Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

10 setembro 2014

sim... há coisas que não têm solução...
não têm conserto, é andar para a frente...
...há tanta fila que anda, um dia a minha também há-de andar!!
E alguém ver brilho em mim, e calor, e essas coisas e ajudar à festa, ter vontade de melhorar a luz, o calor, por-me uma gargalhada no riso, a mão na minha, deixar-me encostar e descansar, dar-me mimo e deixar-me dar todo o que trago em atraso... e já é tanto...
Estou tão desconsolada hoje... nem sei porquê, será do tempo, ou do pouco que entendo das pessoas, da vida, e pior, da minha vida... 
queria trocá-la por outra.

Bom Dia


"pegas-me na mão, abres a porta, ligas a música e o candeeiro do chão. suspiro-te ao ouvido que estás linda nesses saltos, aperto-te a cintura com um braço e com o outro prendo-te o pescoço. o beijo demora mais, a respiração fica mais intensa, o teu corpo cola-se ao meu. a roupa cai e deixa nua a tua pele. deito-te na cama e percorro cada bocado de ti com a minha mão. lentamente. o teu peito, os teus braços esguios, o teu pulso do tamanho da minha mão, a palma da tua mão na minha. lentamente. o teu pé, de curva inclinada perfeita, as tuas pernas longas, a tua coxa próxima, quente. quase louco o magnetismo que o teu corpo solta quando lhe toco. depois beijo-te, aperto-te, rodo-te, puxo-te. toco-te. amo-te. em vagas de ritmo. às vezes mais lento, outras vezes mais demorado. paro no teu olhar sempre que tenho a ideia mais louca. solto um riso, gozo com a tua cara de espanto maroto, e fico-me ali, a ver-te no prazer do que te faço. dizes que é o meu sorriso safado, de boca mordida no gemido baixo, que te excita o desejo.

entre cada vaga de ritmo louco, de safadice doce, o teu olhar cruza o meu. e não vejo só prazer. e não vejo só amor. vejo mais, vejo aquilo que não se explica, a intensidade do que não se sabe onde nasce, apenas sabe que se vive ali. naquela fusão de dois corpos que se entregam, que se deleitam no prazer, que se amam, não pela carne, não pelo desejo, mas pela alma. como quando no meio do ritmo mais louco, paramos. quietos. imóveis. o silêncio da música, apenas o meu respirar ainda ofegante na tua cara. e as palavras que saem lá do fundo, sem filtros, nuas, como nós. e a lágrima de emoção que escorre, que cai lentamente enquanto te abraço, enquanto te aperto, enquanto te amo mais uma vez. e ficamos ali, horas, entre risos safados, prazer sôfrego, e paixão lânguida. dizes que é o meu sorriso doce, de brilho nos olhos, que te emociona o desejo."


Momentos daqui

...mas só dali, porque destes não moram cá.

Boa Noite

09 setembro 2014

... menina B... o que eu não faço por ti!!!
Só para te alegrar o dia e dar-te desejos de ser uma maçaneta... hummm.. 
quem é amiga quem é?
...pois!!... nem precisas responder 'tá?
... tu vê bem, vê bem... o sorriso do moço!!
ihihihiih

... de certa maneira é.
Pode salvar-nos ou destruir-nos; pode criar-nos dependência ou alergia...
dependência que seja por nos fazer sentir e bem e gostarmos de repetir sempre, e a toda a hora;
 a alergia que se detecte depressa, que se identifique o composto que não suportamos e afastemo-nos para não nos darem ataques de alergia crónica com o tempo...
Há que escolher bem as nossas drogas....
depurar os efeitos primários e não descurar os secundários...

Bom Dia



"O que os amantes fazem é gostar um do outro.

Se gosto do teu corpo, quero-te; se gosto dos teus olhos, olho-os; se prezo a tua opinião, peço-ta; se valorizo os teus conselhos, conto-te a minha vida para que mos possas dar; se me agrada a tua companhia, escolho-a; se quero ter coisas em comum contigo, procuro-as; se te quero bem, cuido-te; se quero os teus beijos, dou-tos; se me interessas por dentro, ouço-te; se te quero foder, digo-to; se te quero menos cansada, ajudo-te; se me quero menos ocupado, e mais livre para ti, explico-to; se gosto de te ouvir rir, rio contigo; se gosto de te sentir perto, abro-te a porta e chego-me a ti, chego-te a mim.

São estas as coisas que fazem os amantes; e são estas as coisas de que se alimenta o amor – não é só de viagens nem de jantares, de corpos magros, de prendas caras ou de vontades feitas.

O que os amantes fazem são estas coisas parvas do dia a dia, e é preferirem-se um ao outro para estas coisas."


Mas este não dá para resistir... coisas parvas, estas coisas parvas de se preferirem um ao outro para rir, para fazer rir, para se encostarem um ao outro, para conversarem, para pensarem em conjunto de tudo o que é a vida e do que devia ser e do que não queremos que seja, para se cuidarem por dentro e por fora - e às vezes cuidar por dentro é agarrar por fora. Querer por dentro é colar por fora. É uma coisa parva de encostar a pele do avesso, de dentro para fora, numa gargalhada, num abraço ou num beijo que às vezes só se sonha.

É preferirem-se, sempre. Escolherem-se todos os dias para as coisas parvas, e para as outras também. Escolherem escolherem-se. 
Escolherem-se.

Sou terrívelmente parva, o que me faz lembrar do título dum livro que transcrevi muito aqui no tasco: O Amor é para os parvos.

