- Abriu-se uma caixinha que eu agora não consigo fechar...
-...então o melhor é não tentar fechar. Vamos morar para lá...
Eva me chamaste
Fizeste das minhas costas o teu piano
Dos teus desenhos as minhas curvas
Da minha boca a tua maçã
Dos meus olhos o teu mar
Do meu mundo os teus braços
(...)
Fizeste das minhas costas o teu piano
Dos teus desenhos as minhas curvas
Da minha boca a tua maçã
Dos meus olhos o teu mar
Do meu mundo os teus braços
(...)
13 maio 2014
O impossível carinho
Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!
Manuel Bandeira
[coisa mai'linda... se eu pudesse, se eu pudesse mesmo que pouco, ainda fazia tanta coisa...]
12 maio 2014
"- Tens medo de fazer amor comigo?
- Tenho - respondeu ele.
- Por eu ser preta?
- Tu não és preta.
- Aqui, sou.
- Não, não é por seres preta que tenho medo.
- Tens medo que eu esteja doente...
- Sei prevenir-me.
- É porquê, então?
- Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti."
Mia Couto, in Venenos de Deus, Remédios do Diabo
[há sítios de onde não se regressa, como alguém dizia...
...quando são pessoas que são o nosso sítio - o melhor, e mais nosso, sítio - acho que é o mesmo, ou pior...
...belo excerto de fim de tarde, eu é que tenho de mudar definitivamente de sítio, regressando, ou não. ]
10 maio 2014
09 maio 2014
Vi um vestido giro, a minha mãe sugeriu que experimentasse. Experimentei. Disse que era muito giro, e então:
- Leva-o, é giro.
- Oh não levo nada. Não tenho com quem o vestir!!... Ou melhor, não tenho com quem o despir!!
A mulher escangalhou-se a rir, disse que não me faltava nada para ser doida, e comprou-me o vestido. Aparentemente parece que tem esperança que eu arranje com quem o despir... A loucura corre na família... eheheh
07 maio 2014
Amo-o como se pode amar a vida, suponho, com tudo de bom e de mau, de desespero e de doce, num jogo de luz e de sombras de que me escondo e a que me exponho. Amo-o a instantes, e a toda a hora. Amo-o quando em segundos os seus olhos me dizem das saudades que sentiu, do que ainda não parece ter desaparecido de dentro de si, do que guarda de mim. Amo-o na maneira como o seu olhar dissipa a névoa da dúvida em mim, até se enevoar de novo longe dos seus olhos. Amo-o quando fala com o rapaz do bar que o reconhece com genuína simpatia no sorriso rasgado, que me rasga do mundo e me faz mergulhar em si, no seu gesto brincalhão e palavra pronta para quem não conhece, mas que o dá a conhecer a quem quiser ver. Nesses pequenos instantes vê-se a imensidão de si que amo, como na conversa com o empregado de mesa dum jantar não combinado, em que a vontade era de encostar-me o olhar e o resto, e ele a querer conversa, e o sorriso que lhe dirigia a fazer-me querê-lo com urgência. Amo-o quando ao longe o vejo lidar com as pessoas, os seus trejeitos, como se mexe, como fala, como se ri ou sorri, como sei de longe se lhe estão a dar tanga e se está a devolvê-la ao remetente. Amo-o quando se encosta a mim, e entre nós não cabe o espaço das palavras que se dizem ao ouvido, quando já os corpos conversam mudos, com a sua cara colada à minha, num roçar onde cabem todos os beijos proibidos. Amo-o quando chama mágicas às minhas mãos, e por a sua pele as querer ao ponto de dizer temê-las, ainda que minta. Amo-o quando a mão que me põe na cintura me faz tê-lo todo, dar-me toda, basta fechar os olhos, e aquele toque toca-me por inteiro, leva-me inteira. Amo-o quando a conversa resvala para coisas que o fragilizam, e parece um bebé meio perdido a quem dão a traquinice por ponto de fuga. Amo-o quando percebo que disse alguma coisa que o tocou e revela aquele certo sorriso que me toca. Amo-o quando me chama pelo