Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

19 abril 2015

Acordei durante a noite, umas duas ou três vezes, a chorar com um sonho que não me largava. Até a dormir a morte não me larga nem morre, não se enterra de vez. E era isso mesmo: enterrar a morte. Deixá-la num sítio, longe, onde se possa não ir. Caixão aberto há dias, a cor da morte, marmórea, a envelhecer, a desbotar, apodrecida. E eu só dizia que temos de fechar o caixão e enterrar, deixar a morte morrer, e não definhar-nos. E chorava, e acordava, e adormecia e tudo na mesma. Finalmente resolvi não dormir mais e fiquei a pensar no sonho. Temos de deixar a morte morrer, enterrá-la num sítio onde possamos escolher não ir; senão a morte, todas as mortes, acabam por apodrecer-nos, de dentro para fora. Fiquei a pensar que há mortes que não consigo enterrar longe, enterraram-se-me por baixo da pele, das unhas que esgravatam a vida, e mortas, definham lentamente toda a vida. A que ainda há, a que houve, e a que posso ainda vir a ter e viver. Tenho de matar estas mortes e enterrá-las longe de mim, deixar ficar a vida que tiveram, que a morte pode levar, mas assim, com cores, com vida, não definhando em agonia os dias e as noites, e tudo o que podia brilhar no olhar posto no horizonte. Há mortes que tenho de enterrar de vez e desenterrar da pele. 

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