Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

18 maio 2014

De cada vez que tentaste, eu tentei, a cada vez, o seu oposto. A cada vez perguntava-te para quê, se já sabias todas as respostas de todas as vezes anteriores. De todo o tempo anterior, de toda a vida já vivida e mastigada. Por cada vez que tentaste, eu tentei o seu oposto; também já devia saber, de cada uma de todas essas vezes, as respostas que nunca mudaram. A conclusão sempre igual. E tentámos sempre coisas diferentes. Nunca tentaste o mesmo que eu. Eu já devia saber que se tu tentavas sempre o mesmo, eu nunca mais devia tentar. Nada. Tentar sozinha é repetir-me, e falhar-me consecutivamente, nas tuas tentativas do meu oposto. 
E o resultado é sempre o mesmo. 
Eu sempre lutei pelo que tu desprezas, a cada vez, lutando pelo seu contrário.
Eu nunca fui hipótese, fui apenas a alternativa de cada vez que as tuas tentativas falharam.
Tu foste sempre a minha única hipótese - sem alternativa.
E este resultado, esta conclusão, sempre a mesma. E eu a dizer-te que percebas que não vale a pena tentar mais, não é lavagem ao cérebro, é que todas as conclusões já se conhecem... e nisto pareço esquecer-me que a minha conclusão também não muda. Não passo de alternativa foleira às tuas sérias tentativas falhadas. 
Eu sempre tentei tudo onde tu não tentaste nada, mas voltaste sempre para te recuperares de ti, para te refazeres da vida, para retemperares as forças esgotadas pelas tuas escolhas mal escolhidas, para te gostarem e tu te gostares, para te limpares da vida que te inquina a alma, para viver longe da sombra da sobrevivência, como dizias, a que sempre escolhes voltar.
Mas é sempre a mim que regressas para nunca chegares.
A tua conclusão é sempre a mesma. A minha também.
Para ficar é preciso gostar.

15 maio 2014

"- Se ele não sabe o que quer, não sabe nada. Se não sabe nada, não gosta. Se não gostar não quero.
O resto vem por si.

- Não podias ter dito melhor... mas estás um pouco empancada para quem tem uma visão tão clara...

- Às vezes os olhos demoram a adaptar-se à escuridão, ou a demasiada luz, há um período que não vêem, mesmo que saibam (ou achem saber) o que têm à frente... Talvez seja para dar tempo a todos.

- Tu és como o helicóptero e inteligente...nada receies...

- Sabes, a inteligência, como a capacidade de Amar (com "A" maiúsculo), não são qualidades, são só os melhores defeitos. Normalmente fazem-te a vida mais difícil. A lucidez é tramada."

14 maio 2014


Bastava que dissesses a palavra exacta,
que tens aprisionada na garganta,
Bastava que pendurasses
na porta do teu quarto um lenço branco.
Bastava que enfeitasses o chapéu
com as flores que o fim da tarde
põe sedentas da luz dos teus cabelos.

Bastava que me olhasses uma vez ainda.


Torquato da Luz

13 maio 2014

- Abriu-se uma caixinha que eu agora não consigo fechar...
-...então o melhor é não tentar fechar. Vamos morar para lá...

O impossível carinho

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Manuel Bandeira

[coisa mai'linda... se eu pudesse, se eu pudesse mesmo que pouco, ainda fazia tanta coisa...]

12 maio 2014


"- Tens medo de fazer amor comigo?
- Tenho - respondeu ele.
- Por eu ser preta?
- Tu não és preta.
- Aqui, sou.
- Não, não é por seres preta que tenho medo.
- Tens medo que eu esteja doente...
- Sei prevenir-me.
- É porquê, então?
- Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti."


Mia Couto, in Venenos de Deus, Remédios do Diabo

[há sítios de onde não se regressa, como alguém dizia...
...quando são pessoas que são o nosso sítio - o melhor, e mais nosso, sítio - acho que é o mesmo, ou pior...
...belo excerto de fim de tarde, eu é que tenho de mudar definitivamente de sítio, regressando, ou não. ]

10 maio 2014


... E hoje foram estes. Eu sei que vi os dois e automaticamente houve um que me fez sorrir. Sei qual prefiro. Usar a mesma colher. Por qualquer coisa e em qualquer sítio. Mas não tenho nada contra pequenos almoços na cama...

09 maio 2014

Vi um vestido giro, a minha mãe sugeriu que experimentasse. Experimentei. Disse que era muito giro, e então:
- Leva-o, é giro.
- Oh não levo nada. Não tenho com quem o vestir!!... Ou melhor, não tenho com quem o despir!!
A mulher escangalhou-se a rir, disse que não me faltava nada para ser doida, e comprou-me o vestido. Aparentemente parece que tem esperança que eu arranje com quem o despir... A loucura corre na família... eheheh 
... O que havia de me calhar a esta hora...

07 maio 2014


Amo-o como se pode amar a vida, suponho, com tudo de bom e de mau, de desespero e de doce, num jogo de luz e de sombras de que me escondo e a que me exponho. Amo-o a instantes, e a toda a hora. Amo-o quando em segundos os seus olhos me dizem das saudades que sentiu, do que ainda não parece ter desaparecido de dentro de si, do que guarda de mim. Amo-o na maneira como o seu olhar dissipa a névoa da dúvida em mim, até se enevoar de novo longe dos seus olhos. Amo-o quando fala com o rapaz do bar que o reconhece com genuína simpatia no sorriso rasgado, que me rasga do mundo e me faz mergulhar em si, no seu gesto brincalhão e palavra pronta para quem não conhece, mas que o dá a conhecer a quem quiser ver. Nesses pequenos instantes vê-se a imensidão de si que amo, como na conversa com o empregado de mesa dum jantar não combinado, em que a vontade era de encostar-me o olhar e o resto, e ele a querer conversa, e o sorriso que lhe dirigia a fazer-me querê-lo com urgência. Amo-o quando ao longe o vejo lidar com as pessoas, os seus trejeitos, como se mexe, como fala, como se ri ou sorri, como sei de longe se lhe estão a dar tanga e se está a devolvê-la ao remetente. Amo-o quando se encosta a mim, e entre nós não cabe o espaço das palavras que se dizem ao ouvido, quando já os corpos conversam mudos, com a sua cara colada à minha, num roçar onde cabem todos os beijos proibidos. Amo-o quando chama mágicas às minhas mãos, e por a sua pele as querer ao ponto de dizer temê-las, ainda que minta. Amo-o quando a mão que me põe na cintura me faz tê-lo todo, dar-me toda, basta fechar os olhos, e aquele toque toca-me por inteiro, leva-me inteira. Amo-o quando a conversa resvala para coisas que o fragilizam, e parece um bebé meio perdido a quem dão a traquinice por ponto de fuga. Amo-o quando percebo que disse alguma coisa que o tocou e revela aquele certo sorriso que me toca. Amo-o quando me chama pelo nome, porque todo o chamamento é uma vontade de presença, amo-o ainda mais quando repete o meu nome vezes seguidas quando a minha presença já é conjugada no presente. Amo-o até quando não gosto de si, quando me assaltam coisas que fez, que me fez, ou que deixou de fazer, sabendo o quanto me magoam e perseguem. Até aí, debaixo disso tudo, ri-se triunfante o Amor que sinto e lhe quero entregar a instantes e a toda hora. Amo-o por esse Amor que fez nascer, esse Amor que faz pouco de mim, e faz-me o muito que posso ser. Amo-o como se podem amar momentos encaixilhados que nos fazem sorrir cá dentro a cada passagem, momentos cristalizados, bem guardados até quando não os vemos, quando não sabemos do seu paradeiro, e no meio da correria do dia a dia, nos surpreendem no meio duma frase dita ou ouvida, e que fazem quem somos sempre e a toda hora, até quando não sabemos o que somos. Amo-o quando me chama egocêntrica, entre sorrisos cúmplices, por dizer que estar consigo, não é estar com outra pessoa, é estar comigo, com uma parte de mim debaixo doutra pele, por isso só consigo ser inteira consigo, tem uma parte minha que me falta, ou um qualquer componente activo necessário à minha reacção fundamental de viver bem, preciso desse reagente químico-afectivo que traz consigo como segredo bem guardado, para acordar o que trago em mim, vivendo, sentindo vida em mim. Amo-o como as mães amam os filhos quando partem e quando regressam, nunca as tendo deixado enquanto sentiam o coração apertado pela ausência de quem é parte de si. Amo-o quando me afundo no seu pescoço, no seu calor, no seu cheiro como as crias quando se sentem protegidas e sem saberem do mundo que as espera lá fora, na inocência do que é vital. Amo-o quando mergulho nesse buraco negro com o seu nome inscrito e o seu sorriso gravado, como se ama a queda livre num olhar sem chão, e a vida que a vida pode ter, e de que não me consigo despedir. Amo-o quando me diz que cheiro a Amor, porque sempre me cheirou que fosse dos que sabem o aroma do Amor, ao que sabe o Amor, ao que soa o Amor, como um conjunto de sentidos que se sentem sem sentido, a não ser o de amar.

