Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

12 setembro 2013



"Comecei a amar-te no dia em que te abandonei. 

Foram as palavras dele quando, dez anos depois, a encontrou por mero acaso no café. Ela sorriu, disse-lhe “olá, amo-te” mas os lábios só disseram “olá, está tudo bem?”. Ficaram horas a conversar, até que ele, nestas coisas era sempre ele a perder a vergonha por mais vergonha que tivesse naquilo que tinha feito (como é que fui deixar-te? como fui tão imbecil ao ponto de não perceber que estava em ti tudo o que queria?), lhe disse com toda a naturalidade do mundo que queria levá-la para a cama. Ela primeiro pensou em esbofeteá-lo e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, de seguida pensou em fugir dali e depois amá-lo a tarde toda e a noite toda, e finalmente resolveu não dizer nada e, lentamente, a esconder as lágrimas por dentro dos olhos, abandonou-o da mesma maneira que ele a abandonara uma década antes. Não era uma vingança nem sequer um castigo – apenas percebeu que estava tão perdida dentro do que sentia que tinha de ir para longe dali para ir para dentro de si. Pensou que provavelmente foi isso o que lhe aconteceu naquele dia longínquo em que a deixara, sozinha e esparramada de dor, no chão, para nunca mais voltar. 

De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona. 
Foram as palavras dela, poucos minutos depois, quando ele, teimoso, a seguiu até ao fundo da rua em hora de ponta. Estavam frente a frente, toda a gente a passar sem perceber que ali se decidia o futuro do mundo. Ele disse: “casei-me com outra para te poder amar em paz”. Ela disse: “casei-me com outro para que houvesse um ruído que te calasse em mim”. Na verdade nem um nem outro disseram nada disso porque nem um nem outro eram poetas. Mas o que as palavras de um (“amo-te como um louco”) e as palavras de outro (“amo-te como uma louca”) disseram foi isso mesmo. A rua parou, então, diante do abraço deles. Não há memória de alguém, algum dia, ter considerado que aquele abraço foi um abraço de traição entre duas pessoas casadas. Toda a gente percebeu, logo ali, que a única traição seria não abraçar aquele abraço, por mais que houvesse documentos que comprovassem o contrário. Nunca casaram nem nunca se divorciaram. Não queriam perder tempo com papéis desnecessários. Os únicos papeis que assinaram, todos os dias, foram os dos poemas que, religiosamente, deixavam nos mais recônditos e secretos lugares da casa um para o outro. Não eram grandes obras e terminavam, sem qualquer variação possível, sempre da mesma forma: “amo-te”. Nunca receberam qualquer elogio da crítica literária, o que os deixava particularmente irritados. Souberam, anos mais tarde, que toda a sociedade os havia renegado. Chamavam-lhes, mesmo, os fugitivos. Eles, nesse ponto, concordaram em absoluto. Ambos sabiam que haviam fugido durante dez anos. E tinha sido tempo demasiado. 
Sim, quero.
Foram as palavras dele quando ela, no registo civil como tinha de ser, lhe perguntou se queria nunca casar com ele."

Pedro Chagas Freitas

[Há coisas neste texto que tenho quase por certas irem acontecer num futuro mais curto que a década. 
A primeira frase vai-te estar por dentro da boca ainda antes de dar tempo de apodrecer a despedida que dela sair. Só o fim não será este, porque a poesia da vida não se vive, a mediocridade da vidinha morna se alimenta da cobardia, e porque não, não queres. E porque não quereres te vai matar em mim. 
Perguntaram-me "é falta de coragem ou é falta de amor?", e eu só pensei para mim: há diferença? haverá diferença? 
O contrário do Amor não é o ódio, talvez nem mesmo a indiferença: é o medo. Porque o medo só tem medo do Amor, é o único que o extermina implacavelmente, sem misericórdia ou instinto de sobrevivência. Quando há Amor não há medo que o submerja; quando há medo, o Amor fugiu ou nunca compareceu. É por isso que o mais cobarde dos medrosos é um herói que não percebe, nem quer perceber ou saber, os perigos quando corre por Amor. O morno deixa de o aquecer para o queimar por dentro.
É falta de Amor. 
E essa falta matar-me-á a tua falta. 
E, no entanto, "De tudo o que amo és tu o que mais me apaixona. " .
Depois a minha falta vai nascer em ti.
E tu finalmente vais perceber.]

8 comentários:

Unknown disse...

sobre este texto tenho uma coisa a dizer: so valorizamos alguem ou algo quando a perdemos por completo. ;)

http://ocarteiravazia.blogspot.pt /

Eva disse...

E sobre isso só me ocorre dizer o contrário do popular: mais vale nunca que tarde.
É que depois não vale a pena, valorizarmos depois de perdido? isso é para agentes de execução, ou masoquistas...

...e é por isso que não concordo com isso, ou melhor, com a generalização. Há quem saiba valorizar enquanto tem, e saiba, por isso, lutar pelo que valoriza enquanto as forças não se esvaírem por completo. E só depois de já não haver nada a fazer se baixam os braços, sabendo que se lutou tanto quanto se valorizou a causa. Pobres das almas que só valorizam quando já não têm por que lutar...

A única coisa verdadeiramente difícil é saber quando é que já é tarde.

Anónimo disse...

A tua falta nasce em mim todos os di@s

Eva disse...

A minha já nasceu, todos os dias, a cada dia, desde que me roubaste o primeiro beijo. Ainda hoje de manhã, apesar de danada, de zangada, de triste, de farta, nasceu.

Anónimo disse...

A minha nasceu antes, muito antes desse beijo. Esse só confirmou que me sugas-te a alma por completo nesse preciso momento em que tu roub@i.

Eva disse...

Não era falta de mim, era falta de Amor, de ser amado... não de mim.

Anónimo disse...

B@h

Eva disse...

@hhhh poizééé...