Boa Noite
"- Isso quer dizer que você não quer que ela se divorcie de si?
- Bem, tenho de pensar nos meus filhos, não tenho? E naturalmente não quero vê-la infeliz. Sempre nos demos muito bem. Ela tem sido uma esposa fantástica, sabe?
- Então porque é que me disse que ela não significava nada para si?
- Eu nunca disse isso. Disse que não estava apaixonado por ela. Há anos que não dormimos juntos, a não ser de vez em quando, como por exemplo no dia de Natal ou na vespera de ela partir para Inglaterra ou no dia que regressa. Ela não é mulher que se interesse por esse tipo de coisas. Mas fomos sempre grandes amigos e não me importo nada de lhe dizer que dependo dela mais do que alguém possa imaginar.
(...)
- Mas disse que nunca me abandonaria.
- Mas, meu Deus, eu não a vou abandonar. Metemo-nos num grande sarilho e eu vou fazer tudo o que for humanamente possível para a livrar dele.
- Excepto a única coisa óbvia e natural.
(...)
- Precisava de me ter dito que não queria mais nada nesse mundo além de mim?
Os cantos da boca dele descaíram com impaciência.
- Oh, minha querida, não deve tomar à letra as coisas que um homem diz quando está apaixonado por si.
- Então não foi sincero?
- Fui, no momento."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[Onde é que está escrito que a paixão torna as pessoas mentirosas... ou pronto sinceras, muito sinceras, mas a curto prazo, curtíssimo (conheço um caso de cinco horas, em cinco horas passou de doidinho por uma coisa, para doidinho pela oposta...), onde é que isso está escrito que não li esse livro, essa bíblia? Aliás eu acho que oferecia era uma enciclopédia, ou melhor umas dezenas de poemas, para ver se percebem o que é a paixão e estar apaixonado, é que estar apaixonado é estar ao rubro dos sentimentos duma forma genuína e verdadeira, não há lugar para mentiras, menos ainda para mentiras acerca dessa paixão... acho que confunde-se muito paixão com tesão, mas pronto isto é só uma opinião, sincera e de longa duração, mas posso estar errada...]

08 setembro 2014

"- Sabe as mulheres têm muitas vezes a impressão de que os homens estão muito mais apaixonados por elas do que na realidade estão.
(...)
- Não sabe porque casei consigo?
- Porque queria estar casada antes da sua irmã Doris.
Era verdade, mas ela sentiu algum regozijo quando viu que ele sabia. Por mais estranho que parecesse, ele espicaçava-lhe a compaixão mesmo naquele momento de medo e raiva. Ele esboçou um sorriso ténue.
- Nunca tive ilusões a seu respeito - disse. - Sabia que era pateta, frívola, uma cabecinha oca. Mas amava-a. sabia que os seus objectivos e ideais eram triviais, lugares comuns. Mas amava-a. Sabia que não era lá grande coisa, mas amava-a. É engraçado quando penso no esforço que fazia para achar graça às mesmas coisas e na ansiedade com que lhe escondia que não era ignorante, banal, maledicente e estúpido. Sabia como a inteligência lhe metia medo e fazia tudo o que podia para que pensasse que eu era tão idiota como o resto dos homens que conhecia. sabia que só tinha casado comigo por conveniência. Mas amava-a tanto que não me importava. Tanto quanto sei, a maior parte das pessoas, quando estão apaixonadas por alguém e esse amor não é correspondido, sentem-se ofendidas e ficam cada vez mais zangadas e amargas. mas eu não era assim. Nunca esperei que me amasse, não via razão para que o fizesse, nunca me considerei muito amável. Bastava-me poder amá-la e entrava em êxtase quando, de vez em quando, pensava que lhe agradava ou quando captava nos seus olhos um lampejo  de sorridente afeição. Tentava não a importunar com o meu amor, mas, como sabia que não podia evitá-lo, estava sempre atento ao primeiro sinal de impaciência ante o meu afecto. O que a maior parte dos maridos espera ter como um direito eu estava preparado para receber como um favor.
Kitty, acostumada uma vida inteira à lisonja, nunca até aí tinha ouvido ninguém dizer-lhe tais coisas e no seu coração explodiu uma ira cega que rechaçou o medo, uma ira que parecia sufocá-la, fazendo-lhe as veias das têmporas inchar e latejar. A vaidade ferida pode tornar uma mulher mais vingativa do que uma leoa a quem roubaram as crias."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[Isto é tudo o que eu não quero: ter a certeza que não sou amada e resignar-me a isso, a amar alguém que não consegue perceber o que eu sinto por dentro, ainda que  possa sentir com menos ou mais intensidade, tem de ser um comprimento de onda partilhado ou não vale a pena. Por muito que dar seja tão mais gratificante do que receber, receber por favor recuso-me, chega a ser ofensivo emocionalmente. Talvez seja o dito orgulho, o não poder exigir o que só existe sem exigência, ou sequer, razão. Mas também não ser amado não é culpa de quem não ama, porque não nasce da vontade, por isso aquele ressentimento de quem sabe que não é amado parece-me uma coisa mesquinha, amarga e ressabiada, como se nos achássemos tão grande coisa que a estupidez de não nos amar é do outro. A culpa de não nos ver como nós queremos que nos veja, ou como nos vemos, é do outro. E isso sim é estúpido. E eu tento a todo o custo não ser esse tipo de estúpida, mas tenho toda uma palete de estupidezes para me desforrar... e à grande!]
"Pode ser que, tal como as personagens históricas, eu seja orgulhoso de mais para lutar."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[... Há muito de mim nesta frase e eu não sabia, nunca pensei nisto assim, mas há coisas em que sou definitivamente assim, e de facto talvez seja orgulho. Encaro a possibilidade de certas disputas como uma posição de inferioridade, ou pelo menos uma posição relativa onde só deveria haver posições absolutas, como no amor. Nunca disputei um homem com ninguém, nunca "lutei" com ninguém para ganhar o afecto de outro. Se acho que é preciso disputar afecto é porque o andamos a procurar onde não o há. Posso lutar por quem gosto, posso fazer este mundo e o outro completamente desprovida de orgulhos, mas apenas enquanto achar que o outro gosta de mim este mundo e o outro. Se não for assim talvez seja orgulho o nem ir a jogo. Retiro-me. Nunca poderei ganhar o que quero. Porque o que quero não se ganha. Ou há ou não há. Ou se ama ou não se ama, e ponto final.
Esta frase é excelente mesmo, bolas.]
"Walter, ao contrário do que era seu hábito quando jantavam fora, não lhe enviou um pequeno sorriso de vez em quando. Nunca olhou para ela. Quando se dirigiam para o carro, ela tinha reparado que ele mantinha o olhar desviado, fazendo o mesmo quando, com a delicadeza habitual, lhe deu a mao para á ajudar a sair.
(...)
Claro que ele sabia; disso não tinha a mínima dúvida, e estava furioso com ela. Mas porque é wue não tinha dito nada? Seria na verdade porque, embora zangado e ferido, a amava tanto que temia que ela o deixasse? O pensamento provocava-lhe sempre um leve, mas terno, sentimento de desprezo: afinal era marido dela, era quem lhe dava tecto e a sustentava; desde que não interferisse na vida dela é à deixasse fazer o que quisesse tratá-lo-ia com toda a cordialidade.
(...)
E havia ainda outra coisa: os homens eram muito vaidosos e, desde que ninguém soubesse o que se tinha passado, podia ser que Walter se desse por satisfeito em ignorá-lo. Depois pensou se não haveria a mínima possibilidade de Charlie estar errado ao sugerir que Walter sabia bem de que lado soprava o vento. Charlie era a personalidade mais popular da colônia e em breve seria secretário colonial. Poderia ser muito útil á Walter: em contrapartida, poderia prejudicá-lo muito se Walter o enfrentasse. O coração dela exultava ao pensar na força do seu amor; como se sentia indefesa nos seus braços vírus. Os homens eram tão estranhos: nunca lhe teria passado pela cabeça que Walter fosse capaz de tal baixeza, mas nunca se sabia, talvez a sua seriedade não passasse de uma mascara para encobrir uma natureza mesquinha e cavilosa."