Amo-o como acho que se pode amar um homem. Amo-o sem nunca lho ter dito, dizendo-o de todas as formas silenciosas que penso que o amor deve ser dito, e re-dito em instantes e a toda a hora, enquanto espero que um dia lho possa dizer com todas as letras sem que isso o faça sentir o fogo das suas represas de dentro. Quando o puder ouvir sem medo de nada senão de que o Amor se cale, porque é preciso esse medo para amar, é preciso esse medo para ser Amor.

Amo-o a instantes e a toda hora.

Amo-o todos os dias como se só houvesse amanhãs consigo.

[escrito há tempos, lido há tempos, tempos passaram sem qualquer resposta, comentário, não era preciso, atitudes era o que era preciso, e a atitude quando chegou foi apenas uma despedida, um aceno de adeus, porque não se sabe fazer mais nada além de despedidas e desistências. Um dia vou voltar a amar assim e vou dizê-lo de todas as maneiras e vou escrevê-lo, e não vou ter vazio por resposta, vou ter Amor por resposta, em atitudes e palavras e mimo e tudo o que eu entrego a quem amo. Um dia... entretanto faltam-me amanhãs...]

20/4/2012, republicado, mas escrito muito tempo antes, horas depois de o ver descer a rua sem olhar para trás, como nunca olha, nem olhou.


[no fundo era disto que falavam os meus ovos mexidos, só se ama assim quando conseguimos entrar no mapa interior de alguém, e é assim que ninguém me conhece, ninguém me ama, ninguém me ama conhecendo-me por dentro do avesso que me fez e faz.
no fundo era isto. e só.
...um dia a vida acontece (-me).]

Enquanto fazia uns ovos mexidos e uma torradita de jantar, batia os ovos e pensava que de todas as pessoas que me passaram na vida e de quem gostei quase nenhuma se interessou realmente por mim. E quando digo interesse por mim, é interesse na minha pessoa, em quem sou, como sou e como me fiz quem sou, as estruturas que me suportam o eu. Interessam-se sobre o que gosto de fazer, o que penso sobre algumas coisas, do que gosto, mas não sobre mim, sobre o passado, sobre a vida que tive, o que vivi, o que tive a mais o que tive a menos, o que nunca tive, o que me torce a alma até escorrerem lágrimas. Eu sempre me interessei pelas pessoas, pela maneira como pensavam, mas principalmente o porquê de pensarem assim, as origens das coisas, os porquês. Engraçado que as pessoas gostam sempre de falar de si, e se se souber ouvir, e fazer algumas das perguntas certas, as pessoas falam, explicam-se, revelam-se, traçam o mapa de si mesmas. E quando gosto de alguém, gosto de lhe conhecer o mapa, de saber os porquês e os comos, gosto de encontrar o fio que une a vida da pessoa, as suas atitudes, o seu modo de pensar e viver, e claro de sentir. Do outro lado, esse interesse raramente o noto, penso que só uma pessoa me conheceu melhor e quis mais saber de onde e como cheguei ao que sou, foi a única que acho que realmente gostou de mim, verdadeiramente, genuinamente, ainda que não da maneira certa - ou da maneira certa para mim-, e a culpa foi minha, provavelmente toda a vida andei a tentar esconder-me duma parte de mim, abafá-la, asfixiá-la, domá-la. Não consegui, como agora entendo, que nunca se consegue porque nós vimos sempre, e sempre viremos ao cimo de nós mesmos, seja como for, venha o que vier - mais tarde, ou mais cedo, há que aceitar. A paixão que me corre nas veias, a vontade que me brilha o olhar, a vontade de amar sem chão e sem razão, rompeu os dias que queria certos e racionais, arrumados para uma vida, que depressa se mostrou não ser vida para mim, não ser a minha vida. Não era eu. Eu tenho de escrever, de transbordar em palavras, tenho de escavar em mim e nos outros, tenho de entender, e tenho de me dar mesmo quando tudo me diz para não o fazer. Tenho de chegar ao fim do caminho, tenho de percorrer o caminho, porque o tenho nos pés antes de o fazer. E foi o que fiz quando acordei em mim e numa vida onde os meus pés não mexiam, calçados onde não cabiam. Descalcei-me, e pé no chão pisei as pedras que no meio do meu caminho me apareceram, não desviei caminho, não tomei atalhos, não pensei se haveria lugar melhor ou caminho menos doloroso. Aquele era o meu caminho, era o caminho dos meus pés, eles sabiam e não paravam. Não pararam. Chegaram onde tinham de chegar. E nunca em todo o caminho, o de agora ou outros de antes, alguém o entendeu ou quis entender. Nunca ninguém se interessou pela vontade dos meus pés, o porquê, onde e como começaram a andar, do que fugiram toda a vida, ou do que toda a vida tiveram medo, do que os fazia correr caminhos de alma mesmo amarrados. Nunca ninguém, à excepção da pessoa com quem casei, me quis saber por dentro desde o inicio do meu tempo, e essa pessoa não me entendeu, nem poderia, não mostrei o que queria esquecer que tinha,  que queria domar sabendo que não era amestrável, eu sabia que não o entenderia, eram caminhos que ele não saberia pisar comigo, não lhe moravam nos pés. Mas nada o impediu de tudo o que de mim sabia o usar contra mim quando os caminhos se desencontraram, quando quis aprofundar as feridas que sabia e conhecia o lugar. Mas ao menos ele fez por conhecê-las. Não tenho rancores nem ódios, quero estar bem, só isso, como sempre quis e por isso sempre passei por cima de tanta coisa, até ao ponto de, de tanto amontoar coisas e tentar passar por cima, elas tornaram-se tamanha montanha que a luz deixou de passar, e eu deixei de subir a montanha para chegar ao lado onde tudo isso ficava para trás. O casamento acabou. Uma parte de mim renasceu, os meus pés mexeram-se e descalçaram-se. 
Eu, quanto mais gosto da pessoa, quanto mais genuinamente gosto dela, mais a quero desvendar, e quanto mais desvendo mais compreendo e mais compreendo o que gosto e não gosto, mas aceito porque posso entender e porque gosto. Neste momento ninguém no mundo sabe como estou, se estou, o que passo, o que penso, ou como, ou o porquê de tudo isso. Os porquês, sempre os porquês. Nunca ninguém mais quis descobrir a resposta ao meu. É preciso gostar, gostar genuinamente para querer saber o porquê e amar além de todos os porquês - os meus e os dele.

[ainda bem que o prato não era elaborado senão o testamento não sei que comprimento teria...]
"Se tiveres mesmo de optar entre alguém para foder e alguém para falar*,

para uma noite, escolhe alguém para foder;
para uma semana, escolhe alguém para falar;
para uma vida, escolhe as duas coisas ou nada.

Uma vida é um tempo demasiado longo para soluções de compromisso.

* a capacidade de foder por prazer e de falar por prazer são duas das mais importantes características humanas, e por isso excepcionalmente relevantes na escolha de um parceiro"

Do Menino (adoro as coisas que o Menino escreve, que fazer?)

Palavras sábias do Menino, concordo plena e profundamente (sendo que, na maneira como vejo as coisas, quanto mais para a frente no tempo e nos anos o falar vai tendo um peso relativo cada vez maior)...
...então, mas e quando se começa a encarar a vida como uma noite de cada vez? 

