ninguém se acrescente para me chegar. 
Isso não é amar, mas tu, de amar, nada percebes. Nunca percebeste. Pelo menos do que eu entendo por amor. Nem falo do facto de não me amares a mim, mas de não amares verdadeiramente ninguém. Este episódio, de que me lembrei agora de repente, ao fechar a luz da cozinha, mostra-o, mais, comprova-o. Infelizmente. Porque a maneira como parecias amar-me fazia-me feliz. Mas o amor, a existir, não permite episódios destes.
Acabei o livro. Não gosto geralmente de livros demasiado fantasiosos, pouco reais. Este, no entanto, compensou-me largamente esse não gostar, pela escrita de Mia Couto. Uma linguagem quase infantil, uma língua doce que mostra tanta crueldade também. Porque a infância é também muitas vezes cruel, dura e triste, ainda que doce, como a vida, aliás. A história de um país, de uma guerra, que não é mais guerra, mas só um caminho sem norte. Caminho que vai mudando a partir de ruínas sempre estanques. Viagens nas várias personagens que vão aparecendo, viagens nas lendas populares, sonhos e realidade misturada. Mas o que mais vale a pena ler é o que não está escrito, e que nos passa nas frases e passagens monumentais de Mia Couto, que na simplicidade desfere os maiores golpes, numa lucidez brilhante de tantas vezes desconstruir o óbvio.
Frases que me ficaram como:

"melhor ideia é aquela contra cujos argumentos não há factos."
(a frase não é assim mas a ideia é, e o avesso da frase cliché). A ideia sai impune. Verdade.

"o destino o que é senão um embriagado conduzido por um cego?",

" nunca vi dança com tanto corpo como o daquela mulher",

ou a "festa é a tristeza a fazer o pino."
e esta é tão, mas tão, verdade, que me fez rir e reconhecer-me tantas vezes, que me fez parar de ler um bocadinho.

Tenho o livro todo marcado com passagens que quero reler, como tenho feito com os livros que tenho lido ultimamente. Gosto de no fim me despedir do livro revendo o que mais me marcou, e que deixei marcado no livro, para mais tarde reler com calma, para mastigar ideias e deixar viagens cruzarem-se, e irem-se desembrulhando em mim. Depois selecciono algumas para partilhar aqui. 
Agora tenho de escolher a próxima vítima... logo à noite, talvez.
"-Por que estás tão reduzido, filho?
-É que trago um desgosto de mulher.
-Isso não tem remédio, filho. Eu sei muito bem. Porque eu vivi num tempo em que o amor era uma coisa perigosa. Tu vives num tempo em que o amor é uma coisa estúpida. "

Mia Couto, in Terra Sonâmbola
"Mulheres é bom quando não há amor, disse. Porque o amor é esquivadiço. A gente lhe monta casa, ele nasce no quintal."

Mia Couto, in Terra Sonâmbola