Somerset Maugham, in Véu Pintado

[... Quantas máscaras usam as pessoas? Quanto tempo para percebermos as máscaras, e haverá máscaras que nos impeçam de ver a nós mesmos? E porquê? Não nos conhecemos e temos medo de nos ver ao espelho sem máscaras, temos medo de nos ver e à nossa verdade? Sabemos qual debaixo de todas as máscaras é a nossa verdade? Mas se temos medo revela-se que desconfiamos que não iremos gostar do que poderíamos ver... Estranho.]
...dormir seria uma variação... das boas, vá... mas não se está mal, aqui com a cidade pela janela e um mundo morto por dentro. Um cigarro na mão, e a luz que se fechou para não ferir a escuridão que se sente mais do que se vê. A ponta do cigarro acesa, laranja, que vive a espaços mais viva, e eu invejo-a, de viver mais viva a espaços. Mas no fim tudo é cinza. Às vezes acho que também eu já sou só cinza.
...bom conselho.

Boa Noite

06 setembro 2014



"Toda a gente me dizia que já não existia, mas eu decidi procurar, fazer um avistamento de algo que fosse realmente uma questão de fé, que me mudasse para sempre. Foi essa impossibilidade que me excitou. Quase tudo o que nos dizem que não conseguiremos alcançar, que não conseguiremos ter, que não existe, afinal só o próprio medo nega.
(...)
(...)perdermos o desejo de pureza é a maior perda de todas; perdemos a existência da própria alma humana. É essa busca que nos torna humanos. Só o medo nos impede de viver vidas apaixonadas.
(...)
Esse é o primeiro grande passo, fundamental, para que uma pessoa acorde na sua própria vida: tirar-lhe totalmente a esperança. É uma pessoa acordar diante do abismo. E, como diz Nietzsche, quando se olha para dentro do abismo, o abismo olha para dentro de nós. E nessa contemplação damo-nos conta da dimensão universal da miséria e do sofrimento em que estamos metidos. E talvez isso nos dê a vontade, a energia, a força e o entusiasmo para querermos dar o salto em direcção ao desconhecido, em direcção a algo que não é comprável, não existe nas lojas, não dá para ver pela Internet e é uma descoberta própria de cada um. A esperança tem de ser a primeira coisa a morrer na nossa vida.
(...)
Queria um indivíduo que sai de outro mundo e, de repente, é confrontado com uma estranheza tal que não consegue resistir. O facto de ser mais velho, de não ser lusófono, de ser verdadeiramente estrangeiro permite-lhe contrastar, exaltar-se, sofrer tremendamente com coisas que diríamos normais. E não são nada – muitas das coisas que estamos a viver tornaram-se normais, mas não são nada naturais. Quando uma pessoa acorda de uma coisa assim, já não há espaço, nem tempo para mais palhaçadas. Não há amanhã."

...sacado desta entrevista com alguém que eu não conhecia... mas o título, por ser algo que penso há muito e volta e meia me remói os pensamentos, fez-me ir ler. E a entrevista vale a pena ser lida.

[Tenho pena de não me lembrar melhor dos livros que leio, realmente a minha memória de galinha dá nisto, já li aquele livro do Conrad, sei que gostei, que gostei muito, que é um livro forte e duro, mas só tenho uma ideia vaga da história e tive de ri rever quem era aquele personagem (para estas revisões este blog é coisa boa, é é...)]
"Quando nos vénus,
juro a marte."
Leminski

Boa Noite

05 setembro 2014


... Chegaram! Foi rápido.
     :))

...com dias como este!!.... 
passam a correr de tanto trabalho que lhe fazemos caber... 
...à segunda vez que nos tentamos coçar já alguém nos está a chamar... 
é que não dá para pensar em mais nada, é uma maravilha, a sério!!...
Quero mais dias destes, gosto. Nestes dias, e com o que fiz hoje, até gosto mais do que faço. 
Queria muito ganhar um ou dois contratos destes, até o pessoal deixava de resmungar de ser uma gaja a mandar neles... acho eu, há quem tenha sempre do que se queixar.... bahhh
a ver vamos, era bom.
O pior agora é o caminho para casa... 
o final do dia faz sempre pesar nos ombros a vida que nos anoitece...

