Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

23 fevereiro 2013

"Aquele casamento ainda a maravilhava. Carlos adorava-a, ajoelhava no chão, à noite quando ela se deitava, para lhe beijar os pés nus. Ela sorria, cheia de amizade, censurando-o por ser tão criança. Então recomeçara uma vida sem sobressaltos. Durante doze anos, não se recordava de um abalo. Vivia muito calma e muito feliz, sem uma febre na carne nem no coração (...) 
E ela viu bruscamente o quarto do hotel do Var, o marido morto, o vestido de viúva estendido nas costas de uma cadeira. Chorara como na noite de Inverno em que a mãe morrera. Em seguida, os dias tinham voltado a correr. Havia dois meses que ela se sentia muito feliz e muito calma com a sua filha. Meu Deus! E aquilo era tudo? E que dizia então aquele livro, quando falava daqueles grandes amores que iluminavam toda uma existência?" - realmente toda a gente parece achar que a felicidade é assim uma coisa morna, uma vida sem sobressaltos, uma ausência de febres; e deve ser, de certeza que é, para quem não conseguir adivinhar o resto, porque se o adivinhar, nem que seja através dum livro, toda essa felicidade se torna num marasmo pesado, uma sede constante, uma irritação sem motivo, uma fome sem tréguas.

"Joana, contudo, às vezes teimava.
-Ah! Tu agora vais-me dizer! - perguntou ela - Aquelas vidraças muito brancas?...É uma coisa muito grande, deves saber.
E designava o Palácio da Justiça. Helena hesitava:
- É uma estação de caminhos de ferro... Não, parece-me que é um teatro...
Teve um sorriso, beijou os cabelos de Joana, repetindo a sua resposta habitual:
- Não sei, minha filha.
Então continuaram a olhar para Paris, sem pensarem mais em conhecê-lo. Era uma coisa muito suave, tê-lo ali e ignorá-lo. Continuava a ser o infinito e o desconhecido. Era como se tivessem parado no limiar de um mundo do qual presenciassem o espectáculo eterno, recusando descer a ele." - deve ser suave ter a vida ao alcance da mão, da pele, dum olhar, e ignorá-lo, preferir não o conhecer, dá-lo por infinito e inconsequente; olhar o espectáculo de fora e não querer fazer parte... mas então nunca compreenderão o espectáculo, toda a sua dimensão, nunca o sentirão por dentro. O medo, ou a covardia (que é a concretização imobilizante do medo) é uma defesa, procura preservar-nos, mas preserva-nos até, ou principalmente, da vida, daquela que se sente.

"Então, lágrimas de enternecimento subiram aos olhos de Rosália, e para testemunhar a alegria de o tornar a ver, o que achou de melhor foi fazer troça dele." - conheço alguém assim, quando não sabe o que dizer, e lhe apetecem dizer outras coisas que não pode, e tem de disfarçar a alegria da surpresa, desata a disparatar, a gozar a vítima que a vitimou e destabilizou...

"E calaram-se. Entreolharam-se com os olhos a luzir, os lábios apertados e mexendo lentamente numa careta de ternura. Devia ser a sua maneira de se beijarem, porque eles nem sequer se tinham estendido a mão."

in Uma Página de Amor, Émile Zola

(os comentários parvos são meus mesmo)

2 comentários:

Silvia disse...

Dia errado para ler isto. A meio já as lágrimas corriam...

Eva disse...

Ohhhh :(