[hoje é dia de pilhagens, porque o livro acabou e andei a fazer o luto do livro bloggando... tenham paciência...]

06 maio 2014



"As mulheres têm a mania de dizer, num estranho tom acusatório, que os homens não conseguem manter um compromisso de Amor, que abandonam uma mulher por outra com uma facilidade enorme porque não sabem Amar. Nada disso é verdade. A verdade é que o Amor não pode ser um compromisso.

Nenhum homem aceita um Amor que não seja o maior de todos, o que vai sendo cada vez mais difícil de conseguir com a idade. Depois de um Amor grande, nenhum consegue interessar-se por um Amor médio. Nem é má vontade, é apenas uma impossibilidade.
As relações curtas são legítimas e necessárias, mas não são Amor. São remendos à solidão.
O problema de muitos homens é que as mulheres aceitam remendos como se fossem Amor. Por um lado porque não gostam da definição de remendo, por outro por serem mais inteligentes. É que assim existe uma grande probabilidade de Amarem menos do que são Amadas. Numa relação desequilibrada, é sempre fodido Amar mais do que se é Amado.
Um homem pensa sempre que se o seu Amor terminar não conseguirá ter outro, pelo menos tão cedo. É que os Amores grandes não andam por aí pela rua à mão de semear. Já os remendos, felizmente, sim. Quando não se Ama ninguém, os remendos são uma questão de sobrevivência.
Eu vivo um Amor grande nos tempos que correm, o maior de todos. Ando a aproveitar para viver o mais possível. A sobrevivência é só para quem sabe."


Do Bagaço.


E eu não sei: não sei sobreviver, dói-me muito essa vivência da sobrevivência.
E eu gostava que este texto fosse todo mentira, e que depois de um Amor grande um Amor médio não fosse uma impossibilidade, mesmo que esse Amor médio fosse só do meu lado, e fosse mais amada do que amasse, como diz o Bagaço que as mulheres preferem. Eu não, eu acho que a felicidade está em Amar e poder entregar esse Amor a quem amamos, ser mais amadas do que Amar é aceitar não ficar com a melhor parte. Com a parte que nos dá tudo. Isto, mesmo sabendo que neste momento o que preciso é de ser amada, consertada, mimada. 
Preciso, mas precisar não é Amar. Precisar é sobreviver, e eu não quero - a sobrevivência dói-me.
Amar é amar o outro, consertá-lo, mimá-lo e com isso ficarmos consertados, mimados e sentirmo-nos amados pela vida. 
Não quero remendos, nem ser o remendo de ninguém.
A sobrevivência não é para quem sabe, é, talvez, para quem não sabe (querer?) mais.
"Seriam também as gotas de água no rosto de Olvido e a sua mão esquerda deslizando pelo corrimão da escada a caminho do quarto, o estalido do chão de madeira, a alcatifa onde ela prendeu o salto do sapato, o enorme espelho à direita onde a viu olhar-se de esguelha ao passar, as gravuras nas paredes do corredor, a luz tênue e amarelada que entrava pela janela quando, diante da grande cama do quarto, depois de se livraram dos casacos molhados, ele lhe levantou devagarinho o vestido até às ancas enquanto ela, na penumbra, o olhava nos olhos com uma intensidade fixa e impassível, apenas com metade do rosto iluminado, bela como um sonho. Nesse momento, Faulques sentiu uma alegria no coração - um gozo simultaneamente tranquilo e selvagem - por não o terem matado em nenhuma das vezes em que isso teria sido possível; porque, nesse caso, não estaria ali nessa noite, despindo as ancas de Olvido, e nunca a teria visto retroceder, reclinando-se na cama, sobre a colcha intacta, sem deixar de o olhar por entre o cabelo solto e molhado de neve que se lhe derramava sobre a cara, com a saia subida até à cintura, abrindo devagar as pernas com uma mistura deliberada de submissão e desafio impudico, enquanto ele, ainda impecavelmente vestido, se ajoelhava diante dela e aproximava a boca, intumescida pelo frio da noite, da escura convergência daquelas coxas longas e perfeitas, em cujo centro pulsava cálida, suavíssima, deliciosamente húmida ao contacto dos seus lábios e da sua língua, a carne esplêndida da mulher que amava."

Pérez-Reverte, in O Pintor de Batalhas

Das descrições mais bonitas que tenho lido: a memória de todos pormenores que guardou; o agradecimento por estar vivo para poder viver o momento que dava sentido, sem qualquer dúvida, a não ter morrido ainda, como se só por isso tudo tivesse valido a pena; o próprio gesto de devagarinho lhe levantar o vestido, e aquelas últimas palavras: "a carne esplêndida da mulher que amava". Lindo. Quero um dia chegar a casa assim, um dia quero ter isto com alguém. Se existir. É lindo.

[...é triste quando acabamos um livro que nos traz presos. Acabou, e fica aqui (de novo) a passagem, para mim, mais bonita dum livro que faz pensar, que nos obriga a reflectir no lado mais maligno do ser humano, talvez do lado menos humano. Ia a escrever mais obscuro, mas como o próprio livro parece explicar, esse lado não é obscuro, nem escondido, é transparente quando a situação é a certa para isso. No fundo é a guerra que mostra a Humanidade mais crua do ser humano, ou a falta dela; mesmo que todos, à partida, também possam amar assim. Como se ama nesta passagem transcrita. E matar de forma simétrica. Simetrias: beleza e horror, as componentes dum equilíbrio caótico e indecifrável. A humanidade, o Amor, a guerra.
E agora, dormir como?  Como fechar os olhos?]

05 maio 2014

"Dentro de cinco minutos, acrescentou de  súbito baixando o tom de voz - inclinara-se um pouco na direcção dele, com os cotovelos sobre a mesa e os dedos entrelaçados, olhando-o com desenvoltura -, quero que vamos até ao hotel, que faças amor comigo e que me chames de puta. Capisci?
(...) necessito com a máxima urgência que me abraces com uma violência razoável mas contundente e deixes em branco o conta quilômetros do meu cérebro. Ou que o partas. Tenho prazer em comunicar-te que és muito bonito, Faulques. E estou nesse ponto exacto em que uma francesa passaria a tratar-te por tu, uma suíça tentaria averiguar quantos cartões de crédito trazes na carteira e uma norte americana perguntaria se tens preservativo. De modo que- olhou para o relógio - vamos para o hotel, se não vês inconveniente.
(...) levantou-se para se aproximar da janela e, olhando para a fachada desguarnecida e escura de San Frediano in Cestello pronunciou as únicas dez palavras seguidas que Faulques ouviu naquela noite: já não há mulheres como a que eu queria ser."
Perez Reverte, in O Pintor de Batalhas

Sinto o mesmo, não há mulheres como a que eu queria ser, a não ser em livros ou filmes, fruto da imaginação de alguém, e também da minha. Um pouco como esta que aqui se lê - foi o que pensei quando li a frase que associa o seu estado de espírito a francesas, suíças e americanas... fez-me sorrir pela inteligência malandra, e pela maneira como directamente se diz indirectamente que se quer alguém com vontade, muita vontade sem vergonha de a ter. Li isto e pensei que gostava de ser um pouco esta mulher (ainda antes de ler a única frase completa que numa noite de amor ela proferiu), com presença de espírito, uma pitada de humor inteligente bem encaixada, sem falsos pruridos, vergonhas hipócritas ou acanhamentos toscos, sem filtros e sem medo. Com a dose certa de segurança, independência e doçura ao mesmo tempo. Doçura, ternura e meiguice, sem ter medo de ser, ou parecer, fraqueza.
Há alturas em que chego a pensar que, por dentro, não estou muito longe, mas falta-me um contraponto para me fazer tudo o que posso ser, para fazê-lo respirar e sentir-se. Para ser, afinal. E então percebo que estou longe. A mulher que queria ser não precisa de contraponto para saber que é - o que é-, sabe e ponto final. Falta-me também isso.

04 maio 2014

Lembro-me duma madrugada como esta, aqui neste mesmo sítio, com o dia também a raiar. Tu com álcool no sangue, eu com Amor a correr-me nas veias. Lembro-me disso como me lembro de tantas coisas. E eu agora aqui e tu aí, nisso. E eu a saber e tu a saberes que eu sei. E isso não muda nada, não te muda nada, nem te importa nada. Não há razão para dizer que não e tem de se tentar tudo. E um dia vais-te arrepender e perceber que tinhas todas as razões para dizer que não e que já tudo tinha sido tentado. Menos eu.