04 setembro 2014

...'bora!!
para isso está toda a gente sempre pronta, né?
mas porque é que é preciso ir embora para ser feliz?
não dá para ser feliz em qualquer lado?...
...tipo aqui, ali ou acolá: em qualquer lado, o que interessa é estarmos bem, né?
Então embora para quê?
Não podemos ficar aqui, juntinhos?
calados?
enroscados? a ver o mundo pela janela?
sem lhe ligarmos nada porque o mundo onde estamos é muito melhor?
Não podemos?

[não, não podemos, claro que não. eu sei e quem eu sei não quer, e então eu também não quero, 
até porque agora tenho de me ir embora para casa, lá está... pois, bahhhhh]

Que coisa mais doce.... alguém se atreve a definir melhor o amor do que estas crianças?? 

Vejam aqui que vale a pena, eu não resisti a estas:



... e acho que esta última é muito difícil de superar como descrição, 
as outras revelam comportamentos quando se ama: o querer agradar, a cumplicidade de ajudar em tudo, tudo é tarefa partilhada até as pessoais quando deixam de poder ser pessoais...
Eu não saberia descrever ou sequer dizer melhor do que o Billy o que é o amor, e gostava que um dia alguém lesse estas frases doces e só me visse a mim ali. 
Essa é se calhar a minha definição. 
Ver o outro em tudo o que se gosta. Tudo o que faz o sorriso nascer por dentro.

(...)
"Porque és Tu. A minha queda-livre.
E não te sei parar em mim.
Segura-me. Amparo-te.
Controla-me a loucura. Sossego-te os medos.
Pede licença para ficar. 
Não podes ser tanto.
Vou perder-me em ti. Vou querer ficar. 
Não vou querer sair. 
Nem daqui a mil anos."
(...)

Do miúdo que gosta de me chamar grande...
:)
... e olha miúdo a melhor maneira de te encontrares é perderes-te em alguém que encontre em ti o homem que podes ser. sem medos.





Os poucos gestos a que me agarrei, eram afinal gestos de mãos vazias, que não me davam a mão.
Palavras escritas, li tantas que ainda guardo e que me rasgaram a alma em farrapos.
Ficaram para sempre.

Hoje acho que percebi alguns dos sonhos que me andam a devassar o sono, que me fazem acordar quatro, cinco vezes, por noite: fiz um trato comigo e não me levanto, e se me levanto não pode ser para escrever porque não quero acordar ainda mais o cérebro que já faz greve de sono pela natureza dos últimos meses. Esta noite acordei uma das vezes por volta das cinco e meia, em choro convulsivo, acordei e não conseguia parar, uma coisa estranha, como que entranhada na alma, e mesmo acordada não conseguia afastar-me do sonho, daquela sensação. Daquele desespero. Procurei acalmar, abrir os olhos, ver as horas, sentir-me real, descolar-me do sonho e parar de soluçar. Mas a sensação ficou por muito tempo. Tentei dormir novamente e passado um bocado venci-me, adormecendo. De manhã ainda tinha o sonho na pele da memória, o banho não o lavou nem o afundou ralo abaixo, e a caminho, com música calma na viagem, tentei perceber a sensação. Tenho a mania que os sonhos não são nada o que a história do sonho nos conta, a história - se calhar como na vida real, afinal - não interessa nada, é só um meio, um veículo que nos leva, só interessa o que nos faz sentir. Só isso é verdadeiro no sonho: o que sentimos. Serve só para nos fazer sentir, para nos fazer sentir daquilo que fugimos de sentir no dia a dia, ou que tentamos travar, racionalizar, e com que não sabemos lidar, no fundo. E enquanto dormimos o subconsciente trabalha-nos isso. Aí a nossa vontade está adormecida e não somos donos do que sentimos. É o que eu acho, e sempre que tento perceber o que raio me quero dizer e não me quero ouvir, começo a tentar perceber os sonhos que me agitam, que me ficam, que me assaltam de dentro para fora. E então percebi que tenho sonhado várias vezes com perdas, com mortes, com choros que não tive, com abraços que não dei, com mortes que ainda não morreram em mim. E hoje, hoje percebi que alguns desses sonhos - e o de hoje claramente-, não era aquela morte que chorava, era outra; não era o saber que estávamos no natal, altura de família e carinho e calor, não era o saber que eram os últimos dias da pessoa a quem agora reconheço mais que dantes, a quem agora tenho pena de ter abraçado menos, de quem agora agora vejo mais protecção e carinho do que via dantes, mesmo que veja os exactos mesmos defeitos, vejo mais claramente algumas qualidades, e algumas que sei que me faltam e que não as aprendi a tempo. Não era essa morte que eu chorava na certeza de ir acontecer, e de responder a alguém que me perguntava, porque não parava eu de chorar, "porque não sei quantas vezes mais o vou ver..." E esta frase ficou-me, penso até que foi a última antes de acordar, porque o choro convulsivo acordou-me. E essa frase, de carro, com uma música de fundo calma, disse-me tudo. Chorava uma morte sobre a qual sou também impotente, que também me impuseram e decretaram, e choro o que durante o dia não pude chorar, não uma morte que morreu para mim, mas uma morte que matam em mim. Para mim. Mas que é uma morte, uma perda, um vazio. Um luto com que luto. E os sonhos cruzam-se, e repetem-se, e falam de tudo o que não dizemos enquanto não quisermos ouvir. Mas se os ouvirmos aprendemos a ouvir-nos nos silêncios que nos impomos, com que nos enganamos, ou tentamos. 
Tenho muitas mortes para chorar, muitos lutos para fazer, muitas recordações com que viver ainda. Os sonhos massacram-me, mas talvez me vão ajudando a desfazer alguns nós. Assim eu perceba como o nó está dado e será uma questão de paciência e sabedoria para me desfazer dele, ou guardá-lo como lembrança do que lá estava quando nos apertou nele.