nome, porque todo o chamamento é uma vontade de presença, amo-o ainda mais quando repete o meu nome vezes seguidas quando a minha presença já é conjugada no presente. Amo-o até quando não gosto de si, quando me assaltam coisas que fez, que me fez, ou que deixou de fazer, sabendo o quanto me magoam e perseguem. Até aí, debaixo disso tudo, ri-se triunfante o Amor que sinto e lhe quero entregar a instantes e a toda hora. Amo-o por esse Amor que fez nascer, esse Amor que faz pouco de mim, e faz-me o muito que posso ser. Amo-o como se podem amar momentos encaixilhados que nos fazem sorrir cá dentro a cada passagem, momentos cristalizados, bem guardados até quando não os vemos, quando não sabemos do seu paradeiro, e no meio da correria do dia a dia, nos surpreendem no meio duma frase dita ou ouvida, e que fazem quem somos sempre e a toda hora, até quando não sabemos o que somos. Amo-o quando me chama egocêntrica, entre sorrisos cúmplices, por dizer que estar consigo, não é estar com outra pessoa, é estar comigo, com uma parte de mim debaixo doutra pele, por isso só consigo ser inteira consigo, tem uma parte minha que me falta, ou um qualquer componente activo necessário à minha reacção fundamental de viver bem, preciso desse reagente químico-afectivo que traz consigo como segredo bem guardado, para acordar o que trago em mim, vivendo, sentindo vida em mim. Amo-o como as mães amam os filhos quando partem e quando regressam, nunca as tendo deixado enquanto sentiam o coração apertado pela ausência de quem é parte de si. Amo-o quando me afundo no seu pescoço, no seu calor, no seu cheiro como as crias quando se sentem protegidas e sem saberem do mundo que as espera lá fora, na inocência do que é vital. Amo-o quando mergulho nesse buraco negro com o seu nome inscrito e o seu sorriso gravado, como se ama a queda livre num olhar sem chão, e a vida que a vida pode ter, e de que não me consigo despedir. Amo-o quando me diz que cheiro a Amor, porque sempre me cheirou que fosse dos que sabem o aroma do Amor, ao que sabe o Amor, ao que soa o Amor, como um conjunto de sentidos que se sentem sem sentido, a não ser o de amar.
Amo-o como acho que se pode amar um homem. Amo-o sem nunca lho ter dito, dizendo-o de todas as formas silenciosas que penso que o amor deve ser dito, e re-dito em instantes e a toda a hora, enquanto espero que um dia lho possa dizer com todas as letras sem que isso o faça sentir o fogo das suas represas de dentro. Quando o puder ouvir sem medo de nada senão de que o Amor se cale, porque é preciso esse medo para amar, é preciso esse medo para ser Amor.
Amo-o a instantes e a toda hora.
Amo-o todos os dias como se só houvesse amanhãs consigo.
[escrito há tempos, lido há tempos, tempos passaram sem qualquer resposta, comentário, não era preciso, atitudes era o que era preciso, e a atitude quando chegou foi apenas uma despedida, um aceno de adeus, porque não se sabe fazer mais nada além de despedidas e desistências. Um dia vou voltar a amar assim e vou dizê-lo de todas as maneiras e vou escrevê-lo, e não vou ter vazio por resposta, vou ter Amor por resposta, em atitudes e palavras e mimo e tudo o que eu entrego a quem amo. Um dia... entretanto faltam-me amanhãs...]
20/4/2012, republicado, mas escrito muito tempo antes, horas depois de o ver descer a rua sem olhar para trás, como nunca olha, nem olhou.
[no fundo era disto que falavam os meus ovos mexidos, só se ama assim quando conseguimos entrar no mapa interior de alguém, e é assim que ninguém me conhece, ninguém me ama, ninguém me ama conhecendo-me por dentro do avesso que me fez e faz.
no fundo era isto. e só.
...um dia a vida acontece (-me).]
