Hoje de manhã, tal era o frio, enquanto andava perdida em busca de cumprir uma missão, deixei de sentir as mãos, e dei por mim a pensar que não eram só as mãos que deixavam de sentir, de sentir o que tocavam, o que por fora lhes chegava, o que agarravam e deixavam até cair, sair de mim e deixá-las ir. Toda eu parece que deixei de sentir, a alma congelou algures nestes tempos recentes, cristalizou num momento que não recordo, mas que chego a agradecer. Gelaram-me as mãos de afectos, os lábios de sorrisos sentidos, o olhar do que o fazia brilhar quente, cabreirinho ou meigo. Agora o que surge parece não nascer. As mãos perderam os gestos, ou perderam-se dos gestos que escrevem afectos, perderam-se na mecânica dos movimentos que nos sobrevivem. Que não sentem nem fazem sentir. Nada.
Cheguei a pensar, enquanto navegava o frio, que tinha dúvidas se o frio que me adormecia as mãos vinha de dentro ou de fora. Melhor, se hoje em dia eu tenho ainda um dentro e um fora. A fronteira já não sei onde fica, ou se existe.
A alma está tão gelada como a pele.
Dormente duma dor que mente porque se cala.
Gela como se não doesse.