Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

24 janeiro 2012

"No ensaio da «Degradação» é que aparece tal expressão, «correntes de sentimento». Para «uma atitude amorosa plenamente normal» (mereceia uma análise semântica atenta, este «plenamente normal», mas adiante), para uma atitude amorosa plenamente normal, diz ele, é preciso que se conjuguem duas correntes de sentimentos: os sentimentos ternos e afectuosos, e os sentimentos sensuais. E em muitos casos, isto purisimplesmente não acontece, infelizmente. «Quando esses homens amam, não sentem desejo; e quando desejam, não conseguem amar».
Pergunta: Deverei considerar-me  incluído nessa multidão fragmentada? Em linguagem clara e simples: os sentimentos sensuais do Alexander Portnoy estão fixados nas suas fantasias incestuosas?O que é que acha Doutor?
(...)
Sim, mas se assim é, como é que se explica aquele fim-de-semana em Vermont? Porque aí romperam-se os diques da barreira do incesto, ou pelo menos assim pareceu. E pluf, os sentimentos sensuais misturaram-se com as mais puras e mais fundas torrentes de ternura que alguma vez conheci! Garanto-lhe que a confluência das duas correntes foi espantosa! E nela também! Ela até me disse o mesmo!
Ou terão sido só as folhas coloridas, doutor, e o lume na lareira da sala de jantar da estalagem de Woodstock, que nos enterneceram a ambos? Terá sido ternura um pelo outro o que sentimos, ou apenas o Outono a fazer o seu trabalho (...) "
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"Começámos o regresso ao fim da tarde, fazendo o trajecto todo de carro até Nova Iorque para prolongar um pouco mais o fim-de-semana. Ao fim de uma hora de viagem, ela sintonizou a WABC e começou a baloiçar-se no assento ao som da música rock. Depois, de repente, disse: «Ah que se lixe o barulho», e desligou o rádio.
Não era bom, disse então, não ter de regressar?
Não era bom viver um dia no campo com uma pessoa de quem se gostasse muito?
Não era bom acordar cheio de energia ao nascer do Sol e ir para a cama derreado quando escurecesse?
Não era bom ter uma data de responsabilidades e passar o dia todo a tratar delas sem lhes sentir o peso?
Não era bom uma pessoa estar dias inteiros, semanas inteiras, meses inteiros sem pensar em si própria? Andar com roupas velhas, sem maquilhagem, e sem precisar de estar constantemente em forma?
O tempo foi passando. Ela assobiou. «Não achas que era incrível?»
«O quê?»
«Ser adulto. Adulto, sabes?"

Philip Roth, in O complexo de Portnoy

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