20/4/2012, republicado, mas escrito muito tempo antes, horas depois de o ver descer a rua sem olhar para trás, como nunca olha, nem olhou.
[no fundo era disto que falavam os meus ovos mexidos, só se ama assim quando conseguimos entrar no mapa interior de alguém, e é assim que ninguém me conhece, ninguém me ama, ninguém me ama conhecendo-me por dentro do avesso que me fez e faz.
no fundo era isto. e só.
...um dia a vida acontece (-me).]
Enquanto fazia uns ovos mexidos e uma torradita de jantar, batia os ovos e pensava que de todas as pessoas que me passaram na vida e de quem gostei quase nenhuma se interessou realmente por mim. E quando digo interesse por mim, é interesse na minha pessoa, em quem sou, como sou e como me fiz quem sou, as estruturas que me suportam o eu. Interessam-se sobre o que gosto de fazer, o que penso sobre algumas coisas, do que gosto, mas não sobre mim, sobre o passado, sobre a vida que tive, o que vivi, o que tive a mais o que tive a menos, o que nunca tive, o que me torce a alma até escorrerem lágrimas. Eu sempre me interessei pelas pessoas, pela maneira como pensavam, mas principalmente o porquê de pensarem assim, as origens das coisas, os porquês. Engraçado que as pessoas gostam sempre de falar de si, e se se souber ouvir, e fazer algumas das perguntas certas, as pessoas falam, explicam-se, revelam-se, traçam o mapa de si mesmas. E quando gosto de alguém, gosto de lhe conhecer o mapa, de saber os porquês e os comos, gosto de encontrar o fio que une a vida da pessoa, as suas atitudes, o seu modo de pensar e viver, e claro de sentir. Do outro lado, esse interesse raramente o noto, penso que só uma pessoa me conheceu melhor e quis mais saber de onde e como cheguei ao que sou, foi a única que acho que realmente gostou de mim, verdadeiramente, genuinamente, ainda que não da maneira certa - ou da maneira certa para mim-, e a culpa foi minha, provavelmente toda a vida andei a tentar esconder-me duma parte de mim, abafá-la, asfixiá-la, domá-la. Não consegui, como agora entendo, que nunca se consegue porque nós vimos sempre, e sempre viremos ao cimo de nós mesmos, seja como for, venha o que vier - mais tarde, ou mais cedo, há que aceitar. A paixão que me corre nas veias, a vontade que me brilha o olhar, a vontade de amar sem chão e sem razão, rompeu os dias que queria certos e racionais, arrumados para uma vida, que depressa se mostrou não ser vida para mim, não ser a minha vida. Não era eu. Eu tenho de escrever, de transbordar em palavras, tenho de escavar em mim e nos outros, tenho de entender, e tenho de me dar mesmo quando tudo me diz para não o fazer. Tenho de chegar ao fim do caminho, tenho de percorrer o caminho, porque o tenho nos pés antes de o fazer. E foi o que fiz quando acordei em mim e numa vida onde os meus pés não mexiam, calçados onde não cabiam. Descalcei-me, e pé no chão pisei as pedras que no meio do meu caminho me apareceram, não desviei caminho, não tomei atalhos, não pensei se haveria lugar melhor ou caminho menos doloroso. Aquele era o meu caminho, era o caminho dos meus pés, eles sabiam e não paravam. Não pararam. Chegaram onde tinham de chegar. E nunca em todo o caminho, o de agora ou outros de antes, alguém o entendeu ou quis entender. Nunca ninguém se interessou pela vontade dos meus pés, o porquê, onde e como começaram a andar, do que fugiram toda a vida, ou do que toda a vida tiveram medo, do que os fazia correr caminhos de alma mesmo amarrados. Nunca ninguém, à excepção da pessoa com quem casei, me quis saber por dentro desde o inicio do meu tempo, e essa pessoa não me entendeu, nem poderia, não mostrei o que queria esquecer que tinha, que queria domar sabendo que não era amestrável, eu sabia que não o entenderia, eram caminhos que ele não saberia pisar comigo, não lhe moravam nos pés. Mas nada o impediu de tudo o que de mim sabia o usar contra mim quando os caminhos se desencontraram, quando quis aprofundar as feridas que sabia e conhecia o lugar. Mas ao menos ele fez por conhecê-las. Não tenho rancores nem ódios, quero estar bem, só isso, como sempre quis e por isso sempre passei por cima de tanta coisa, até ao ponto de, de tanto amontoar coisas e tentar passar por cima, elas tornaram-se tamanha montanha que a luz deixou de passar, e eu deixei de subir a montanha para chegar ao lado onde tudo isso ficava para trás. O casamento acabou. Uma parte de mim renasceu, os meus pés mexeram-se e descalçaram-se.
