Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

20 fevereiro 2015



Paradoxo da pele : precisar tanto de ser tocada e não suportar a ideia de alguém me tocar.

Li algures que a pele tem memória, e é verdade, só pode ser verdade - ainda que nem para todos, ou cada um terá a sua memória selectiva, talvez. Tenho esperado a amnésia da pele, o perder o norte dos caminhos que a ponta dos meus dedos percorria de olhos fechados, o desbotar dos trilhos que me sulcaram a memória, que por tantas vezes terem sido percorridos na pele ficaram lá, ainda os sei e quase os sinto. Não fui abençoada com essa amnésia, bem com muitas outras, ao contrário de tanta gente que tão facilmente, tão rapidamente, muda a pele que toca, que nem a ponta dos dedos chega a notar diferença, como se já nada sentissem, ou como se tudo fosse o mesmo - todas as peles, todos os corpos, o mesmo corpo indistinto, que não lhes mergulha na memória, no ser, não invade a casa e a torna sua. Como deve ser triste não ter um rosto de que sentir saudades, como deve ser pobre, em tanta pele não sentir nenhuma como casa. Deve ser uma solidão cheia de gente sem rosto, sem pele com alma, sem ternura para beber na ponta dos dedos. Prefiro a minha solidão cheia de saudades, o meu corpo esculpido de memórias, ainda que anseie pela amnésia que me deixará, pé ante pé, sair da solidão e permitir conhecer novos caminhos, que não fujam de mim e me deixem na saudade da minha pele - de a sentir-, e da pele que não é minha. Que não me levem aquele recanto no meio do peito que reclamei para mim, onde os meus dedos se perdiam na inconsciência de terem chegado a casa, bocadinho que elegi universalmente para mim, e que declararam meu, mas que terá sido tão meu como de toda a gente que não deixou saudades. Que não deixou nada. Bendita amnésia do que não precisa de ser esquecido.

Boa Noite



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