03 setembro 2014


All are tales of human failing
All are tales of love at heart
                           
             Every Story is a Love Story


do Musical "Aida"

[era bom que na vida também assim fosse, tudo fosse do coração. verdadeiro. até os grandes falhanços. não há nada como as coisas cruas, genuínas verdadeiras. só se pode ser genuinamente infeliz depois de se ter sido terrivelmente feliz, de ter sentido a felicidade crua, verdadeira, um pouco selvagem até. Só o que é natural é selvagem. ]

"nos dias que correm, cada vez mais imediatos, partilhados e padronizados, a tendência é para o afunilamento de padrões. uns são nerds dos computadores, outros são intelectuais das letras, outros fito-desportisto-atletas. há ainda os viajantes profissionais, os preguiçosos intencionais, os mil fashionistas, os swagger's emprestados e os novos ginlovers. para mim, não passam de uma cambada de ovelhas que seguem todas o mesmo caminho, todas com a mesma lã, a mesma cor, o mesmo gosto. cansam-me. porque o que gosto mesmo são dos outros, dos que mantêm o que são, seja qual for a moda. daqueles que tem um toque que é a sua marca. não é só o que são, como são, ou como vivem, mas aquele toque especial que lhes dá uma piada única, ou um estilo próprio, ou até mesmo aquela irritação boa, quase de estimação. porque as pessoas verdadeiramente interessantes tem um toque que se adivinha, que se percebe, que se antecipa. um toque que não se vê, que não se consegue descrever, mas que se sente..
gosto daquelas pessoas que tem sempre o seu estilo, estejam na festa mais deslumbrante, ou apenas caídos, ali na relva de um jardim. as que dançam a música, não por quem canta, mas pelo que canta. que sabem conversar horas, de todos os assuntos, mas sem nunca se levarem muito a sério. que são bonitas, não pelo que exibem, mas pelo que guardam em si. e, gosto ainda mais das que sabem reconhecer - e apreciar - esse toque nos outros. porque não há nada que me deixe mais feliz, do quando me dizem 'vê-se logo que foste tu que fizeste', ou 'tinhas de ser tu a descobrir isso'. e isto, não é porque somos melhores ou únicos. é o contrário, é mesmo na nossa imperfeição, nos nossos defeitos, termos sempre um vinco que deixa a nossa marca boa. seja a forma de rir quando estamos a dizer parvoíce, ou a forma de abraçar quando dizemos que gostamos, até a forma de ocultar (por carinho), quando fugimos aos problemas. ou aquela forma de cuidar, sempre atenta aos pequenos sinais, cheia de pequenos gestos que se tornam grandes, pela simples forma se saber estar: presente.
hoje, sei que o que distingue os grandes amores é a sintonia nestes pequenos toques, que fazem do mais normal dos dias, um momento sempre especial. é saber que se tem uma pessoa bonita e especial à nossa frente, mas que são os grandes detalhes que a fazem nossa paixão. coisas simples, como a forma de tomar café, ali meio a cair do balcão entre pernas encruzadas, seja em que casa for. ou ir às compras, e fazer sempre daquilo uma diversão, seja na loja mais in, ou no supermercado mais out. é haver sempre uma musica nova que é tão nossa, seja de quem for. é o cheiro da pele fresca da manhã, sempre familiar, seja em que banho for. é a forma como adormeces no meu peito, seja em que cama for. é o brilho do olhar no outro, que se reconhece quando está feliz, seja a que distância for. e sabes, é o nosso toque, que nos deu esta forma tão improvável de sermos iguais. porque somos almas que vivem da mesma forma: entregue. não apenas ao outro, mas ao tanto que sabemos que vamos viver com o outro.."


...haja alguma coisa que descubra gostar cada vez mais... quero muito acreditar nisto que estes textos transmitem, este toque, esta essência, que seja realidade para alguém, que me façam acreditar que é possível.... que ainda é possível. Que este toque de vida na vida ainda me é possível. Que um dia ainda vou respirar vida pelos poros. Todos. 

Bom Dia
"Carnuda, somente carnuda. Mas que tonta. Depois querem que uma pessoa acredite na existência de Deus. Como é que uma mulher pode ser tão cheiinha, tão perfeita, com aquele busto, com aquela boca, e sem cérebro? Seria necessário pôr-lhe um a transístores. Ou devolvê-la a Deus, como falha de fábrica. De qualquer modo, o baboso do noivo não há-de manusear-lhe precisamente o cérebro.
 - Vou comer no centro, menina, por isso estarei de volta pelas duas.
- Lembra-se que às três marcou com o senhor Rios?
Como fará para ter memória, se não tem cérebro? Terá a memória instalada no busto? Lugar há, de sobra. Ali poderia ter a memória, o estômago, os meniscos, o pâncreas, tudo.

(...)

(...)quero que tenhas uma recordação criada por mim, algo a que possas agarrar-te; para mim é insuportável que tenhas perdido a tua mãe, que odeies o teu pai, que te sintas distante do Gustavo, que não possas comunicar com a Susana e que de vez em quando sonhes comigo; creio que tens direito a sentir-te, uma vez pelo menos, em consonância com as tuas emoções, com a tua vida; creio que tens o direito de te sentires pleno; confesso-te que para mim foi uma verdadeira crise; mas de repente vi claramente, vi que a morte está sempre a vingar-se das nossas vacilações; a nossa vida compõe-se de três etapas: vacilar, vacilar e morrer; a morte, em troca, não vacila diante de nós; mata-nos e acabou-se; e o grande espião, o formidável quinto pilar que a morte instalou em nós, chama-se escrúpulo; já sei, eu tenho escrúpulo, tu também, compreende que não estou contra o escrúpulo; mas é o quinto pilar da morte; porque graças ao escrúpulo, vacilamos, e passa-nos o tempo de gozar, de gozar esse minuto feliz que, como graça especial, foi incluído no nosso programa; passamos toda a vida a sonhar com desejos incumpridos, recordando cicatrizes, construindo artificial e mentirosamente o que podíamos ter sido; constantemente estamos a travar-nos, a conter-nos constantemente, estamos a enganar e a enganar-nos; cada vez somos menos verdadeiros, mais hipócritas; cada vez temos mais vergonha da nossa verdade (...)