Eu, quanto mais gosto da pessoa, quanto mais genuinamente gosto dela, mais a quero desvendar, e quanto mais desvendo mais compreendo e mais compreendo o que gosto e não gosto, mas aceito porque posso entender e porque gosto. Neste momento ninguém no mundo sabe como estou, se estou, o que passo, o que penso, ou como, ou o porquê de tudo isso. Os porquês, sempre os porquês. Nunca ninguém mais quis descobrir a resposta ao meu. É preciso gostar, gostar genuinamente para querer saber o porquê e amar além de todos os porquês - os meus e os dele.
[ainda bem que o prato não era elaborado senão o testamento não sei que comprimento teria...]
"Se tiveres mesmo de optar entre alguém para foder e alguém para falar*,
para uma noite, escolhe alguém para foder;
para uma semana, escolhe alguém para falar;
para uma vida, escolhe as duas coisas ou nada.
Uma vida é um tempo demasiado longo para soluções de compromisso.
* a capacidade de foder por prazer e de falar por prazer são duas das mais importantes características humanas, e por isso excepcionalmente relevantes na escolha de um parceiro"
Do Menino (adoro as coisas que o Menino escreve, que fazer?)
Palavras sábias do Menino, concordo plena e profundamente (sendo que, na maneira como vejo as coisas, quanto mais para a frente no tempo e nos anos o falar vai tendo um peso relativo cada vez maior)...
...então, mas e quando se começa a encarar a vida como uma noite de cada vez?
[hoje é dia de pilhagens, porque o livro acabou e andei a fazer o luto do livro bloggando... tenham paciência...]
06 maio 2014
"As mulheres têm a mania de dizer, num estranho tom acusatório, que os homens não conseguem manter um compromisso de Amor, que abandonam uma mulher por outra com uma facilidade enorme porque não sabem Amar. Nada disso é verdade. A verdade é que o Amor não pode ser um compromisso.
Nenhum homem aceita um Amor que não seja o maior de todos, o que vai sendo cada vez mais difícil de conseguir com a idade. Depois de um Amor grande, nenhum consegue interessar-se por um Amor médio. Nem é má vontade, é apenas uma impossibilidade.
As relações curtas são legítimas e necessárias, mas não são Amor. São remendos à solidão.
O problema de muitos homens é que as mulheres aceitam remendos como se fossem Amor. Por um lado porque não gostam da definição de remendo, por outro por serem mais inteligentes. É que assim existe uma grande probabilidade de Amarem menos do que são Amadas. Numa relação desequilibrada, é sempre fodido Amar mais do que se é Amado.
Um homem pensa sempre que se o seu Amor terminar não conseguirá ter outro, pelo menos tão cedo. É que os Amores grandes não andam por aí pela rua à mão de semear. Já os remendos, felizmente, sim. Quando não se Ama ninguém, os remendos são uma questão de sobrevivência.
Eu vivo um Amor grande nos tempos que correm, o maior de todos. Ando a aproveitar para viver o mais possível. A sobrevivência é só para quem sabe."
E eu não sei: não sei sobreviver, dói-me muito essa vivência da sobrevivência.
