Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

27 janeiro 2013

Hoje de manhã, na ronha, peguei no livro que andava a ler e acabei-o. Este livro custou-me entrar nele, ao início não foi fácil, depois, não sei quando, nem como, ganhou-me. Tanto que passagens que gostei, que me fizeram pensar por momentos, para logo depois me embrenhar de novo nas palavras, não foram marcadas como costume, de modo que andei agora para trás e para a frente à procura de algumas que me lembrava. É um livro sombrio que nos revela também o lado sombrio do ser humano, e que vemos em tanto lado disfarçado, não assumido, até sinceramente mentido porque não é aceitável, mas no meio do fim mundo, onde tudo é selvagem, também os seres se tornam menos humanos, ou menos diplomaticamente humanos, como os queremos. Por muito bem que falem, por muito eloquentes que sejam, o seu lado sombrio revela-se quando ninguém, daqueles que se consideram seres humanos evoluídos, está a ver. É isto, é mergulhar no ser humano com tudo de putrefacto e até violento (ainda que não haja violência física alguma no livro) todos temos e não assumimos. O instinto talvez? no seu lado mais puro, mais em bruto? Talvez...

"A terra parecia não ser deste mundo. Estamos habituados a ver a forma agrilhoada de um monstro vencido, mas ali... ali víamos uma coisa monstruosa e livre. Era sobrenatural, e os homens eram... Não, não eram inumanos. Compreendem, isso era o pior de tudo, essa suspeita de que eles não eram inumanos. Tomávamos lentamente consciência dela. Eles urravam e saltavam e giravam, e faziam caretas horrorosas; mas o que nos emocionava era precisamente o pensamento da sua humanidade - como a nossa -, o pensamento do nosso remoto parentesco com aquele tumulto selvagem e desenfreado. Hediondo. Sim, era de facto hediondo; mas quem é suficientemente homem não pode deixar de admitir, para consigo mesmo, uma leva reacção, ainda que muito ténue, à terrível franqueza daquele ruído, uma vaga suspeita da existência nele, de um significado que nós - nós, tão distantes da noite dos primeiros tempos - podíamos compreender. E porque não? A mente do homem é capaz de tudo: porque ela contém tudo, todo o passado, assim como todo o futuro. O que havia ali, afinal? Alegria, medo, mágoa, afecto, valentia, raiva - quem poderia sabê-lo?-, mas havia certamente verdade, sim, havia verdade despida do manto do tempo."

Joseph Conrad, in O Coração das Trevas

(afinal é só um trecho, que estou preguiçosa...)

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