Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

14 setembro 2014

Só mais esta frase porque esta é também uma definição de amor (por causa daquele post delicioso das definições de amor das crianças de que não me esqueço) que me toca e me anima e me faz sonhar, e com que me identifico, e um dia quero para mim:

"- Gosta muito dela?
Nesse momento ele levantou os olhos e o seu rosto feio e pequenino tinha o ar maroto de um colegial."
Somerset Maugham, in O Véu Pintado

E isto é um doce, uma ternura, porque o homem era careca e atarracado e nada bonito, mas o amor que sente ilumina-o de dentro para fora e fica agradável a quem vê.
O amor faz-nos mais bonitos, da luz interior que se reflecte na aparência, naquela que se vê à superfície. E era do que eu andava a precisar!!...

"A alma dele estava completamente dilacerada. Ele vivia num mundo de fingimento e, quando a verdade destruiu esse mundo, achou que a própria realidade tinha sido destruída. A verdade é que ele nunca lhe perdoaria porque não conseguia perdoar-se a si próprio.
(...)
O rio, porém, apesar de fluir tão devagar, dava ainda assim a sensação de movimento e transmitia-lhes a melancolia da fugacidade das coisas. Tudo passava, mas onde estavam os vestigios dessa passagem? Para Kitty parecia que todos os que compunham a raça humana eram como gotas de água naquele rio e que continuavam a fluir, cada um tão perto dos outros e, ao mesmo tempo, tão longe, num fluxo sem nome, rumo ao mar. Quando tudo durava tão pouco e nada tinha grande importância, era uma pena que as pessoas, dando um valor absurdo a objectos triviais, se fizessem a si próprias tão infelizes.
(...)
-Ando à procura duma coisa e não sei exactamente de quê. Mas sei que é muito importante para mim conhecer essa coisa e sei que se a conhecesse tudo seria diferente. Talvez as freiras saibam o que é; quando estou com elas sinto que escondem um segredo que não querem partilhar comigo. Não sei por que razão me passou pela cabeça que se visse a mulher manchu teria um indicio do que procuro. Talvez ela mo dissesse se pudesse.
-O que a leva a pensar que ela sabe o que é?
Kitty olhou-o longamente de viés, mas não respondeu. Em contrapartida fez-lhe uma pergunta:
-Você sabe?
Ele sorriu e encolheu os ombros.
-O Tao. Alguns de nós procuram o Caminho no ópio, outros em Deus, outros no Whisky e outros ainda no  amor. Mas é sempre o mesmo caminho e não leva a lado nenhum.
(...)
-É o Caminho e o Caminhante. é a estrada da eternidade, percorrida por todos os seres, mas nenhum ser a fez, pois ela própria é ser. É tudo e é nada. Dela brotam todas as coisas, todas as coisas estão em conformidade com ela, e, no fim, todas as coisas a ela tornam, é um quadrado sem ângulos, um som que os ouvidos não podem captar, uma imagem sem forma. É uma vasta rede que apesar de ter as malhas tão grandes como o mar, não deixa passar nada. É o santuário onde todas as coisas encontram refúgio. O lugar não existe, mas conseguimos vê.lo sem ir à janela. Deseja não desejares, é o que o Tao nos ensina, e deixa que todas as coisas sigam o seu curso. Aquele que se humilha será preservado. Aquele que se curva será levantado. O fracasso é a base do sucesso e o sucesso o preâmbulo do fracasso; mas quem poderá dizer quando se dá a viragem?
(...)
O passado estava acabado; os mortos que enterrassem os seus mortos. Seria isto ser terrivelmente insensível? Ela esperava de todo o coração ter aprendido a compaixão e a caridade. Não sabia o que o futuro lhe reservava, mas sentia-se com forças para aceitar o que quer que viesse de espirito leve e optimista. E então, subitamente e por qualquer razão desconhecida, das profundezas do seu inconsciente emergiu uma reminiscência da viagem que tinha feito, ela e o malogrado Walter, até à cidade empestada onde ele tinha encontrado a morte: uma manhã partiram nas liteiras quando ainda estava escuro e, à medida que o dia clareava, ela imaginou, mais do que realmente viu, uma cena de tão arrebatadora beleza que por breves instantes suavizou a angústia que lhe invadiu o coração, reduzindo à insignificância todo o sofrimento humano. O sol ergueu-se, dissipando a neblina e ela viu, serpenteando pelo meio dos arrozais até onde a vista alcançava, atravessando um riacho e continuando por terrenos acidentados, o caminho que deveriam seguir: talvez os seus erros e loucuras, a infelicidade que sofrera, não fossem inteiramente em vão se ela fosse capaz de trilhar o caminho que agora vagamente discernia à sua frente, não o caminho de que o pândego do Waddington falara e que não levava a lado nenhum, mas o caminho tão humildemente trilhado por aquelas queridas freiras do convento, o caminho que levava à paz."

