Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

26 novembro 2012



Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 

Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

FERNANDO PESSOA


[Este anda a fazer-me muito sentido, não sentia assim desde a altura da adolescência, da primeira paixão que nos desnorteia, que nos questiona, que nos faz baralhar o norte, que nos descobre a cada dia. Cada dia diferente nos faz diferente, e sentimo-nos, sempre e cada vez mais, nós mesmos, ainda que conquistando partes de nós que nos eram até aqui desconhecidas.E são, sempre nós, já erámos e seremos, ainda que amanhã sejamos diferentes. Há que mudar para nos mantermos nós mesmos na essência. São sempre os outros que nos descobrem, que nos obrigam a vermo-nos, que nos mudam, por nos fazerem questionar o que somos, o que temos por dentro, a massa de que somos feitos. "Continuamente me estranho/ Nunca me vi nem me acabei/ De tanto ser, só tenho alma" - é isto. Sou isto.]

2 comentários:

Anónimo disse...

Alma grande

Eva disse...

"Quem tem alma não tem calma."... é o que ele diz e tem razão... muita razão, a alma rouba-nos a calma, a razão, usurpa-nos de nós para sermos nós... é uma chatice!!