29 abril 2014

....Para ti bens simples e um beijo.
Não tenho outras coisas para dar.


22 abril 2014


- Preciso de ti. E agora, o que é que eu faço? 
- Querer-me sem ser preciso. 

[...surgem-me diálogos destes na cabeça, sem aviso, normalmente ao acordar. Estas duas frases perseguiram-me o dia todo. Largo-as aqui para que me larguem.]
...hummmm não faço ideia....
o que ando a pensar é que livro vou começar logo à noite... 
se a Anna Karenina, se os Irmãos Karamazov, se um do Paul Auster que não me lembro o nome, se o processo do Kafka (não me apetece este na verdade, em processo Kafkiano ando eu há tempo demais...), se o Cemitério de Pianos do José Luís Peixoto, se o Vermelho e Negro de Stendhal (este tem uma muito boa probabilidade de ser o escolhido...)
... há coisas em que ter tanto por onde escolher baralha, e outras em que não importa quando ou quantos, sabemos exactamente aquilo que queremos.
Com os livros ando sempre uns tempos indecisa... logo à noite se verá.
(se alguém se quiser chegar à frente com uma sugestão, sou toda ouvidos...)

Atrasada para a reunião, claro!
Do outro lado da mesa, aquele sorriso demasiado polido, ainda que levemente sedutor, mãos bonitas com gestos que não condizem, ou nada dizem. Uma cara interessante... se ao menos não falasse para desiludir, se ao menos não se notasse a falta de ganas, de fibra, se ao menos o aperto de mão não fosse uma coisa quase não assumida... se ao menos os homens quando são interessantes por fora não desiludissem por dentro...
Sempre fugi de homens fisicamente interessantes - para não levar tampas, obviamente-, e porque sempre achei que eram parvos, pedantes e convencidos... not my style, a não ser para ver, claro!! E cada vez estou mais convicta: homens fisicamente interessantes não têm de se destacar em mais nada, e então, como dizia alguém, basta encostarem-se ao balcão e esperar... é pouco.
Enfim, mas dão uma boa paisagem, mais do que poderão dizer de mim, é um facto...
Bom Dia!
"Espreito. Continua a dormir. Não resisto à tentação do vício antigo e, guloso da sua beleza, levanto a roupa, fico-me a admirá-la num arroubo que soma os desejos da vida inteira. Mas cubro-a ao ver que treme num arrepio e passo o braço sob o seu pescoço, dou-lhe o meu calor.
Com uma ternura que nunca antes conheci beijo-lhe ao de leve os cabelos e a fronte, a face. Saciado de corpo e alma, afagado pela memória da noite, prendo a sua mão na minha e volto a adormecer.
(...)
Isso é o que ontem nos uniu. O que provavelmente nos separa, e a torna a ela distante e a mim melancólico, é a fantasia. A sua franqueza não quer enfeites, não conhece esperas nem precisa de sonhos. Nela só o corpo dá, só o corpo recebe e partilha. Sensibilidade e alma ficam de fora, assistem, mas não participam, são o escudo que um dia poderá opôr às recordações.
Eu, ao contrário, logo me perco a imaginar e sonho com mais, mais alto, mais intenso, cavo desatinadamente o desengano. Falo comigo próprio, mas é ao Gato que oiço e compreendo melhor as suas confidências, o desespero de não conseguir explicar o seu amor.
(...)
- Vê se não esqueces nada.
Mas ela não me escuta, e sem se importar com a chuva espera na rua, começa aos pulos de criança quando o carro dobra a esquina.
O homem sai, mas mal o vejo, Laura a abraçá-lo num frenesim de beijos e afagos. Só agora que se encaminham para mim, ela sem o largar, é que distingo não ser ele o jovem loiro de olhos azuis da minha fantasia, mas homem da mesma idade, cabelo grisalho e boa aparência, vestido com uma elegância de italiano."

J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa

[Acabou. Fico a pensar neste final do livro e no que ele me faz perceber, concretizar e resumir: as coisas nunca acabam por aquilo em que achamos que são impossíveis. É sempre alguma coisa que não esperamos que nos derruba. Talvez por isso, por não esperarmos, é que sucumbimos. 
No caso dele, na cabeça dele, a impossibilidade seria a idade, as diferenças, e afinal o amor dela vivia precisamente a possibilidade dessa impossibilidade aos olhos dele.
E eu tenho percebido isto, é o que não esperamos que nos derruba, porque o resto julgamos entender e acomodar no nosso olhar sobre a vida, mesmo que não concordemos e ainda que não gostemos. O que não esperamos atinge-nos no estômago fatalmente, sucumbimos e aterramos, não temos reacção. Era tudo o que não esperávamos. É a possibilidade real duma impossibilidade que não nos ocorreu.
A impossibilidade nunca está onde a esperamos.
Acabou o livro. Muito bom. Tenho de escolher a próxima vítima.
E agora tenho mesmo de ir fumar outro cigarro. E amanhã não sei como vai ser para levantar e rumar ao trabalho. Vou tentar pensar em todas as possibilidades que agora me assomam impossíveis. Não quero que me derrubem. Outra vez.]
Boa Noite, outra vez.

18 abril 2014

"Que fiz eu para merecer este destino murcho, esta vida tépida, monótona, previsível? Sem fogo de paixão, sem drama, os meus dias arrastam-se na expectativa medíocre de que talvez amanhã aconteça alguma coisa. Amanhã. Sempre amanhã. E ao mesmo tempo agrilhoado à certeza de que nada acontecerá, porque me envolvo em seguranças, ponho travões, não dou passo que não seja calculado.
Isolo-me e, contrariamente, anseio por companhia, mas companhia ideal, livre de imperfeições e desacertos.
Mantenho-me fiel - fiel a quê ou a quem? À mulher? À minha cobardia? - enquanto me arrasto pelos deboches sem limite nem lei que só a imaginação pode conceber.
Dou-me à veleidade de sonhar vida nova. De, como já disse, querer refazer o meu mundo, abrir outros horizontes, enquanto de facto me sinto morrer aos poucos. Não tanto do corpo, mas da alma, com a impressão de que esta vai perdendo o que eu julguei impossível de perder e se aproxima de um temeroso vazio.

(...)

Mantenho os olhos abertos e escuto-o, mas às imagens que ele evoca sobrepõem-se em mim outras, numa fantasia em que se misturam a inveja, ilusões, desejos recalcados. Como é que um pobre-diabo pode ter vivido um amor assim? Porquê ele? Que força manda que o destino duns seja mesquinho e o doutros uma sorte grande?"

J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa

[... Sim porquê? E por que é que quem vê de fora normalmente vê tudo ao contrário? O pobre-diabo a ter inveja do senhor, que afinal inveja a sorte grande que o outro viveu... E este trecho da sorte grande lembra-me também outras coisas, e penso o que sentirão se algum dia falarem com um pobre-diabo que tenha tido a coragem de reclamar o prémio... Que será que sentirão?
E agora talvez seja bom ir jantar...]
"- Para sempre?
- Para sempre.
E olhámos-nos sorrindo, sem saber bem de quê, talvez por sentirmos no íntimo que juras assim eram solenes de mais e que, ao fazê-las, apenas imitávamos um ritual."

J. Rentes de Carvalho, in A Amante Holandesa

[livro começado hoje, a seguir ao almoço numa esplanada com um café a acompanhar, e não o consigo largar, muito, muito bom...]
" Recordar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração."
Gabriel Garcia Marquez (1927-2014)

[deixou-nos coisas boas, é daqueles que vai, mas ficará sempre, pelo menos em quem o lê com o coração. 
E esta frase diz-me tanto, tanto de tanta coisa que não parece, mas está lá. Nesta frase estão quase escondidas as respostas que dou (ou melhor, dava) a tantas perguntas que me faço (ainda). E a resposta, que gosto tanto, não me agrada. E isto parece confuso, mas não é. Parece contraditório, mas não é. É muito claro para mim.]