(...)

-Está bem Dolores.
-Não me olhes assim.
-Olho-te como sempre.
-Não, não é como sempre. Olhas-me como...
-Como quê?
-Como um derrotado.
-É que sou um derrotado, não sabias?
-Prometes-me uma coisa?
-Não, Dolores, não te prometo nada.
Porque fica ali, junto à cancela, enquanto faço lentamente marcha atrás? Que se vá embora, que entre de uma vez por todas em casa. Com dificuldade posso suportar o vestido branco, mas não aquelas sandálias, não aquele colar, não aqueles brincos de molas, os mesmos que uma vez lhe fui tirando, que continuo a tirar-lhe, acordado ou a dormir, sempre. Porque te tenho e não*. Já não te tenho. Definitivamente não. Que se vá embora. Que desapareça. Que se feche. Que se esconda a chorar. Eu não me escondo.

(...)

Daí que a tremenda satisfação sexual com que me brindou a única união com Dolores seja, sobretudo, um derivado daquela comoção prévia. Olha-me, e o seu olhar não é sexo, mas profundidade, tristeza, palpável socorro. Todavia, o seu olhar e o seu sorriso, ao apanhar-me, espremem o meu coração, aceleram-no, lançam-no, e uma vez que o meu coração é lançado a amar, a urgir, a necessitar, submete-se ao sexo, e este passa a proceder como mera filial orgânica e os seus modos de amor deixam de ser os próprios para se transformarem em subsidiários dos modos de amor do coração. Ou seja, o meu tipo sexual pode ser, por exemplo, uma mulher de pernas bem torneadas, cabelo escuro, olhos verdes, mãos delgadas, ancas tangíveis, mas quando o olhar e o sorriso decisivos me alcançam e fulminam, o resto já não importa e a partir desse instante o meu sexo só se encontrará satisfeito na assunção desse corpo que me olhou e sorriu, (...) a minha sentença contra o Velho, tenha sobrevivido a partir do convencimento, a partir do vislumbre de que ela não ia aceitar, porque a esta altura talvez me seja insuportável estar livre sem ela, inocente e sem ela. Talvez eu esteja a engendrar urgentemente uma grande culpa, um absorvente remorso, só para cobrir uma ausência, para justificar a minha solidão.

(...)

Anos antes já o tinha intuído, mas só agora o confirmo: quando se deseja uma mulher, só se conhece metade do próprio desejo. O desejo completo sobrevem no instante em que se tem consciência de que também a mulher nos deseja. Então sim a pressão torna-se insuportável.
-Vamos?
Aqui estive com Dolores. Porque faço isto? Será que no fundo quero comparar? Ou talvez tente apagá-la, acabar com a sua imagem? (...) Quando o acto é de união total, como com Dolores, não exijo nada; não exijo nada, simplesmente, porque está tudo."

Mario Benedetti, in Obrigada pelo lume.

[o prometido é devido, aqui ficam os últimos excertos do livro que acabei há dias, os que me fizeram marcar as páginas porque me fizeram parar para reler, ou só rir-me com o sentido de humor deste escritor que vai sendo salpicado pelo livro.  eu sou das que acho que o sentido de humor oportuno fica bem em todo lado, mesmo no meio de assuntos sérios que me fazem parar para pensar, identificar-me tanto que sorrio por falarem por mim o que sinto, concordar ou não, transpor, estabelecer paralelismos ou não, pôr-me a mim e outros naqueles pensamentos, tentar perceber chegar a algumas conclusões, tentar entender melhor o que nos faz seres humanos, e a diversidade enorme que há dentro do comum do amor, do que se sente, do que se sofre e pensa. Gostei.
(Não concordo totalmente com o escrúpulo, acho que o quinto pilar da morte - para usar as palavras de Benedetti - é o medo. O escrúpulo serve para nos travar e pensar melhor, ponderar onde nós começamos e acabam os outros, mas não nos impede obrigatoriamente, se impede é porque quebra as nossas próprias normas, e escrupulo é um conceito muito mais social que pessoal, e então na perspectiva social não é mais do que uma mera desculpa.)]

*parte dum poema de Mario Benedetti que está de certeza algures neste blog, em espanhol, e que no livro aparece traduzido (não fui buscar o post por preguiça, sorry, talvez noutro dia o faça...)

02 setembro 2014


"In a relationship, one mind revises the other; one heart changes its partner. This astounding legacy of our combined status as mammals and neural beings is limbic revision: the power to remodel the emotional parts of the people we love, as our Attractors [coteries of ingrained information patterns] activate certain limbic pathways, and the brain’s inexorable memory mechanism reinforces them.

Who we are and who we become depends, in part, on whom we love."


A ideia romântica que tinha do amor e do que ele nos pode fazer e fazer ser, melhorar, sermos o melhor que podemos ser, sendo nós mesmos... temo hoje em dia dia por mim e pelo que me posso tornar, e pelo enterro de todas as ideias românticas que tinha, e tentei soterrar, depois da adolescência, com a vida dos grandes, e que alguém fez irromper de novo com uma força imensa, que eu nem sabia poder existir, nem sonhava ter toda essa intensidade de gostar, de querer, de lutar, em mim. De ter tanta certeza do que se quer e ama, de nos sabermos o melhor de nós com quem nos faz sentir verdadeiros connosco, sem medos. Conheci-me para afinal morrer mais conhecedora de mim e do que poderia ser. Poderia...