E eu gostava que este texto fosse todo mentira, e que depois de um Amor grande um Amor médio não fosse uma impossibilidade, mesmo que esse Amor médio fosse só do meu lado, e fosse mais amada do que amasse, como diz o Bagaço que as mulheres preferem. Eu não, eu acho que a felicidade está em Amar e poder entregar esse Amor a quem amamos, ser mais amadas do que Amar é aceitar não ficar com a melhor parte. Com a parte que nos dá tudo. Isto, mesmo sabendo que neste momento o que preciso é de ser amada, consertada, mimada.
Preciso, mas precisar não é Amar. Precisar é sobreviver, e eu não quero - a sobrevivência dói-me.
Amar é amar o outro, consertá-lo, mimá-lo e com isso ficarmos consertados, mimados e sentirmo-nos amados pela vida.
Não quero remendos, nem ser o remendo de ninguém.
A sobrevivência não é para quem sabe, é, talvez, para quem não sabe (querer?) mais.
"Seriam também as gotas de água no rosto de Olvido e a sua mão esquerda deslizando pelo corrimão da escada a caminho do quarto, o estalido do chão de madeira, a alcatifa onde ela prendeu o salto do sapato, o enorme espelho à direita onde a viu olhar-se de esguelha ao passar, as gravuras nas paredes do corredor, a luz tênue e amarelada que entrava pela janela quando, diante da grande cama do quarto, depois de se livraram dos casacos molhados, ele lhe levantou devagarinho o vestido até às ancas enquanto ela, na penumbra, o olhava nos olhos com uma intensidade fixa e impassível, apenas com metade do rosto iluminado, bela como um sonho. Nesse momento, Faulques sentiu uma alegria no coração - um gozo simultaneamente tranquilo e selvagem - por não o terem matado em nenhuma das vezes em que isso teria sido possível; porque, nesse caso, não estaria ali nessa noite, despindo as ancas de Olvido, e nunca a teria visto retroceder, reclinando-se na cama, sobre a colcha intacta, sem deixar de o olhar por entre o cabelo solto e molhado de neve que se lhe derramava sobre a cara, com a saia subida até à cintura, abrindo devagar as pernas com uma mistura deliberada de submissão e desafio impudico, enquanto ele, ainda impecavelmente vestido, se ajoelhava diante dela e aproximava a boca, intumescida pelo frio da noite, da escura convergência daquelas coxas longas e perfeitas, em cujo centro pulsava cálida, suavíssima, deliciosamente húmida ao contacto dos seus lábios e da sua língua, a carne esplêndida da mulher que amava."
Pérez-Reverte, in O Pintor de Batalhas
Das descrições mais bonitas que tenho lido: a memória de todos pormenores que guardou; o agradecimento por estar vivo para poder viver o momento que dava sentido, sem qualquer dúvida, a não ter morrido ainda, como se só por isso tudo tivesse valido a pena; o próprio gesto de devagarinho lhe levantar o vestido, e aquelas últimas palavras: "a carne esplêndida da mulher que amava". Lindo. Quero um dia chegar a casa assim, um dia quero ter isto com alguém. Se existir. É lindo.
[...é triste quando acabamos um livro que nos traz presos. Acabou, e fica aqui (de novo) a passagem, para mim, mais bonita dum livro que faz pensar, que nos obriga a reflectir no lado mais maligno do ser humano, talvez do lado menos humano. Ia a escrever mais obscuro, mas como o próprio livro parece explicar, esse lado não é obscuro, nem escondido, é transparente quando a situação é a certa para isso. No fundo é a guerra que mostra a Humanidade mais crua do ser humano, ou a falta dela; mesmo que todos, à partida, também possam amar assim. Como se ama nesta passagem transcrita. E matar de forma simétrica. Simetrias: beleza e horror, as componentes dum equilíbrio caótico e indecifrável. A humanidade, o Amor, a guerra.
E agora, dormir como? Como fechar os olhos?]