Boa Noite

16 abril 2014

...e agora fiquei a pensar, se não as tivesse apagado eu, agora perdia as mensagens todas, todas desde a altura, há uns dois meses, em que a caminho de casa, ganhei coragem e apaguei tudo... e agora ponho-me a pensar o que me custou que desta vez ficasse apagado, e  foram poucas as que me deixam pena de ter apagado - coisa estranha só por si, ou talvez não de tão estranho andares... Lembro-me de uma em que dizia que os tempos longe eu aguentava tentando agarrar-me à ideia que se realmente gostasses, haverias de vir ter comigo, que de alguma maneira arranjarias maneira. E perguntei-te que pensavas tu, do teu lado, e respondes: "amo-te", que pensavas isso, que me amavas, que no meio de tudo só pensavas isso, sentias isso. Nesse mesmo dia houve outra que não me esqueço, que se gostarias de ser o homem da vida de alguém, era de mim, e que querias que eu fosse a mulher da tua vida.
E agora as mensagens apagadas, ainda na minha memória as que apagadas não se foram de mim. Das mensagens nem rasto, e dessas tuas palavras e de tanta coisa, também não.... nem rasto. 
Onde anda tudo isso? Onde andas? 

15 abril 2014


Alguns dos principais acontecimentos do dia 15 de abril: nasce Leonardo Da Vinci, o paquete Titanic submerge completamente às 2:20 da manhã, Fidel Castro visita os EUA, inauguração oficial da Casa da Música, Papa Bento XVI faz a primeira viagem aos Estados Unidos e três pessoas morrem e mais de 100 ficaram feridas na sequência de duas explosões ocorridas durante a Maratona de Boston.



[...parece que ninguém deu conta de ter sido o dia em que há cinco anos atrás me apertaram o pescoço, encostaram à parede e roubaram o beijo que me mudou a vida, e que me mudou para eu ser quem eu sempre fui, e me tinha esquecido, ou tinha querido esquecer e enterrar debaixo do quotidiano, onde os sonhos não respiram, e a poesia morre asfixiada. Salvei-me, recuperei-me, para agora me enterrar inteira.
Na verdade estou a ser injusta, não me roubaram, porque acho que aquele beijo sempre foi de quem o levou e me levou. Só levou o que já era dele. Ele só veio resgatá-lo. Pena que não se tenha resgatado a si próprio...  ]

Boa Noite

13 abril 2014


...Menos um dia.
... Mais um anoitecer.
Olá, lua.
Tu és sempre a mesma, também.

Olá.


...Banho de lua.
Luar quase nú.
Alma quase despida.

Boa Noite

12 abril 2014


Amei Demais

Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.

Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber por que embarquei.

Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos, que passei

à procura de ti. De mim. De ninguém mais.
E os milhares de versos que rasguei
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

[.. a minha companhia: um cigarro fumegante e uma vela ruidosa, debaixo do silêncio do luar ( e que luar, caramba). A lua enorme e espreitar por entre ramos... A natureza devolve-me sempre um pouco de mim, como se chegasse às raízes mais fundas para as tentar acordar... e eu só quero adormecer. Um adormecer de mim, do que trago, que seria acordar de ti, do estado adormecido em que me embalaste, onde me aninhei, em que me inebriei, e  tanto me enganei. 
Amei demais. 
Não sei gostar assim assim, por isto ou aquilo, por esta ou aquela razão, porque dá jeito e até nos damos bem. Eu só sei gostar assim: demais. Ou nada, que às vezes é quase nada, mas para mim é o mesmo - não sendo tudo, com tudo, é banal, é nada, por muito bom que seja. Depois de se verem certas coisas, sentirem certas coisas, viverem certas coisas, o resto é banal sobrevivência, ainda que boa. Mas uma sobrevivência só minha, só para mim, porque só eu as vi, as senti, as vivi. Sempre só eu. E continuo. ]

11 abril 2014

- "Sevilha jantar e passear pela zona velha, sentar numa esplanada a ouvir guitarra cigana, os cheiros, as cores, as laranjeiras, os espectáculos de rua das escolas de dança, é lindíssimo." - caramba isto é a sua cara... e é a minha cara. é por isso que me apaixonava se já não estivesse, percebe?

- e consigo consigo ter isso.
às vezes parece que consigo entrar dentro de si sabia?

- não consegue, já conseguiu, está cá dentro, acho que isso que sente é só o reconhecer-se...

- e sentir a sua sensibilidade, uma energia tipo electricidade
igual à minha.

[Novembro de 2013, incrível, surreal se calhar... incompreensível de certeza. conversas nossas, coisas lindas. ainda bem que escritas para reler quando se quer...]

...afinal é noite de baú, de músicas e conversas, tudo do baú...
Boa Noite

10 abril 2014



"(...)
Well I know I make you cry
And I know sometimes you wanna die
But do you really feel alive without me?
If so, be free
If not, leave him for me
Before one of us has accidental babies
For we are in love

Do you come
Together ever with him?
And is he dark enough?
Enough to see your light?
And do you brush your teeth before you kiss?
Do you miss my smell?
And is he bold enough to take you on?
Do you feel like you belong?
And does he drive you wild?
Or just mildly free?
What about me?
What about me?"

[..noite de músicas...]



... este homem é brutal...
"A coisa estranha e terrível que estava a tornar-se-lhe clara sobre aquele mundo do futuro, ao imaginá-lo agora, é que nele ela não existiria. Limitar-se-ia a andar por lá, e a abrir a boca e a falar, e a fazer isto e aquilo. Não estaria realmente lá. "

Alice Munro, in Fugas

08 abril 2014


"Não te apaixones por uma mulher que lê, por uma mulher que tem sentimentos, por uma mulher que escreve...
Não te apaixones por uma mulher culta, maga, delirante, louca. Não te apaixones por uma mulher que pensa, que sabe o que sabe e também sabe voar, uma mulher que confia em si mesma.
Não te apaixones por uma mulher que ri ou chora, que sabe transformar a carne em espírito; e muito menos te apaixones por uma mulher que ama poesia (estas são as mais perigosas), ou que fica meia hora contemplando uma pintura e não é capaz de viver sem música .
Não te apaixones por uma mulher que está interessada em política, que é rebelde e sente um enorme horror pelas injustiças. Não te apaixones por uma mulher que não gosta de assistir televisão. Nem de uma mulher que é bonita, mas, que não se importa com as características de seu rosto e de seu corpo.
Não te apaixones por uma mulher intensa, brincalhona, lúcida e irreverente. Não queiras te apaixonar por uma mulher assim. Porque quando te apaixonares por uma mulher como esta, se ela vai ficar contigo ou não, se ela te ama ou não, de uma mulher assim, jamais conseguirás ficar livre..."

Martha Rivera-Garrido

[...não te apaixones por uma mulher... ao menos este conselho eu ainda consigo seguir!! 
Mas fico a pensar que não há mulheres reais assim, tão completas, tão mistura fatal, global e globalizante. Acho que haverá uma mistura fatal para cada ser, e não tem de ser isto tudo, pode até não ser nada, é só uma sensação de plenitude e de se estar bem com alguém, como se bastasse um sorriso que nos dirige para acender uma luz do lado de dentro de nós, que depois se mostra e brilha no nosso olhar para fora... não é preciso tanto predicado... basta que nos faça sentir o melhor que podemos ser. Ser a ponte para o nosso melhor.]

Bom Dia!
Boa Noite

06 abril 2014

E depois, não se sabe bem porquê, acorda-se com uma frase na cabeça:
"consigo tem de ser tudo ou nada."
E lembramos-nos do exacto momento em que numa conversa em frente à lareira o ouvimos pela primeira vez. Depois foi muito repetido, mas lembro-me daquele primeiro momento em que o ouvi como estreia. E hoje acordei a ouvi-lo de novo, quase como estreia à luz desta coisa que vivo, que podia ser o tudo, mas parece que é quase nada. Ninguém entende. Afinal comigo pode ser de qualquer maneira e tudo o resto foi paleio, mentira, fabulação sei lá. Sentido é que não foi, nem é. E isso eu sinto muito. Sinto muito tudo o que este nada é. 

