Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

07 dezembro 2011

Olhar para o telefone não adianta, ele não sabe, não toca, não sente, não me lê o olhar ou os sonhos desfeitos. Pela janela vê-se a chuva cair, lamber os vidros e arrastar-se até ao chão, e para quê? não há lá nada.. mas ela cai e arrasta-se e faz-me pensar porque não nasci chuva para cair e arrastar-me, sem pensar que caio, e que não gosto de me arrastar. Acende-se mais um cigarro, pensa-se no que foi, no que ele foi, no que fomos sem nunca ser, sem nunca termos sabido o que fomos, sabendo-o desde o princípio que isto não ia não ser nada, não ia ser uma coisa que cai sem razão, não se ia arrastar sem nos arrastar com ela, mas foi, e não foi nada. E o telefone não toca, não apita, não nada. O que será que do outro lado se pensa? O que será que não se sente? O que será que é? Porquê esperar alguma coisa, se nada há para esperar? A lareira aquece as pernas mas a alma entorpecida não aquece por nada, memórias que vêm sem aviso que nos deixam um sorriso nos lábios e uma lágrima que rola, que nos lambe a pele e que cai... tudo cai e eu não me levanto, já não o sei fazer, já me cansei de o fazer para cair de novo, deixai-me estar no chão que é para lá que tudo cai. Menos as memórias, que não me caem no abismo do esquecimento, na frieza do vazio do que já não existe, mas que eu faço existir porque é lá que estou, no vazio. Toca o telefone, do outro lado uma voz doce que nos tenta arrancar do sítio onde nos perdemos da última vez que existimos, "Como estás??, estou bem, e tu? Não inventes, queres companhia? Não, não quero, estou bem, a sério... acho que vou dormir o tempo está bom para isso..." Desliga-se, e o mundo fecha-se outra vez, deixa-nos de fora, ou só dentro do mundo que criámos sem que o conseguissemos encaixar nesse que se vive, onde se finge que se vive. Telefone mudo, surdo, e a chuva cai lá fora, e dormir não é opção, porque o sono não deixa, porque me acordas os sentidos que já não sinto, porque sinto o que sentia sem querer sentir ou ter sentido, e tudo o resto não tem sentido. Como na mensagem que me mandaste há tanto tempo que já não me devia lembrar, "tenho tantas saudades tuas que não sei onde as encaixar, e tudo fica sem sentido." Teria sido sentido? Sentiste-o? se o sentiste, onde está? onde estás? E o telefone mudo, e tu mudo, e tu surdo, e eu no chão.

Sem comentários: