Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

31 julho 2014


"- Andamos a regar flores de plástico, é isso que fazemos. Temos coisas que não servem para nada. É tudo plástico. E nós regamos essas flores e esperamos que cheirem a coisas boas. Mas é plástico. Temos coisas, em vez de tentarmos ser felizes, substituímos a vida por plástico, a felicidade por plástico e o próprio plástico por plástico. Trabalhamos para regar uma vida destas."

Afonso Cruz

[...plástico, sim talvez... leio isto e pergunto-me qual é, ou foi, o meu plástico. O que andei eu a regar a pensar que era verdadeiro e afinal era plástico, era falso, não era nada. Será que então a minha felicidade era plástico também?... Não, não era, a felicidade não se falsifica, ou se sente realmente, ou não se sente, e eu senti. O que sentimos por verdadeiro é verdadeiro para nós, mas para outros poderá ser plástico. Se calhar é isso. Vejo muita coisa que me parece plástico, que me dizem plástico, mas será? Só quem realmente o sente saberá. Se não se enganar a si mesmo. E quem andar a regar flores de plástico e o sabe, porque o faz? Sabemos que o plástico não cresce, não vive, e se cheira é manipulado para isso, para cheirar a determinada coisa que parece bem, mas para quê? É mais seguro regar flores de plástico porque não morrem, porque na verdade tanto faz que se reguem ou não, porque serão sempre plástico, não passam a flores verdadeiras, selvagens no campo ou de estufa cheias de cuidados. Por muitos cuidados que se tenha com o plástico. 
Eu gosto de flores selvagens das que nascem sem se pedir, sem nada fazermos, mas que notamos quando passamos porque são bonitas, porque são reais, porque lutam para se manter. porque têm e representam vida. Gosto de flores do campo, não gosto de estufas e de demasiados cuidados, gosto do que é espontâneo, genuíno e cresce sem pedir licença, gosto do que surpreende e desafia a vida. Gosto dessa força, mesmo que seja frágil e incerta contra a força certa do plástico, que nunca muda e nada oferece. Só se vê, só parece, só serve para se ver e nada mais. Andamos a regar vidas para que se veja, para que nos vejam?? sempre na máxima beleza imutável, e entretanto deixamos passar a vida que é selvagem e sempre muda, sempre cresce, sempre luta, e às vezes morre, mas pelo menos viveu. Pelo menos viveu-se um dia. O plástico serve para os outros verem o que achamos perfeito e gostaríamos de ter, tanto que até regamos para nos enganarmos de que dali algo pode crescer. E entretanto morremos aos poucos porque não somos de plástico.]

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