...sempre fui do género de confiar desconfiando;
quando me mentem e me tentam fazer de parva, passo ao modo de desconfiar sempre, 
mesmo que vá tentando confiar. 
Mas quanto mais mentiras, quanto mais se acumula em desconfiança, mais difícil.
...acho que é fácil de perceber, não?

05 abril 2014

[foto da página do Facebook "Paradoxos"]

...se conseguires,
Bom Dia
...
vem meu amor, vem para mim
me abraça devagar
me beija
e me faz esquecer
...
bem que se quis
depois de tudo ainda ser feliz
...

[adoro]

Boa Noite

04 abril 2014


Morde-me com o querer-me que tens nos olhos
Despe-te em sonho ante o sonhares-me vendo-te,
Dá-te vária, dá sonhos de ti própria aos molhos
Ao teu pensar-me querendo-te…

Desfolha sonhos teus de dando-te variamente,
Ó perversa, sobre o êxtase da atenção
Que tu em sonhos dás-me… E o teu sonho de mim é quente
No teu olhar absorto ou em abstracção…

Possue-me-te, seja eu em ti meu spasmo e um rocio
De voluptuosos eus na tua coroa de rainha…
Meu amor será o sair de mim do teu ócio
E eu nunca serei teu, ó apenas-minha?

Fernando Pessoa

Boa Noite

02 abril 2014


"É o primeiro beijo o único beijo que importa.
É tudo. É quente e deixa marcas nos lábios da alma.
É o mais forte, o mais intenso.
É o primeiro beijo que conta.

O primeiro beijo não se esquece, não se perde no tempo. Tem sabor a eternidade e não é perfeito na sua perfeita forma de ser.
O primeiro beijo é tão mais que o primeiro beijo. São os toques no cabelo, são os olhos que se encontram de perto pela primeira vez. É o sorriso nervoso e o «quero-te» em silêncio. É a explosão que se dá, é o que damos a quem se dá.
É o medo, é a pressa, é o toque na cara, a mão na cintura e um querer louco que cada segundo dure um pouco mais de um tempo que, a correr, passa tão devagar.

O primeiro beijo nunca é "só" interessante para quem o sente. Nunca é suficiente mas nunca sabe a pouco. É tudo o que importa e é quando tudo acontece. É quando sei que te vou amar uma vida inteira mesmo que dure só uma noite. É a minha boca na tua, o teu calor com o meu, sem nada nos entretantos.
São momentos de vida. Ali. Nossos."

Do miúdo.

Cheio de razão.


Começo a ter disto...mesmo que soubesse explicar, às vezes já não apetece...

[foto de Claudio Montegriffo]

"Não podemos ser o super-herói de alguém que está perdido. Não podemos curar alguém que está quebrado. Não podemos completar alguém que está incompleto. Não podemos realmente salvar alguém. Por muito grande e sincera que seja essa vontade de o fazer. Tomar para nós essa tarefa é uma luta inglória da qual dois seres saem exaustos e confusos. Algumas batalhas tem de ser travadas dentro de nós. Não podemos salvar alguém, podemos apenas amar alguém. Amparar a queda, secar as lágrimas, oferecer o calor de um abraço… e esperar que essa pessoa encontre em si, um dia, a vontade de se curar. Podemos apenas amar alguém… e esperar que aprendam a amar-se também."

Quem tenta ajudar uma borboleta 
a sair do casulo mata-a. 
Quem tenta ajudar um broto 
a sair da semente destrói-o. 
Há certas coisas que não podem ser ajudadas. 
Tem que acontecer de dentro para fora.

Rubem Alves

Roubado ipsis verbis, à semelhança dum crime quase-perfeito :) , DAQUI, texto e citação. 


[...infelizmente parece-me que é verdade, porque estava muito precisada dum super-herói, muito mesmo.]




Preciso de alguém com quem me entenda e me entenda, que pense em mim, 
com quem me dê bem e que me saiba ouvir e me falar, 
preciso de alguém que comunique bem comigo- é o mais importante, dizem.
preciso de quem me varra as angústias com beijos e sussurros que se sentem por baixo da pele, 
preciso de quem me murmure amores aos sentidos da alma.
preciso dum olhar seguro que me aconchegue de Amor.
preciso dum colo que me carregue até voltar a saber andar ao seu lado pelo meu pé.
preciso de alguém que perca o Norte por mim e que me dê um Norte, 
preciso que seja a minha bússola, a apontar sempre, certa e confiante, para o mesmo horizonte: o seu Amor por mim
preciso dum perdidinho por mim que se perca em mim, nunca de mim.
preciso de alguém que não é quem eu quero.
querer é tudo, precisar é pouco.
Agora quero querer pouco.
É preciso.

Boa Noite



Hoje dói-me pensar,
dói-me a mão com que escrevo,
dói-me a palavra que ontem disse
e também a que não disse,
dói-me o mundo.

Há dias que são como espaços preparados
para que tudo doa.

Só deus não me dói hoje.
Será porque ele não existe?

Roberto Juarroz
in Poesia Vertical


[... há dias assim. Há alturas em que só me apetece adormecer sem compromisso de acordar, em que uma pessoa se sente morrer, sem saber se é de dentro para fora ou de fora para dentro, depois percebo que estou pior que morta - muito pior - por ter sobrevivido a tantas mortes sucessivas, e que o que resta não encontra cordão umbilical que me agarre à vida, nem vontade de o agarrar se houvesse. ]

30 março 2014

"Era como se tivesse uma agulha assassina num certo sítio dos pulmões e se respirasse com cuidado podia evitar senti-la. Mas de vez em quando tinha de inspirar fundo, e ainda lá estava."

Alice Munro, in Fugas
... E assim de repente lembro-me duma vez em que disseste que te foste deitar mais cedo para ficar a falar comigo por mensagem. Lembro-me, lembro-me bem desse dia - noite, melhor dizendo-, lembro-me onde estava e que tu estavas aí. Lembro-me bem, mas às vezes acho que me devo enganar, e deve ser só uma leve ideia de qualquer coisa, de uma outra vida. 

28 março 2014



Perguntaram-me: onde vais?
E não sei onde vou, só sei que tu me prendes.

Geraldo Bessa Victor
in As raízes do nosso amor

[...sem me prenderes, sem te agarrar,sem me quereres agarrar.]

27 março 2014


"Porque nos apaixonamos?

(...)
De cada vez, pensas que estás apaixonado pela mulher, mas depois percebes que estavas apaixonado por outra coisa.
Apaixonas-te pela idéia de estar apaixonado, pela idéia de Amor; pela simplicidade das relações sem compromisso; ou pela imagem que os têm de ti, pelo facto de quase te idolatrarem; por uma sintonia de gostos e de poetas e de autores e de coisas que gostam de fazer; por uma idéia e um conceito e um plano de “família”; por uma afinidade de histórias de vida e pela capacidade de rir juntos.



E um dia percebes que te apaixonaste e desta vez não sabes porquê. Um dia, se tiveres sorte, estás apaixonado sem o saber explicar. Sem perceber porque aconteceu nem como aconteceu, sem conseguir pensar em uma ou em três ou em cinco razões para sentires o que sentes.
E o tempo não te ajuda a perceber razões – porque nessa altura o tempo não te dá distância, apaixonas-te novamente todos os dias.
Talvez as coisas que não têm razões sejam as que são feitas de todas as razões.
Talvez estejas realmente apaixonado por alguém exactamente quando não saibas escolher uma ou duas ou três coisas de que gostas nela. 
Talvez seja mesmo assim quando se ama; não é por causa “disto”, nem apesar “daquilo”."


Já tantas vezes disse isto, do gostar sem razão, gostar sem saber qual a razão, sem saber enumerar as razões, e essa, ser a melhor razão de todas. Aliás, acho que a única quando se fala em estar realmente apaixonado, quando se fala em gostar realmente de alguém. Mas a sério. Gostar a sério.
É por isso que fico tão triste quando me apontam qualidades, quando gostam de mim por isto ou aquilo, porque gostam de estar comigo, porque dizem que nos damos bem, porque comunicamos, porque assim e assado - em vez de dizer "eu gosto dela, ponto final", espraiam-se em razões (que mais parecem justificações) tão gizadas a regra e esquadro, e racionalizam o que se quer selvagem e sem fronteiras definidas, porque quando se gosta, se barreiras havia, desfizeram-se no caminho, caíram por terra. E o que se ergue em força, de pedra e cal, é isso: o gostar, ponto final.
Amar, afinal.

