Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

24 setembro 2015


Aproveitar um bocadinho a primeira noite de Outono na varanda, ainda sem mantas. Estamos já a ver o outono, é um instante entre o seu cumprimentar de longe e o chegar-nos aos ossos, com toda a melancolia, toda a nostalgia da minha estação preferida, ou aquela com que mais me identifico. Engraçado, agora, pensar nisto que digo, porque o outono é o morrer de tudo o que nasceu na primavera, a transformação que dará lugar, depois, a coisas novas e verdejantes. São as despedidas,  os fins a que se seguem os lutos, os frios cerrados, a noite mais escura antes do amanhecer da primavera. São os pores de sol quentes ao longe. E talvez eu seja isso mesmo, feita de fins, de folhas que caem para que venham outras, que se despegam dos braços das árvores, que tombam nos caminhos por percorrer já despidas do verde de vida. De mim tudo se despega, se despede, despem-se de mim como a um casaco coçado, gasto, sem serventia. Folhas mortas no chão. As primaveras moram noutras paragens, não na minha. Na minha só as despedidas, o que antecede o gelo e o recolhimento a casa. Nunca tinha pensado nisto, mas sou realmente feita de outonos, a estação onde todos páram e se apeiam. Continuam outras viagens, eu fico-me pelo recolhimento de todos os lutos que a vida me tem servido de bandeja, e com que luto para que um dia me floresça a Primavera no olhar, na alma, no espírito. Na vida. Mas eu sou feita de Outono... E já poucas folhas me restam, nenhuma verde. 
Mas depois do Inverno, o verde nascerá em todas, vivo, mesmo que não se acredite.

6 comentários:

Luisa disse...

Se soubesses como me revejo nestas tuas palavras..."De mim tudo se despega, se despede, despem-se de mim como a um casaco coçado, ...Mas eu sou feita de Outono...

Tao verdade..isto..! que eu nao poderia dizer senão que estou aqui inteira..!!

Admiro imenso o que escreves,,muitas vezes me revejo nas tuas palavras..mas estas certamente ficam-me marcadas,,,

Parabens por tao bem saberes usares as palavras..

Beijinhos!!
Luisa

Eva disse...

Obrigada, Luísa.
O Outono é sempre transformação, transformemo-nos nós também para darmos lugar a novas e melhores coisas.
:)
Beijinhos

Anónimo disse...

O Outono é jóia :)

Eva disse...

Hein? Jóia?!?

Filipa disse...

Adoro a forma como tratas as palavras, já sabes, ainda por cima porque as tuas palavras são verdade, mas, penso tantas vezes, quando te leio, que somos diferentes, tendo provavelmente passado por coisas parecidas. Também carrego lutos, vários, de pessoas que amei muito, várias, e mesmo por causa da morte, a morte a ceifar-me pessoas, apareceu-me na vida cedo demais. Pessoas de todo o tipo de afetos. Tal como tu, adoro a nostalgia do Outono e também gosto do Inverno, mas, por dentro, mesmo em alturas muito, mas mesmo muito difíceis, a Primavera sempre se impôs, sempre quis irromper, com uma força...acho que sou uma sôfrega de vida, que me apaixono por pequenas coisas, amo a vida. Os outonos, como trampolim para recomeços, foram sempre vistos como esperança. A vida, está tão cheia de coisas maravilhosas, Eva. Os outros são muito importantes para a nossa felicidade, para o nosso bem estar, é verdade, mas mal será, se a nossa felicidade, o nosso bem estar, estiver única e exclusivamente dependente de quem está ou não na nossa vida, dos outros.
Pelo que leio de ti, acho que tens todos os motivos para gostar de quem és, e isso, para além de me parecer dever ser o ponto de partida, talvez seja o mais importante, para que o resto também corra bem.
Beijinhos, Eva e uma boa noite.

Eva disse...

Tens razão, Filipa. Os Outonos são periodos de transformação, de preparação para renovação. É o que estou a tentar fazer da minha vida. Aqui, neste blog, deixo as palavras que escondo durante o dia, são essencialmente palavras de sombra, que só aqui vêem à luz do dia. Aqui fica, e principalmente nos últimos tempos (largos), a minha tristeza escondida, os meus lutos (sim, a morte tem-me cercado, tenho perdido pessoas de quem gosto, pessoas próximas e outras de dentro. Não me tem dado sossego, tempo para respirar nem sei se vai dar...), os meus Outonos. Espero a Primavera, há-de chegar, mas há dias em que parece que, apesar de sabendo, não se acredita. Ainda assim normalmente quem me rodeia o dia está sempre bem disposto, ninguém me reconheceria por Eva. :)
Já esse problema da importância dos outros é antigo em mim, parece que são os outros que me guardam a felicidade, mesmo que a chave esteja em mim. Mas concordo contigo não é assim, tem de estar em nós, sei disso só ainda não sinto isso. Hei-de lá chegar ;)
Boa noite Filipa, beijinhos