Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

05 agosto 2014

"Matilde esforçava-se por tratá-lo por tu; evidentemente dava mais atenção a esta maneira de falar estranha do que às coisas que dizia. Esse tratar por tu desprovido do tom de ternura não dava prazer algum a Juliao; admirava-se de não sentir felicidade; e, para a sentir, teve de recorrer ao raciocínio. Via-se estimado por aquela rapariga tão altiva e que nunca concedia louvores sem restrições; com este raciocínio conseguiu a satisfação do seu amor-próprio."

Stendhal, in Vermelho e negro

[... Para sentir felicidade teve de recorrer ao raciocínio? Engraçado como pelos vistos a felicidade pode ser pensada, convencida se agradar ao nosso amor-próprio!! Nunca tal me passaria pela cabeça. A felicidade para mim sempre foi sentida sem pensar, senão é talvez contentamento, satisfação. Felicidade não deixa espaço para pensar, não enquanto se sente, depois sim, pode-se pensar e até tentar entender ou justificar, sem grande resultado, provavelmente. Ser feliz talvez seja uma coisa que se possa analisar e pensar porque é um contínuo, estar feliz, sentir-se feliz é uma plenitude que anula o pensamento, talvez por isso seja o estado de felicidade pura.
E eu agora penso que talvez seja boa ideia dormir, porque a ideia de ir trabalhar amanhã não é lá muito boa... Eheh]

6 comentários:

Filipa disse...

"Para sentir felicidade teve de recorrer ao raciocínio", "...a felicidade pode ser pensada, convencida se agradar ao nosso amor-próprio." Aqui para nós, não é isto que a maioria faz? ligando a uma reflexão sua mais abaixo, que li para aí 3x :), é o tal comodismo de regar flores de plástico e passar a vida a sonhar com as selvagens, a maioria das pessoas que conheço (talvez mesmo todas as que conheço) é assim, vive uma felicidade raciocinada, já eu, não deixo que me formatem e quando é, é mesmo, de caixão à cova, para o bem e para o mal, sem nem conseguir lá raciocinar muito bem, sim, podemos vir a sofrer muito, muito mais, mas também saberemos muito mais sobre o que é isto de estarmos vivos e termos capacidade de sentir.

Eva disse...

Sim, aqui para nós talvez seja o que a maioria faz... é o manter as flores de plástico na jarra e ir regando para nos convencermos que crescem, que reagem, que têm vida dentro. Não têm, mas há para quem esse teatro baste, e talvez essas pessoas sejam felizes nessa felicidade pensada, talvez seja possível, se não conhecerem a outra, talvez seja possível.

Quanto ao resto, Filipa, é tudo verdade mas o pior de estar vivo, de se estar vivo uma vez na vida e tanto e muito, é poder-se morrer. E pior do que saber isso e ter medo que aconteça enquanto nos sentimos felizes e vivos, é afinal morrermos mesmo.

O pior de estar vivo desta maneira é morrer e continuar a respirar.

Se calhar a felicidade raciocinada, tal como as flores de plástico, é mais cómoda, mais prática, as outras como dizes "de caixão à cova" acabam muitas vezes na cova sem caixão... é um bocado chato...

Filipa disse...

Estar-se vivo uma vez na vida e tanto e muito e poder morrer-se e continuar a respirar é um risco que se corre, como acabar na cova sem caixão, sim é chato, mas eu daí ponho o ênfase no tanto e muito que soubemos que é possível estar-se vivo e vejo isso como um privilégio, a que só alguns têm acesso, quem desconhece contenta-se com o que conhece, sim, mais prático, mais cómodo, mas Eva, eu não queria essa felicidade pré fabricada para mim, podem nunca sofrer muito, mas também...nunca...muito...nada :) não é?(e por aquilo que me vão dizendo, sabem que estão a forçar um bocadinho a coisa, resignação, portanto). Sei que quando estamos em pleno sofrimento não conseguimos sentir que exista aí nada de bom, mas visto de fora é o preço a pagar por não nos contentarmos com teatros plastificados e caramba Eva se há coisa que eu admiro é isso, quem paga o preço de não sucumbir ao plástico, assim como a Eva.

Eva disse...

O ênfase é sempre esse quando se tem alma e enquanto se tem esperança. Eu já não sinto nenhuma das duas, e acho que há coisas que com sorte acontecem uma vez na vida e não mais, por isso a tentação do plástico é grande, mesmo que não seja sapato para o meu pé, sempre dá para se andar. Eu ainda não sucumbi ao plástico mas sucumbi da vida, ou assim me sinto nestes dias que não parecem acabar...

Filipa disse...

Vejo alma e esperança no que procura para colocar no blog e no que escreve.
E se for só uma vez na vida, ao menos aconteceu e foi uma sorte sim.
Se a Eva chegar a sucumbir ao plástico, palpita-me que vai ser sol de pouca dura e lá vai rapidamente procurar o ecoponto Amarelo mais próximo para se livrar daquilo ;).
E não vou desistir de tentar fazer com que veja as coisas de uma maneira mais positiva, temos de ser uns para os outros e eu que entro assim no seu cantinho virtual sem ser convidada e que gosto tanto de ler o que aqui se escreve, também não é nada de mais dar qualquer coisa em troca e portanto de vez em quando vou dizer-lhe de alguma maneira, que pelo menos esta leitora não quer cá sucumbimentos :)

Eva disse...

:)
é verdade que não sou de falsificações, prefiro o barato genuino do que uma falsificação do que não posso ter. Não gosto de fachadas e não as aguento muito tempo, é verdade, mas o cansaço é demais. Não tenho esperança de voltar a viver nada com a mesma intensidade, mas tenho esperança de viver algo mais verdadeiro, mais reciproco, ainda que nunca mais a surpresa e a entrega seja possivel desta forma, espero que me traga alguma felicidade. Da não raciocinada. Alguma.
(e obrigada pela fé em mim e no meu não sucumbimento ;), por alguém anónimo que nem conhece, por alguém assim com este cantinho virtual que sou tão eu. obrigada)