Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

17 maio 2013


Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,
Para a parte ainda livre do dia seguinte.

Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.

Grande sossego de já não haver sequer
De que ter sossego!
Grande tranquilidade a que nem sabe encolher ombros
Por, por tédio, ter passado o tédio
E ter chegado deliberadamente a nada.

(...)

Álvaro de Campos

[chegamos a nada quando não partimos nunca. não precisamos de malas, desarrumamos tudo cá dentro, mas temos tanto peso na alma que sobra nos ossos. É sempre véspera, nunca é véspera, porque nunca nada acontece. nunca se começa a viagem, apenas se encolhem os ombros, já nada se espera, já nada se faz na véspera de não partir nunca.]
Eu bem queria, queria, mas não tenho sorte nenhuma...



...fucking asshole!!!
 ASSHOLE!!!


(...)
E logo ela é só flama, inteiramente.

Com um olhar põe fogo nos cabelos
e com a arte sutil dos tornozelos
incendeia também os seus vestidos
de onde, serpentes doidas, a rompê-los,
saltam os braços nus com estalidos.

Então, como se fosse um feixe aceso,
colhe o fogo num gesto de desprezo,
atira-o bruscamente no tablado
e o contempla. Ei-lo ao rés do chão, irado,
a sustentar ainda a chama viva.
Mas ela, do alto, num leve sorriso
de saudação, erguendo a fronte altiva,
pisa-o com seu pequeno pé preciso. 


Rainier Maria Rilke


[há quem dance Tango apenas a andar, há quem tenha salero no olhar, há quem saiba  rodar a baiana só quando a ocasião o exige. Tudo na vida tem um ritmo a que temos de responder, mas nunca sem o sentir - de dentro para fora. Só assim tem alma que se vê nos gestos mesmo calados, só assim mostramos alma, só assim temos alma. A minha anda apagada, muito apagada, tenho de voltar a pisar o chão com sal, olhar com chama, dançar cheia de Tango dentro. Falta-me qualquer coisa. Qualquer coisa que não é uma coisa...]
Verdade...
os dias passam, as semanas passam, os anos passam
e uma pessoa parada, a querer uma vida que não chega, mas que não depende apenas de si mudar...
e para mudar de vida é preciso querer - querer mesmo - senão ficamos parados.
Eu ainda não quis, na verdade, ainda ninguém quis mudar de vida, e aí é que está o problema.
Estou, continuo,  presa mesmo que sem fios, sem nós, sem nada. 
 Há fios de forças invisíveis que me prendem, que me fazem não querer mudar, e por isso me vou ficando. 
A cismar na vida que queria, na vida que quero, e não chega.
 Não sei até quando.
Qualquer dia é Natal.
Tenho de querer mudar.
(Mudar implica, também,  fechar aqui o tasco, tenho andado a pensar nisso, e só de pensar custa.)




"A vida me deu mais do que pedi e mereci. Não me falta nada. Tenho Zélia e isso me basta."
Jorge Amado

Vinha com uma série de palavras na ponta dos dedos, uma quantidade de pensamentos a chover-me na alma como nos campos, depois li isto, e achei que isto sim é algo a que devemos dar ouvidos, esperar e fazer por encontrar. Conheci há pouco tempo uma mulher que também me fez acreditar que isto é possível, ela viveu-o, ela fala no marido que já não tem como o "meu homem". Quando ela o disse, eu de alguma forma liguei-me a ela como alguém quer agarrar a primavera, houve um pequeno click que encaixou, porque eu já disse para dentro, para mim, aquela mesma expressão, com aquele mesmo sentido e não outro, em frente ao espelho enquanto me penteava e o via no espelho atrás de mim a olhar-me. Era isso não havia outra maneira de o dizer - é o meu homem. Acho que pouca gente poderá entender o alcance, e a profundidade, e a doçura, dessa expressão "o meu homem" - não é posse, ele pode nem ser nada, em nada, nosso, mas é o único que nos tem, mesmo que não tenha, é o único que temos por nosso porque o único que nos tem, de quem queremos, e sentimos, ser. É só isto, é simples mas é tão, mas tão, raro. É uma expressão com conotação pouco bonita, pouco elegante, mas quando a disse, não havia, nem há, outra maneira de a dizer. E é bonito, é o mais bonito que se pode dizer e ter; assim como esta frase do Jorge Amado "Tenho Zélia e isso me basta" - ninguém pode almejar mais, eu pelo menos não, era só o que queria, dizer uma coisa assim: e eu só digo o que sinto, não me saem as coisas da boca, ou dos dedos, levianamente; deve ser por isso que, também há pouco tempo, me disseram intensa. Não sei o que é isso de ser intensa, mas se é pensar e sentir além da superfície, que a chuva lava e molha, devo sofrer desse mal, sim. E ainda bem.
Bom Dia!!