[...é triste quando acabamos um livro que nos traz presos. Acabou, e fica aqui (de novo) a passagem, para mim, mais bonita dum livro que faz pensar, que nos obriga a reflectir no lado mais maligno do ser humano, talvez do lado menos humano. Ia a escrever mais obscuro, mas como o próprio livro parece explicar, esse lado não é obscuro, nem escondido, é transparente quando a situação é a certa para isso. No fundo é a guerra que mostra a Humanidade mais crua do ser humano, ou a falta dela; mesmo que todos, à partida, também possam amar assim. Como se ama nesta passagem transcrita. E matar de forma simétrica. Simetrias: beleza e horror, as componentes dum equilíbrio caótico e indecifrável. A humanidade, o Amor, a guerra.
E agora, dormir como? Como fechar os olhos?]
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Livros
05 maio 2014
"Dentro de cinco minutos, acrescentou de súbito baixando o tom de voz - inclinara-se um pouco na direcção dele, com os cotovelos sobre a mesa e os dedos entrelaçados, olhando-o com desenvoltura -, quero que vamos até ao hotel, que faças amor comigo e que me chames de puta. Capisci?
(...) necessito com a máxima urgência que me abraces com uma violência razoável mas contundente e deixes em branco o conta quilômetros do meu cérebro. Ou que o partas. Tenho prazer em comunicar-te que és muito bonito, Faulques. E estou nesse ponto exacto em que uma francesa passaria a tratar-te por tu, uma suíça tentaria averiguar quantos cartões de crédito trazes na carteira e uma norte americana perguntaria se tens preservativo. De modo que- olhou para o relógio - vamos para o hotel, se não vês inconveniente.
(...) levantou-se para se aproximar da janela e, olhando para a fachada desguarnecida e escura de San Frediano in Cestello pronunciou as únicas dez palavras seguidas que Faulques ouviu naquela noite: já não há mulheres como a que eu queria ser."
Perez Reverte, in O Pintor de Batalhas
Sinto o mesmo, não há mulheres como a que eu queria ser, a não ser em livros ou filmes, fruto da imaginação de alguém, e também da minha. Um pouco como esta que aqui se lê - foi o que pensei quando li a frase que associa o seu estado de espírito a francesas, suíças e americanas... fez-me sorrir pela inteligência malandra, e pela maneira como directamente se diz indirectamente que se quer alguém com vontade, muita vontade sem vergonha de a ter. Li isto e pensei que gostava de ser um pouco esta mulher (ainda antes de ler a única frase completa que numa noite de amor ela proferiu), com presença de espírito, uma pitada de humor inteligente bem encaixada, sem falsos pruridos, vergonhas hipócritas ou acanhamentos toscos, sem filtros e sem medo. Com a dose certa de segurança, independência e doçura ao mesmo tempo. Doçura, ternura e meiguice, sem ter medo de ser, ou parecer, fraqueza.
Há alturas em que chego a pensar que, por dentro, não estou muito longe, mas falta-me um contraponto para me fazer tudo o que posso ser, para fazê-lo respirar e sentir-se. Para ser, afinal. E então percebo que estou longe. A mulher que queria ser não precisa de contraponto para saber que é - o que é-, sabe e ponto final. Falta-me também isso.
Há alturas em que chego a pensar que, por dentro, não estou muito longe, mas falta-me um contraponto para me fazer tudo o que posso ser, para fazê-lo respirar e sentir-se. Para ser, afinal. E então percebo que estou longe. A mulher que queria ser não precisa de contraponto para saber que é - o que é-, sabe e ponto final. Falta-me também isso.
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Livros,
Transferida
04 maio 2014
Lembro-me duma madrugada como esta, aqui neste mesmo sítio, com o dia também a raiar. Tu com álcool no sangue, eu com Amor a correr-me nas veias. Lembro-me disso como me lembro de tantas coisas. E eu agora aqui e tu aí, nisso. E eu a saber e tu a saberes que eu sei. E isso não muda nada, não te muda nada, nem te importa nada. Não há razão para dizer que não e tem de se tentar tudo. E um dia vais-te arrepender e perceber que tinhas todas as razões para dizer que não e que já tudo tinha sido tentado. Menos eu.
