Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

29 setembro 2010

Nunca percebi quando me dizia que dava pouco, nunca senti as coisas assim. Dava-me o que eu precisava sempre que podia, como poderia eu pedir mais? O que me dava não era pouco, o que não quer dizer que não me soubesse sempre a pouco. Porque sabia, sempre, e queria sempre tanto mais. Quando estávamos juntos dava-ma até o que eu não imaginava precisar, fazia-me sentir completa, só estando, só poisando o seu olhar no meu, conversando com o meu, alimentando o meu, dando-me a vida que me via dentro sem perceber. Como poderia achar que me dava pouco, se me deu tanta coisa nova em mim que eu não sabia ter? se me descobriu tão bem? se me deixou vê-lo aos poucos, e adivinhá-lo um pouco, deixando-me devagarinho, pé ante pé, entrar no seu mundo. Disse-me que eu lhe dava tanto nunca pedindo nada em troca, mas como pedir quando se vê que dão tão bem sempre que podem?
Eu é que lhe queria dar mais, eu é que tinha vontade de o mimar sempre que podia, surpreender sempre que via oportunidade, eu é que por nada deste mundo trocava a tarefa de lhe tirar o peso da voz e do olhar, e não descansava enquanto não o fizesse, mas de uma forma muito egoísta, não o fazia por ele, sempre o fiz por mim, pela alegria que sentia em senti-lo melhor, em fazê-lo rir mesmo quando fechava a cara e alma, e depois se esquecia. Ainda hoje me apetece fazê-lo, não o posso imaginar com a voz que às vezes lhe ouvia, com a falta de ânimo que o consumia às vezes, ou só o cansaço. A minha felicidade era trocar-lhe os humores e as voltas, espicaçando-o e regateando uma gargalhada que teimava em aparecer, mas que não era mais teimosa que eu. Nunca foi.
Lembro-me de lhe dizer que um dia ia sentir mais a minha falta que eu a dele, que ia sentir falta do telefone a tocar ao fim do dia, ou da companhia nas viagens, ou das mensagens inesperadamente ridículas, em que lhe dizia de todas as maneiras que me lembrasse que me lembrava dele, ou só para fazê-lo sorrir a meio do trabalho, ou para lhe puxar as orelhas que mais tarde ia trincar com carinho. Talvez me fizesse mais presente por a presença dele me fazer tanta falta, e a sua ausência me encolher a alma e me escurecer a vida, mas logo a sua presença levava arrastada todo o tipo de ausências que lhe sentia, abarcava-me a vida e devolvia-ma muito mais luminosa, mais doce, mais bonita, ou pelo menos, assim a sentia. Sempre.
Não, de certeza que não sente mais a minha falta que eu a dele. Nunca.

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