Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

02 janeiro 2015


"O tempo de sedução terminou. Terás de me tocar, terás de trocar o tacto dos olhos pelo tacto dos dedos. Apenas persistirá o jogo, a cumplicidade, e uma ténue vibração do corpo que se perdeu contra o meu corpo."

Al Berto

[A sedução nunca termina, não pode terminar. Apenas se altera, amadurece, aperfeiçoa-se, talvez. Torna-se cada vez mais cúmplice, cada vez mais intima, cada vez mais nossa. Com códigos próprios, onde as palavras cada vez dizem menos, e as que se usam não dizem o que se ouve, ou ouve-se o que não dizem. Significados nossos, próprios, quase neologismos feitos à nossa medida, fruto que o mundo fechado de duas pessoas faz nascer. Duas pessoas que fazem um mundo. Ninguém percebe, ninguém entra, e quem o fez apenas sente, sente-se no seu lugar, inteiro, e sem medo. Sente muito, tanto. não, a sedução não termina, como não termina a vontade do outro, e de retornar sempre e tanto a esse mundo em que a morada é o colo do outro, o olhar que se troca, o beijo em que se entregam, os sonhos que partilham e a realidade que dividem, entre risos, brincadeiras, dores e lágrimas. Onde cabe tudo, onde há espaço para tudo para caberem inteiros e transparentes, onde o sentido da vida cabe no enlaçar das mãos, que se encaixam sem se dar por isso. Quase inconsciente, quase magnético, totalmente desejado. Onde não precisa de explicação o abraço que se abraça sem estender os braços, o beijo que se beija num olhar que tem boca, para perto aquecer quem o sente. Os beijos - a língua mais quente e rica para falar de amor com amor. Mesmo em silêncio, tantas vezes sem boca. Antídoto do frio e do desespero. Aquieta e inquieta, baralha e clarifica, recebe-se pleno só se se der inteiro. ]

2 comentários:

Filipa disse...

O que a Eva escreveu, é o ideal, é o que devia acontecer, mas na prática o que acontece é que a sedução termina mesmo e eu acho que essa é precisamente a principal causa de morte das relações, o dia a dia desgasta as relações, a sedução implica ainda alguma cerimónia, o querermos estar no nosso melhor para o outro, na maioria das vezes com a convivência o outro começa a ter direito é ao nosso pior e vice versa, e começa a existir aquela frase que diz que descarregamos em quem mais gostamos, ora bolas, assim não, obrigada. (Por isso eu nestas coisas gosto do à vontade, mas nunca do à vontadinha, o à vontadinha mata todo o romance, toda a sedução, gosto de manter alguma cerimónia, com conta peso e medida, que nos leva a querer estar no nosso melhor para o outro, permanentemente).

Eva disse...

Pois talvez a minha definição, ou conceito, de seduçao esteja errado, mas para mim sedução não é vestir uma máscara que não é a nossa pele para convencer alguém de alguma coisa que não somos. Para mim não tem nada a ver com achar que se faz alguma coisa para que se apaixonem por nós... Isso não existe, só na espontaneidade de quem somos genuinamente poderão apaixonar-se por nós, por nós realmente, e não uma ideia etérea do que nunca se toca, porque simplesmente não existe. Essa noção de vestir uma pele que não somos para prender alguém numa armadilha duma pessoa/relação que não existe não é a minha noção de sedução. Sedução é o continuar a ter vontade do outro, é fazer por que ele continue a ter aquele brilho especial nos olhos quando nos vê,durante uma brincadeira, ou no que for. É ter vontade do outro e não o dar por garantido. É continuar a querer namorar, a todos os dias nos importar o que o outro quer e pensa - e como diz a Filipa, querer estar no nosso melhor para o outro, e suscitar no outro o melhor que pode ser. Sedução é um "jogo" conjunto de manter o que gostamos, de nos darmos com vontade e à vontade (não à vontadinha), é essencialmente não tomar o outro por garantido e manter o que gostam que os mantenha juntos. Talvez a minha definição esteja errada, talvez seja idealista como se calhar eu sou, mas sedução para mim é um pouco esta dinâmica, é o namoro contínuo, a vontade que não se perde do outro, de o surpreender, de o trazer para perto. Mesmo que esse perto as vezes signifique que descarreguemos nele. Verdade, mas o inverso também acontece e cá estaremos... Desde que haja vontade e as duas pessoas gostem uma da outra. Sedução talvez seja a vontade de alimentar e de o recordar, para o manter presente e sonoro.