22 abril 2014
...hummmm não faço ideia....
o que ando a pensar é que livro vou começar logo à noite...
se a Anna Karenina, se os Irmãos Karamazov, se um do Paul Auster que não me lembro o nome, se o processo do Kafka (não me apetece este na verdade, em processo Kafkiano ando eu há tempo demais...), se o Cemitério de Pianos do José Luís Peixoto, se o Vermelho e Negro de Stendhal (este tem uma muito boa probabilidade de ser o escolhido...)
... há coisas em que ter tanto por onde escolher baralha, e outras em que não importa quando ou quantos, sabemos exactamente aquilo que queremos.
Com os livros ando sempre uns tempos indecisa... logo à noite se verá.
(se alguém se quiser chegar à frente com uma sugestão, sou toda ouvidos...)
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Tonta...
Atrasada para a reunião, claro!
Do outro lado da mesa, aquele sorriso demasiado polido, ainda que levemente sedutor, mãos bonitas com gestos que não condizem, ou nada dizem. Uma cara interessante... se ao menos não falasse para desiludir, se ao menos não se notasse a falta de ganas, de fibra, se ao menos o aperto de mão não fosse uma coisa quase não assumida... se ao menos os homens quando são interessantes por fora não desiludissem por dentro...
Sempre fugi de homens fisicamente interessantes - para não levar tampas, obviamente-, e porque sempre achei que eram parvos, pedantes e convencidos... not my style, a não ser para ver, claro!! E cada vez estou mais convicta: homens fisicamente interessantes não têm de se destacar em mais nada, e então, como dizia alguém, basta encostarem-se ao balcão e esperar... é pouco.
Enfim, mas dão uma boa paisagem, mais do que poderão dizer de mim, é um facto...
Bom Dia!
Do outro lado da mesa, aquele sorriso demasiado polido, ainda que levemente sedutor, mãos bonitas com gestos que não condizem, ou nada dizem. Uma cara interessante... se ao menos não falasse para desiludir, se ao menos não se notasse a falta de ganas, de fibra, se ao menos o aperto de mão não fosse uma coisa quase não assumida... se ao menos os homens quando são interessantes por fora não desiludissem por dentro...
Sempre fugi de homens fisicamente interessantes - para não levar tampas, obviamente-, e porque sempre achei que eram parvos, pedantes e convencidos... not my style, a não ser para ver, claro!! E cada vez estou mais convicta: homens fisicamente interessantes não têm de se destacar em mais nada, e então, como dizia alguém, basta encostarem-se ao balcão e esperar... é pouco.
Enfim, mas dão uma boa paisagem, mais do que poderão dizer de mim, é um facto...
Bom Dia!
"Espreito. Continua a dormir. Não resisto à tentação do vício antigo e, guloso da sua beleza, levanto a roupa, fico-me a admirá-la num arroubo que soma os desejos da vida inteira. Mas cubro-a ao ver que treme num arrepio e passo o braço sob o seu pescoço, dou-lhe o meu calor.
Com uma ternura que nunca antes conheci beijo-lhe ao de leve os cabelos e a fronte, a face. Saciado de corpo e alma, afagado pela memória da noite, prendo a sua mão na minha e volto a adormecer.
(...)
Isso é o que ontem nos uniu. O que provavelmente nos separa, e a torna a ela distante e a mim melancólico, é a fantasia. A sua franqueza não quer enfeites, não conhece esperas nem precisa de sonhos. Nela só o corpo dá, só o corpo recebe e partilha. Sensibilidade e alma ficam de fora, assistem, mas não participam, são o escudo que um dia poderá opôr às recordações.
Eu, ao contrário, logo me perco a imaginar e sonho com mais, mais alto, mais intenso, cavo desatinadamente o desengano. Falo comigo próprio, mas é ao Gato que oiço e compreendo melhor as suas confidências, o desespero de não conseguir explicar o seu amor.
(...)
- Vê se não esqueces nada.
Mas ela não me escuta, e sem se importar com a chuva espera na rua, começa aos pulos de criança quando o carro dobra a esquina.