25 março 2014

Sim, voto nisto.
E faço por isso.
E tu?


Um dia,
quando a única regra
for a ternura da manhã
acordarei entre
os teus braços,
a tua pele será
talvez demasiado bela,
e a luz compreenderá
a impossível
compreensão do amor.

Um dia, quando a chuva
secar na memória,
quando o inverno
ficar tão distante,
quando o frio responder
devagar com a voz
arrastada de um velho,
estarei contigo e cantarão
pássaros no parapeito
da nossa janela.

Sim,
cantarão pássaros,
haverá flores,
mas nada disso será culpa minha,
porque eu acordarei
nos teus braços e não
direi nem uma palavra,
para não estragar
a perfeição da felicidade.

José Luís Peixoto

[...quero a minha perfeição da felicidade... e é parecida com esta... "quando a única regra for a ternura".
Não preciso do inverno distante, de pássaros ou flores, ainda que goste, só quero não conseguir distinguir os meus braços dos teus, ou a minha boca do teu sorriso, ou o teu beijo da minha pele. Não distinguir a realidade da felicidade, pelo menos pela manhã e ao anoitecer. Pelo menos todos os dias. Pelo menos.]
Bom Dia!!

24 março 2014


"O amor não tem de cumprir critérios, só tem de nos fazer felizes. Mas se encontras com quem ser pleno, abre-se dentro de ti uma porta que nunca mais vais conseguir fechar: depois de encontrares alguém em quem consigas ver o arco-íris, a escala musical, todas as matrioshkas ao mesmo tempo, nunca mais nada vai ser igual na tua vida, nem nunca mais vais conseguir ver ninguém com os mesmos olhos**.

E esse amor com as notas todas é coisa para te fazer feliz, e é coisa para fazeres durar."

** é o efeito descrito por Platão no livro VII da República, na chamada Alegoria da Caverna


E o Menino sempre a lembrar-me o que quero esquecer que sei, e não consigo. 

Há coisas que depois de sentidas, vividas, não dá para apagar da alma; ficam gravadas, e mesmo o tempo que passa apenas as torna mais esbatidas, mais escondidas em nós, mais ilegíveis aos outros, mas sabemos sempre - pior, sentimos -,o que são aquelas inscrições que nos ficaram gravadas por dentro do código genético da vida, da nossa vida. 
A mais pequena memória afunda-nos em recordações, em comparações sempre perdidas, em sorrisos tristes avessos ao presente, em vontades sempre desfeitas. Deixamos de acreditar que o impossível é possível, porque vivemos esse impossível, porque o conjugamos no passado, e curiosamente, vamos deixando de acreditar nele, mas mais nada nos serve, nos servirá,  "nunca mais nada vai ser igual na tua vida, nem nunca mais vais conseguir ver ninguém com os mesmos olhos". 
E é uma pena, e ao mesmo tempo, hoje em dia, penso ser uma bênção também. 
Aceita-se melhor a vida depois de desistir dela.
O impossível - a plenitude-, rouba-nos todas as outras possibilidades, o possível - o comezinho-, torna-se para nós impossível de viver, torna-se sobrevivência. Mas sobreviver é instinto, viver é vontade. 
É mais fácil sobreviver (ou assim me ando a convencer...).

23 março 2014

"Aquele amor sem libertinagem era para ele qualquer coisa de novo, e que, fazendo-o sair dos seus costumes fáceis, lisonjeava ao mesmo tempo o seu orgulho e a sua sensualidade. A exaltação de Ema, que o seu bom senso burguês desdenhava, parecia-lhe, no íntimo, encantadora, pois se dirigia à sua pessoa. Então, certo de ser amado, deixou de se constranger, e insensivelmente as suas maneiras mudaram.
Já não tinha, como outrora, daquelas palavras tão meigas que a faziam chorar, nem daquelas veementes caricias que a enlouqueciam; de modo que o grande amor em que vivia mergulhada pareceu diminuir no seu íntimo, como a água dum rio que fosse absorvida pelo próprio leito, e Ema avistou o fundo lodoso. Não queria acreditar; redobrou de ternura; e Rodolfo escondia cada vez menos a sua indiferença."

Gustave Flaubert, in Madame Bovary

18 março 2014


— É pecado sonhar?
— Não, Capitu. Nunca foi.
— Então por que essa divindade nos dá golpes tão fortes de realidade e parte nossos sonhos?
— Divindade não destrói sonhos, Capitu. Somos nós que ficamos esperando, ao invés de fazer acontecer.

in Dom Casmurro, Machado de Assis

14 março 2014


Ama.
Lavar os dentes ao lado de quem amas.
Apalpar-lhe descaradamente o rabo.
Comer chocolates até te fartares.
Passar a noite a dizer asneiras.
Beijar sempre de língua.
Passar o dia a dizer asneiras.
Mandar o chefe bugiar.
Passar a vida a dizer asneiras.
Deixar declarações de amor escondidas pela casa.

(...)

Beijar incansavelmente.
Não te levares minimamente a sério.
Dispensar quem te chateia.
Tocar um instrumento qualquer.
Perdoar quem é humano.
Desistir do que não te serve.
Lutar pelo direito à parvoíce.
Escrever um livro.
Dar prioridade ao prazer.
Ler um livro.
Nunca desistir de quem amas.
Aprender desvairadamente.
Fazer cadeirinha com quem amas.
Ensinar desvairadamente.
Perder a respiração pelo menos uma vez por dia.
Nascer pelo menos mais uma vez do que as vezes em que morreres.
Viver desvairadamente.
Te.


Pedro Chagas Freitas

[era isto. e mais umas coisas. nossas, só nossas. 'tá bem. Te.
mas nada, nada em ti, para ti, te faz dizer Te. este Te. um Te de ti que seja só meu, só possa ser meu. como o meu Te de ti. namorar-Te. viver-Te. amar-Te. ser-Te.  Te.]

08 março 2014

" O que a exasperava, era que Carlos não parecia ter a mínima suspeita do seu suplício. A convicção em que ele estava de a fazer feliz parecia-lhe um insulto imbecil, e a segurança que afectava, uma ingratidão. 
(...)
Desejaria que Carlos lhe batesse, para poder detestá-lo com justiça, vingar-se dele. Por vezes surpreendia-se com as conjecturas atrozes que lhe vinham ao cérebro; e era preciso continuar a sorrir, ouvir-se a si própria dizer que era feliz, fingir que o era, deixar que os outros acreditassem?
entretanto, repugnava-lhe essa hipocrisia. Assaltavam-na desejos de fugir com Léon para qualquer sitio, muito longe, onde tentaria um novo destino; mas logo na sua alma se cavava novo abismo, cheio de escuridão.
-Afinal, ele já não me ama - pensava ela -; que fazer? Que socorro esperar, que consolação, que alívio?"

Gustave Flaubert, in Madame Bovary

[... e para apaziguar a alma, acalentar o coração, aliviar a angústia, pergunta-se se se perdeu a pessoa??... e depois? ]

"Teriam só aquilo para dizer? Nos olhos de ambos, todavia, desenhava-se um dialogo mais serio; e enquanto se esforçavam por encontrar frases banais, sentiam a mesma languidez invadi-los aos dois; era como um murmúrio da alma, profundo, ininterrupto, que dominava o das vozes. Tomados de espanto por aquela nova sensação de suavidade, não pensavam em comunica-la nem em descobrir-lhe o motivo. As felicidades futuras, como as margens dos rios tropicais, projectam na imensidade que as precede a sua indolência natural, espécie de brisa perfumada, e nessa embriaguez adormecemos, sem nos inquietarmos com o horizonte que ainda se não vê."
(...)
" Quanto a Ema, não perguntava a si própria se o amava. O amor, pensava ela, deveria chegar de repente, no meio de esplendor e fulgurações - tempestade celeste que se abate sobre a vida, a subverte, extirpando as vontades como folhas e arrastando para o abismo os corações. Ema ignorava que, nos terraços das casas, a chuva forma lagos quando as goteiras estão obstruídas; e assim se convenceu de estar em segurança, quando, subitamente, descobriu uma fenda na parede."

