Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

26 dezembro 2014


"podes levar os dias que trouxeste

os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue

podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois

daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido

não, é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites

as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca

podes levar os dias que trouxeste"


Pedro Sena-Lino

[... "Nunca foi tão tarde ser depois", tarde até para levares o que for, nada do que pudesses levar me parece teu, e tu nunca trouxeste nada. hoje - particularmente hoje, amanhã não sei - parece-me que nunca trouxeste nada, apenas vieste buscar tudo o que tinha, tudo o que tinha de melhor, tudo o que tinha meu de teu, talvez. Levaste tudo, não me restaste nada, não me trouxeste nada, apenas, qual sanguessuga, vieste à procura do que precisavas, do que querias, e nunca fui eu, mas a vida que me corria nas veias, o brilho que iluminava o olhar de quem ama. Era sempre a tua sobrevivência, o teu equilíbrio, as tuas faltas, as tuas sedes, as tuas fomes. O que levaste foi-se daqui e nem tu o guardas, esfumou-se. Já desapareceu no sorriso que agora sorris e trocas por dias-a-dias, nas mãos que dás, nos abraços que apertas, e trocas por amnésias de noite, ou insônias a toda hora, não sei. Não quero saber, hoje não quero saber nada. Só sei que podias levar os dias que trouxeste, se não os tivesses enterrado antes de nascerem, levaste dias que eu pensava que trazias, tiraste noites que eu pensava que me davas, esgotaste-me as perguntas sem resposta, e nunca me perguntaste nada, não trouxeste nada, não quiseste nada, deixaste ficar tudo, foi sempre tudo meu. Nada teu. ]

Boa Noite

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