Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

16 dezembro 2015


[foto de Sebastião Salgado]
"Talvez não haja nada melhor que uma gloriosa derrota porque, por muito grandes que sejamos, acabaremos sempre derrotados. Quevedo disse-o: "serei pó, mas pó apaixonado". Becket tinha razão: errar, errar melhor.

Meu Deus ajuda-me a errar melhor. Goethe sustentava que é o não chegar que faz a nossa grandeza. Morrer à vista da Terra Prometida sem conseguir tocar-lhe. Se Deus, como penso, existe de facto, gostaria de acabar assim. Quase lá, a centímetros do que quereria dizer, olhando a areia em que não chego a tocar. Isso me basta: ficar a centímetros da areia em que não chego a tocar, de boca aberta, sem olhos e, no entanto, vendo."


Antonio Lobo Antunes

"sem olhos e, no entanto, vendo" ... o que nos falta, o quão próximos (ou afastados) estamos, sem nunca chegar, como um horizonte que só não se afasta se não nos mexermos.
A grandeza de cada um, parece-me, é o regressarmo-nos sempre, e de lá, desse sítio onde nos (re)encontramos - onde nos reconhecemos, cheiramos e tocamos, onde somos inteiros, de alma, sonhos e ossos, ainda que partidos - voltarmos a levantar o olhar ao horizonte, desejá-lo, querer alcançá-lo de novo, atrevermo-nos a sair novamente de nós, e, pé ante pé, passo após passo, fazermos o caminho, mesmo sabendo que o horizonte sempre nos foge, mas que é o crer em querê-lo que nos faz andar. De quando em quando forçamo-nos (ou forçam-nos) a parar para, depois, continuarmos inteiros e convictos de que o nosso horizonte é o destino para que queremos caminhar. Que é ali que queremos ir, que aquele caminho somos nós. Que aquele horizonte é, mais que tudo, o nosso olhar de olhos fechados.
Errar, errar melhor, errar com paixão. Desfeitos, mas vivos no horizonte onde nos queremos, mesmo sabendo que não o chegaremos a tocar.
O caminho certo é o nosso quase tocar, quase chegar, visto por dentro dos olhos fechados abertos à alma.

Uma gloriosa derrota pode ser a vitória da paixão.

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