Gustave Flaubert, in Madame Bovary

06 março 2014


gostar é estar junto
até quando não.

gostar é estar junto
nem que seja no passado,
o passado presente,
escondido debaixo da pele,
onde o sol não desbota
e a chuva não lava,
onde o fora não chega.

gostar não é precisar,
é não precisar de gostar,
porque se gosta
sem saber precisar como

precisar é subserviente à utilidade
gostar é selvagem,
serve-se a si próprio
e não serve para nada,
não é escravo de nada
senão de si mesmo

as melhores coisas da vida
não servem para nada,
sobrevive-se sem elas,
mas só essas fazem viver.

gostar é estar junto
até quando não se precisa.

14 fevereiro 2014


Eu já sabia o que ia fazer hoje. 
Ia enviar-me fotografada a retalhos... um ombro, a linha do pescoço, a curva da anca, a sobrancelha, aquela curva que segue o contorno onde as costas mudam de nome, as pernas e a boca em beijo... Ia mandar-lhe de quando em quando, pelo telemóvel, pedaços de mim, a preto e branco - sempre a nostalgia melancólica do preto e branco - ia sorrir enquanto o fazia, ia imaginar o momento quando chegasse ao destino e fosse aberto. Ia salpicar o dia assim, de coisas que esperava que gostasses... e que te fizesse esse sorriso lindo e malandro. 
Não fiz, não foi este ano, mas farei ao que for meu próximo namorado. Enviar-me-ei em retalhos fotográficos, a conta gotas, durante o dia, para me dar-lhe inteira ao fim do dia quando lhe cair nos braços à espera que a vontade de me abraçar cada bocadinho daqueles de mim seja tão grande, tão boa e tão doce como aquela que sinto agora por quem nada sente. 
Bem sei que sou tonta, que se calhar não arranjarei um tonto que goste destas tontices, que ache tontices parvas, que diga que não liga ao dia - e eu também não ligo, mas às vezes dá-me desculpa para fazer umas tontices mais tontas (este dia, ou aniversários, ou datas que me marcam por alguma razão, ou só porque me apetece, pronto)... Porque a vontade de abraçar, e querer ser abraçada em cada pormenor, em cada riso e sorriso, ao fim do dia, isso - felizmente, ou não tão felizmente - tenho-a todos os dias. É essa a minha prenda de enamorada todos os dias, o dia do bêbado do cúpido só me dá asas para coisas mais parvas e que não se encontram em lojas.
Dou por mim a pensar, a projectar o fim do dia... quando, finalmente sozinhos, enroscados um no outro em frente à lareira íamos murmurar parvoíces e rir enquanto nos contássemos a tontice do dia na primeira pessoa de cada um. Onde estava quando viu a primeira foto, o que pensou, o que pensei... enfim aquelas coisas parvas que me fazem estar a sorrir feita estúpida agora, antes de fechar a janela do blogger e voltar à vida e à casa vazia, à lareira sem calor junto, aos meus dias e à minha realidade. 
Enfim... um dia a vida acontece. Acontece-me. Um dia. 

P.S. - os telemóveis são um potente aliado do namoro desavergonhado, desde fotos a trocar, a mensagens a trocar para lá de malandras e nos limites da decência de cada um (e cada um tem os seus, e nós tinhamo-los parecidos)...revela-se uma grande invenção se bem aproveitada... foi o que também conclui quando me lembrei de fazer isto... aproveitem!
P.S. 2 - curiosamente nunca penso ou imagino que alguém me pudesse fazer a mim uma tontice deste género, ou doutro, uma brincadeira qualquer... e nunca ninguém (mentira, acho que uma percebeu pelo embrulho brincadeira do meu dia de anos...) percebeu que prendas não me fazem nascer o sorriso de dentro que só me sai pelos olhos. Sou esquisita, ou exigente demais, se calhar.
...eu acho que isto é MESMO assim...
...é lindo, mesmo...
se for assim.


"Houve um ano em que entendi o que é olhares para alguém todos os dias e pensares “eu era capaz de olhar para estes olhos todos os dias da minha vida”. E, ao pensá-lo, isso te preencher de tal forma que a única coisa que te importa é fazer por isso,(...)"

Escrito pelo Menino (bem sei que ando a abusar, sempre a roubar o moço, mas que fazer, quem o manda escrever estas coisas?) e a lembrar-me - a sentir, a reviver - que já me disseram exactamente isto, mas nunca fizeram isso... 
...por isso...
...Só me ocorre dizer asneiras... porra!! $%&@#?&%@#$
...ahhhhh... e mais uma coisinha: QUEM RAIO ANDAR A EMBEBEDAR O MEU CUPIDO HÁ ANOS PARE COM ESSA MERDA SEFAXAVOR!!!, DESINTOXIQUEM O GAJO À FORÇA , AFINEM-LHE A PONTARIA E DÊEM-LHE UNS ÓCULOS, QUE EU 'TOU FARTA DESTA MERDA, SIM??
Agradecida. 
Fico à espera. Sentada para não me cansar, já sei... bahhhhhh

12 fevereiro 2014


"(...) E houve um ano em que entendi que podes levar as pessoas onde quiseres mas não lhes podes pôr amor dentro. Que há, mais que um cansaço, uma atitude existencial por dentro que não consegues tirar com mais mimos ou mais spas que lhe atires contra. Houve um ano em que entendi que há cansaços que não são desculpa para nada e são desculpa para tudo. Houve um ano em que entendi que há cansaços que, no alfabeto de alguém, são anagramas para falta de amor.

Houve um ano em que compreendi pela negativa que o resultado pode ser ortogonal ao esforço. Por mais que faças, não consegues que entendam ou apreciem porque o fazes, ou, mesmo que entendam isso, não interessa nada, porque não te correspondem, acham que não precisam de te corresponder.

Houve um ano em que entendi que as palavras não significam nada. Quem há quem diga amor e ache que isso quer dizer conforto, ou estabilidade, ou acomodamento. Houve um ano em que entendi que um bilhete de avião para ir a Londres on Valentine’s Day ter com alguém não significa nada senão uma oportunidade de passear, e que é possível chegar ao fim do dia cansada e a querer dormir porque no dia seguinte te vais querer levantar cedo para ir às compras. (...)"


Coisas do Menino...

Quanto a mim, houve um ano em que percebi o que é ter-me enganado tantos anos acerca do que é ser amada, porque nunca fui. Um ano em que o dia de S. Valentim me lembra que todos se empolgam por assinalar um dia com grandes coisas, que eu só queria comemorar todos os dias com pequenas coisas, mas que nem vontade para isso agora tenho. Não quero nada. E que, na verdade, é o que tenho: nada. 
É o ano em que recuo à minha adolescência para me lembrar dum beijo a meio dumas escadas enquanto chovia, para depois correr de mão dada e sorriso aberto até ao abrigo mais próximo e aí, acabar  a seco, o beijo molhado e prolongado e colado como todos os primeiros beijos devem ser. Lembro-me dessa paixão que me queimou e me doeu e me matou e me refez, sem nunca se calhar me ter completamente refeito, e que não me deu nada - nem de perto-, do que o amor que dei e senti nos últimos anos, que era Amor, mas era um Amor apaixonado muito doce, muito bom e muito completo, que me fazia sentir inteira e completa.  Lembro-me duma surpresa que fiz, dumas fotografias que tirei para à distância dizer que estava aqui, e que era ainda tua, como sempre. Lembro-me de saber que tudo isso deitaste ao lixo, sem complacência. Lembro-me de pensar há algum tempo que tolice iria eu fazer este ano para te pôr um sorriso nos lábios, que apesar de tudo, quero sempre provocar e regalar-me só a imaginá-lo. Lembro-me como sou triste na minha estupidez tão alegre... lembro-me que tudo é, invariavelmente, um desperdício de vontade e tempo. E que desisti. Lembro-me que desisti e tenho de mo relembrar de tempos a tempos. Desisti.
Lembro-me este ano - principalmente este ano - que tudo acaba e que os dias não são nada. E que não gosto deste dia que aí vem de S. Valentim, lembra-me que as minhas paixões acabam mal e que o Amor não é para mim.