O homem sai, mas mal o vejo, Laura a abraçá-lo num frenesim de beijos e afagos. Só agora que se encaminham para mim, ela sem o largar, é que distingo não ser ele o jovem loiro de olhos azuis da minha fantasia, mas homem da mesma idade, cabelo grisalho e boa aparência, vestido com uma elegância de italiano."
J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa
[Acabou. Fico a pensar neste final do livro e no que ele me faz perceber, concretizar e resumir: as coisas nunca acabam por aquilo em que achamos que são impossíveis. É sempre alguma coisa que não esperamos que nos derruba. Talvez por isso, por não esperarmos, é que sucumbimos.
No caso dele, na cabeça dele, a impossibilidade seria a idade, as diferenças, e afinal o amor dela vivia precisamente a possibilidade dessa impossibilidade aos olhos dele.
E eu tenho percebido isto, é o que não esperamos que nos derruba, porque o resto julgamos entender e acomodar no nosso olhar sobre a vida, mesmo que não concordemos e ainda que não gostemos. O que não esperamos atinge-nos no estômago fatalmente, sucumbimos e aterramos, não temos reacção. Era tudo o que não esperávamos. É a possibilidade real duma impossibilidade que não nos ocorreu.
A impossibilidade nunca está onde a esperamos.
Acabou o livro. Muito bom. Tenho de escolher a próxima vítima.
E agora tenho mesmo de ir fumar outro cigarro. E amanhã não sei como vai ser para levantar e rumar ao trabalho. Vou tentar pensar em todas as possibilidades que agora me assomam impossíveis. Não quero que me derrubem. Outra vez.]
Boa Noite, outra vez.
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Livros
18 abril 2014
"Que fiz eu para merecer este destino murcho, esta vida tépida, monótona, previsível? Sem fogo de paixão, sem drama, os meus dias arrastam-se na expectativa medíocre de que talvez amanhã aconteça alguma coisa. Amanhã. Sempre amanhã. E ao mesmo tempo agrilhoado à certeza de que nada acontecerá, porque me envolvo em seguranças, ponho travões, não dou passo que não seja calculado.
Isolo-me e, contrariamente, anseio por companhia, mas companhia ideal, livre de imperfeições e desacertos.
Mantenho-me fiel - fiel a quê ou a quem? À mulher? À minha cobardia? - enquanto me arrasto pelos deboches sem limite nem lei que só a imaginação pode conceber.
Dou-me à veleidade de sonhar vida nova. De, como já disse, querer refazer o meu mundo, abrir outros horizontes, enquanto de facto me sinto morrer aos poucos. Não tanto do corpo, mas da alma, com a impressão de que esta vai perdendo o que eu julguei impossível de perder e se aproxima de um temeroso vazio.
(...)
Mantenho os olhos abertos e escuto-o, mas às imagens que ele evoca sobrepõem-se em mim outras, numa fantasia em que se misturam a inveja, ilusões, desejos recalcados. Como é que um pobre-diabo pode ter vivido um amor assim? Porquê ele? Que força manda que o destino duns seja mesquinho e o doutros uma sorte grande?"
J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa
[... Sim porquê? E por que é que quem vê de fora normalmente vê tudo ao contrário? O pobre-diabo a ter inveja do senhor, que afinal inveja a sorte grande que o outro viveu... E este trecho da sorte grande lembra-me também outras coisas, e penso o que sentirão se algum dia falarem com um pobre-diabo que tenha tido a coragem de reclamar o prémio... Que será que sentirão?
E agora talvez seja bom ir jantar...]
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Livros
"- Para sempre?
- Para sempre.
E olhámos-nos sorrindo, sem saber bem de quê, talvez por sentirmos no íntimo que juras assim eram solenes de mais e que, ao fazê-las, apenas imitávamos um ritual."
J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa
[livro começado hoje, a seguir ao almoço numa esplanada com um café a acompanhar, e não o consigo largar, muito, muito bom...]
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