Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

05 dezembro 2012


"‎- Mas tu não poupas palavras: tu escreves. Todas as noites gastas uma hora a escrever um diário nesse teu caderno...

- Escrever não é falar.
- Não? Qual é a diferença?
- É exactamente o oposto. Escrever é usar as palavras que se guardaram: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer.


Anos mais tarde, já estava doente, voltei a lembrar-me dessa nossa conversa. Tinha acabado de te escrever uma carta - que nunca te cheguei a mandar e que destruí depois.

E, escrevendo, poupei as coisas que gostaria de te ter dito e que gostaria que tivesses ouvido. Cheguei quase a convencer-me de que bastava escrever-te para tu me ouvires, mesmo que nunca tenha chegado a pôr a carta no correio. Porque era tão sentido e tão magoado, tão distante, o que te dizia nessas cartas, que quase acreditei que tu não podias deixar de me ouvir."


Miguel Sousa Tavares
in "No Teu Deserto"


As palavras não ditas, remoídas no silêncio da vontade de as dizer sem ter de as pronunciar são como sítios de que temos de partir por querermos muito ficar. Mas partimos, deixando no nosso lugar um vazio onde não nos vêem, como não ouvem as palavras que não chegámos a dizer, que guardamos para dizer no silêncio das letras, onde é seguro o nosso lugar vazio. Quem nos vê partir, quem não nos ouve as palavras guardadas, nunca sabe da vontade de que soubessem que as queríamos muito dizer, mais, que as ouvissem sem as dizermos, só pela vontade de as dizer.
Já li este livro. Adorei. Li-o numa noite. É curtinho e devora-se que é uma maravilha. Foi o livro em que mais gostei da escrita do Miguel Sousa Tavares, é intimista, fala-nos um bocadinho ao ouvido da alma, e é doce.

6 comentários:

B disse...

"As palavras não ditas"...
Também gostei mto deste livro..

Eva disse...

Gostei muito mesmo. Triste, mas bonito.

do Paço disse...

Este é o teu dark side. O teu canto mais escuro, certo?
Tenho uma pergunta para ti, Eva:
Nunca pensaste em ter mais blogs que explorem os teus outros «eu»?

Tu deves ser tão mais que isto...
(nao q isto seja pouco, atenção)

Parabéns pelo que escreves. Parece-me puro!
*

Eva disse...

Sim, este é como costumo dizer, o meu muro das lamentações. Felizmente tenho outros lados, mas esses não preciso de os escrever no escuro, estão à vista de todos os que me vêem. E escrevo principalmente quando já não consigo conter as palavras em mim, quando andam já muito às voltas em mim, a brincar comigo por entre os dedos, e tenho de as libertar. Por isso, quando saem, saem na sua forma pura. Talvez seja isso que dizes, ou que te parece. Escrevi pouco sobre coisas boas, alegrias e gargalhadas, dou-as ao pé de quem gosto, com um abraço pleno de pele e cheiro e gente. Se sou mais ou menos que isto, não sei. Sou o que sou, mas poucos sabem quem sou. E isso agrada-me, só quem eu quero chega aos dois lados. É como um segredo este meu lado, o meu eu inteiro.

do Paço disse...

Com um lado tão assumidamente sombrio e tão necessário para o equilíbrio diário, só podes ser exactamente o mesmo oposto na tua "vida real". E acho isso brilhante.

E pronto, era isto.
Vou continuar a ler-te.

P.S.: Bom dia!

Eva disse...

Bom dia!!