... E quem sou eu para discutir com a ciência??? Pode não eliminar os sintomas da vida, mas esbate-os um bocadinho para eles não nos baterem tanto... E nem dores de cabeça... Ainda me habituo...
Bom dia 

28 agosto 2014



... já tantas vezes pensei, disse e escrevi isto... às tantas viro padre...
E realmente eu parece-me que só existo enquanto tiver utilidade, depois é fácil, é descartar e virar costas. Já não sou útil, já não sirvo aos propósitos da agenda do dia.

"Não estou bem seguro de nada. Susana sim deixar-me-ia. E vá, importa-me tanto que Susana me deixe ou não me deixe? A paixão acabou-se, acabou-se de tal forma, que agora não sei se alguma vez existiu, mas a minha memória, não o meu corpo, a minha memória diz que existiu. Pode ser. Quanto ao amor, o amor sem paixão digamos, é um conceito tal abstracto e geral, que se calhar continua a existir, mas sem importar muito. Estou acostumado a ela, à ordem que impõe em casa, ao seu modo frio de dialogar, ao seu estilo um pouco histérico para enfrentar as preocupações, à cara adormecida de sonhos, ao seu riso metálico, aos seus cremes, à sua pele, aos murmúrios, às suas depressões, às suas impertinências, às suas nádegas. Mas costume não é necessidade. Antes precisei dela, agora não. O que se passa então entre ela e eu? Paixão já não, quiçá amor lasso; necessidade já não; quiçá costume. Que palavra pode resumir tudo isso? Carinho? Estima? Apreço? Simpatia? Indiferença? Fastio? Aborrecimento? Raiva? Na realidade eu deixo-me viver. Não vamos investigar demasiado. Nem sequer em mim. Até um míope poderia dar-se conta de que isto não é a felicidade.
(...)
Sim, é quase seguro que a prudência fácil, este continuar como até agora, é quase seguro que isso seja o disparate. Não sou herói nem nada que se pareça. Bastou que Susana não acreditasse que eu falava sério, para que eu mesmo me levasse a brincar. Não estou para piadas, disse, e foi o suficiente para que as minhas palavras me soassem vazias. A verdade é que sei que não vou mudar, que não vou tomar nenhuma decisão abrupta, dramática. Enquanto se trata só de pensamentos, de um simples jogo mental, então sinto-me com ânimo, tenho a impressão de que vou decidir-me, de que vou dar o salto, mas quando chega o momento de criar os factos e enfrentar a sua responsabilidade, então dá-me um medo irracional, um pânico semelhante ao que me assaltava em pequeno (...) Não sei exactamente se é medo à miséria, à insegurança ou ao desprezo dos outros. Talvez seja menos digno que tudo isso. Talvez seja simplesmente medo ao incómodo, à falta de conforto. Porque quando penso que a minha vida é cinzenta, aborrecida e rotineira, não me escapa que a rotina inclui uma série de coisas insignificantes mas agradáveis.
(...)
Pode ser-se feliz junto a uma pessoa frívola, mas desde que se pertença ao mesmo grupo sanguíneo. E Dolly não. Dolly tem vida interior. É profunda quando quer. A sua simpatia baseia-se particularmente no que não diz: silêncios, gestos, olhares, etc. (...) Dolly querida. Vi-a pela primeira vez quando eu já levava dez anos de casado. Era aquilo, claro, o que eu tinha andado à procura, e agora tinha-a Hugo. Casei-me com Susana porque pensei que Aquilo não existia, ou melhor, resignado a que Aquilo não existisse. E, naturalmente, se uma pessoa pensa que Dolly não existe, então Susana parece bem. Mas existe. Por exemplo, agora, ali, no jardinzinho.
(...)
"Bem, agora está claro. Acabaram-se os sonhos. Mas deixa-me às vezes que fale contigo. Sinto que com ninguém, nem sequer quando estou sozinho, estou tão próximo da verdade. Da minha verdade, entendes-me? (...) como é que posso falar com ela, assim, de qualquer coisa, cães, mendigos e Cristina Jorgenssen? Creio que a amo mais, agora que estou seguro de que não acontecerá nada. Porque não a vi antes? Porque é que não levei a melhor ao Hugo? Com ela sim, sentir-me-ia valente. Ou isto será uma boa desculpa para me sentir cobarde?"

Mario Benedetti, in Obrigada pelo lume

[ existir o que não pensávamos existir, sentir o que achávamos só pertencer a telas e a páginas de romances bem escritos, depararmo-nos com o que procurávamos quando já não estávamos à procura, ou à espera. Nada nos prepara para isso, e nada nos salva disso. A conjugação perfeita, o estarmos com o outro como connosco próprios, sem reservas ou medos: inteiros. E a impossibilidade. As razões que se vão acrescendo para validar as cobardias, para as justificar e quase legalizar como quem moraliza. 
O livro não é o que esperava, escreve em prosa tão diferente do que se sente na sua poesia, mas o giro é que se sente a mesma sensibilidade, só não descrita na prosa, apenas através de alguns pequenos pormenores que só os atentos atentam, e a sensibilidade, a humanidade profunda da história, principalmente das reflexões dos personagens, da sua bagagem psicológica, de medos, traumas e desejos. Os personagens são muito humanos, muito frágeis, muito reais, e por isso profundos. E a parte política reflectida como fenômeno sociológico mas também psicológico do indivíduo. Interessante, mas não o que esperava. Ainda assim não me desilude. E isso é bom, e bolas muito raro nos dias que correm... ]
... Ainda não consigo. Ainda me agarram as saudades. Ainda se me colam as recordações a qualquer coisa que veja, que oiça, que cheire, que viva. Ainda te tenho entranhado na vida por viver como na vivida. 
Como é que se pode ter saudades de alguém que não nos ama, e se não nos ama nós não queremos? Como se pode ter saudades do que não foi? E como ter saudades do que não foi? Como se as memórias e as recordações fossem sonhos e nunca realidade, porque a minha realidade não existiu, nunca estiveste nos momentos como eu estive e recordo. São como memórias de contrabando, falsificadas, que comprei com a minha alma, como genuínas, verdadeiras, reais. 
Como agora saudades do passado mentido e do futuro a que não cheguei?
Saudades como? Como?

