Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

12 janeiro 2016


Ele abre a porta, ela entra à sua frente, a meio do riso que ele a fazia rir. Durante toda a noite lhe mediu o corpo inteiro, percorrendo-o mentalmente com a medida das suas mãos. Cada curva, cada recanto, cada pormenor. Ela ouve a porta fechar ao mesmo tempo que sente duas mãos na cintura, com a medida exacta de firmeza tensa mas delicada que a encosta à parede, que a aperta entre o frio da parede e o calor urgente dum corpo que já não consegue adiar, e que se sente com prazer. Sente aquelas mãos que a agarram, que a querem com a tesão a marcar o tempo nas batidas dum coração desenfreado. Ouve a língua do trinco encaixar e sente a dele a descer-lhe o pescoço sem pressa, o encaixe das vontades nos corpos, o som metálico abafado por aquele rosnar doce e pelo marulhar quente do beijo, acordando a espinha em arrepios que morriam ao fundo das costas. O vestido sobe agarrado à mão que sobe por dentro da coxa, e se demora onde a carne ferve ansiosa por aquela mão. Ela não se vira, deixa-se encaixar no momento e deixa a vontade correr solta com as mãos a servirem de olhos, a trilharem a pele dele como novos mapas de felicidade, como um destino que se abre para receber a vida. Cada respiração um mergulho ansioso no abismo selvagem da vida, acelerado, sedento, incerto. Naquele instante uma luz renasceu nela, o mundo pareceu apagar-se se e toda uma vida ser engolida no vácuo do tempo que se esquece sem nos lembrarmos como.
Nunca mais o som metálico dum trinco que se fecha foi o mesmo. Há portas que têm de ser fechadas, que seja assim, com dois corpos a abrirem-se à paixão, ao desejo, entregues à vontade de amar cada poro, cada som, cada sonho do corpo que esconde a alma onde nos queremos aninhar em paz depois da explosão dos corpos.
A porta fechou-se, deixou o tempo do lado de fora. E toda uma vida passada e não vivida. Nunca mais aquele som foi ouvido sem que algo na sua pele se arrepiasse de calor e lembrasse de que o coração tem compassos sem tempo.

Boa noite

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