Somerset Maugham, in O Véu Pintado

[mais um que chegou ao fim. Estava à espera de melhor, francamente. A personagem feminina não me parece consistente, ou eu não acredito que as pessoas mudem tanto, acho que a vida muda as pessoas, sim, o sofrimento altera-nos as perspectivas e faz-nos crescer, mas a descrição da personagem no início do livro fá-la demasiado fútil, tonta e ôca para ganhar esta dimensão espiritual; principalmente o ôca, quem é ôco não tem substracto, não é estar enganado no substracto, é ele não existir; não se preocupar com nada, é não ver além de si próprio, e até em si próprio não ver além do que querem que se pense e veja de si mesmo. E é uma coisa inata, não muda para passar a perceber uma dimensão diferente das coisas, das pessoas e da vida, se nunca esteve nela nenhuma dimensão, nenhuma profundidade, senão as aparências. Mas gostei do livro, só não simpatizei com nenhuma das personagens a não ser o Waddington, esse sim uma figura curiosa.]
Que preguicaaaa... Que maravilha de ronha... Acordar comer qualquer coisa voltar a enfiar-me nos lençóis, esperar um bocadinho entre pensamentos que os olhos se tornem pesados e deixar-me ir nessa dolência boa da preguiça, do sono que repousa. E depois voltar a acordar com a chuva, com uma chuvada monumental e sinfônica! Adoro o barulho da chuva ouvido na cama, no quentinho. Acho que este fim de semana foi o primeiro em que consegui dormir, em que me senti repousar. Não sei porquê, mas finalmente tive a minha cura de sono, o primeiro capítulo só, porque vai haver mais, ando muito cansada. E preciso de dormir e de ronha e também precisava aqui de alguém para estar na brincadeira e com conversas parvas, beijos, mimos pequeninos e gargalhadas grandes. Mas pronto, pelo dormir já consegui, já não falta tudo!!
Bom Dia!
(Ainda não sei se me vou levantar já, não sei não.)

Pronto, acabou. Tenho sempre uma sensação estranha quando acabo um livro de que gostei. Como se não gostasse que tivesse acabado, mas quando começamos um livro é para ler até ao fim. Sabemos que tem um fim. Já na vida há coisas que começamos que não sabemos se terão fim, ou quando, ou como. Talvez por isso a sensação seja diferente, só mais à frente na vida é que acho que percebemos que fechámos o livro depois da última página. Na vida só é difícil saber quando foi a última página. Quando percebemos finalmente vemos que já fechámos o livro, mas não sei se conseguimos precisar exactamente quando.

Há fins que só se reconhecem muito depois do fim, - mas até aí temos de os querer ver, temos de assumi-los, temos de saber e sentir que acabou, que fizemos tudo - como há começos que começaram muito antes de termos consciência do seu início. É por isso que só se entende a vida quando se olha para trás, para o caminho já feito e nao quando, a caminho, olhamos para os pés.

Boa noite.

[depois hei-de pôr aqui as ultimas passagens que marquei no livro para guardar para a posteridade.]