27 agosto 2014

"Mas o reconhecimento de que uma necessidade seja peremptória nem sempre significa que a solução seja iminente.
(...)
A maturidade não se adquire por decreto. Se rebentarmos, não por própria convicção, mas pura e exclusivamente porque rebentam os nossos vizinhos e o fogo se propaga, o mais provável é que as chamas recebidas não nos sirvam de nada, a não ser para nos destruirmos. Enquanto não fabricarmos o nosso próprio rastilho e a nossa própria pólvora, enquanto não adquirirmos uma consciência visceral da necessidade da nossa própria explosão, do nosso próprio fogo, nada será fundo, verdadeiro, legítimo, tudo será uma simples casca, como agora é casquinha (...)"

Mario Benedetti, Obrigada pelo lume

[... Verdade, enquanto não tivermos a nossa verdade e a sentirmos até à medula, nada se incendeia, nada muda, não há revoluções, políticas ou outras.]
- Não, come a fruta toda!... A fruta não te custa, tu gostas...
- Mas será que como porque gosto ou porque estou habituada, mamã?
(As perguntas que esta miúda faz com esta idade... Deu-me para sorrir com a reflexão dela...)
-Não sei, diz-me tu.
- Acho que é porque estou habituada...
- Então mas se não gostasses tinhas-te habituado?... 
- Não fui eu que me habituei, foi o meu estômago!
(... As coisas que me põem a pensar... Não foi ela que se habituou, foi o estômago, e o estômago nao parece depender dela gostar ou não...Tontices giras que só comecei a pensar muito mais tarde que ela... E que definitivamente não concluo o mesmo, há hábitos que se adquirem porque se gosta, ou se gostou para serem tão repetidos e virarem hábito...)
"(...) acabou-se o mundo lá fora. Ele conta-lhe tudo, pormenoriza-lhe os capítulos em que esteve dividido o dia. Sobre isso não há dúvida: é sincero com ela. Porque lhe conta coisas feias, coisas sujas, coisas terríveis. Como se soubesse que o amor dela é capa de aceitar esse lado negro do seu ser, essa zona do diabo que nunca mostra a ninguém totalmente.
(...)
Quando decidi ser como sou, fi-lo com toda a lucidez. Não vale dizer: que pena, enganei-me, peço perdão à sociedade, à família e ao fisco. Dir-me-ás: e a consciência? Não penses, eu também faço a mesma pergunta. A diferença está em que tu a fazes a mim, e eu a faço a esse fantasma chamado Deus. É a consciência?, pergunto-lhe. A minha pergunta, porém, é uma reclamação, como quando vais a uma loja protestar porque te deram um artigo com uma peça a menos. E a consciência? Isso é tremendo. Eu não tenho. Ou se tenho, nunca à encontrei.
(...) tinha chegado a captar, no entanto, que ela era uma espécie de instrumento, insignificante instrumento daquele homem difícil, impenetrável, duro. Tinha chegado a captar que era gozada, mas amada; desejada mas não necessitada. Ela era o instrumento de gozo do homem, e tinha validade enquanto ele precisasse dela como provocação dos seus sentidos."

Mario Benedetti, in Obrigada pelo lume

[... Relações estranhas de um instrumento de gozo a quem se conta o lado mais feio porque se sabe que aquele amor aguenta tudo... Um instrumento de vários sons e propósitos, com serventia para tanta coisa, mas nunca para amar realmente, de facto, assumidamente... E no meio disto tudo: a consciência? Onde fica, onde está? Não há, ninguém sabe. 

26 agosto 2014

O engraçado é que apesar de tudo apontar para eu não valer um cu, parece que o meu cu vale alguma coisa; logo, pela lógica das coisas, eu valho pelo menos um cu. O que é que isso quer dizer é que eu já não faço ideia...
O amor não tem tamanhos nem medidas, ou se sente e é todo, é tudo, ou não é nada. Não há amar um bocadinho, ou amar muito, isso poderá ser gostar talvez, de resto há amar ou não amar. 
E isto foi o que me ensinaram os últimos meses, já não me posso agarrar à dúvida, ou à ideia de poder ser um pouco de amor, de ter sido um bocadinho amada. Agora sei que não foi. Não foi nada. Não fui nada. 
É impossível não ver. 
E se eu o dissesse, a resposta seria para pensar assim se isso me ajuda, não seria negado, não seria confirmado. Mas também já não são precisas respostas, os últimos tempos calaram essa dúvida. Essa pelo menos. A única que importava, que me importava, que me importou.

... Sim, era isto.
A parte que vale a pena, que faz valer tudo o resto.

Boa noite.

25 agosto 2014

Quando é que os casais começam a ser só companheiros e deixam de ser namorados? É com os filhos? Ou os filhos aparecem porque as pessoas deixaram de ser namorados e precisam de alguma coisa que os junte? Ponho-me a olhar para as pessoas e não consigo descobrir. Sei que quando quis engravidar ainda namorava, mas agora que penso nisso, não era apaixonada...
"- O problema é que estou farta do meu marido, senhor Budiño.
- Talvez esteja deprimida esta noite, senhora Ransom.
- Chame-me Mary, Ramon.
- Como é que sabe que me chamo assim?
- Está no folheto da agência.
- Você está deprimida esta noite, Mary. Isso acontece a muitas pessoas com o triste Carnaval. Deprimem-se.
- Não estou deprimida. Estou enfastiada do meu marido. Nada mais, é muito simples. 
- Só esta noite ou sempre?
- É sempre, mas especialmente esta noite. 
- E porque não se separa?
- Digamos que por preguiça. 
- É um bom motivo.
- É, não é? Fez-me rir, Ramon, e eu não me rio facilmente.
- No entanto, fica muito bem quando se ri.
- O seu escritório fica muito longe?
- Chegámos, senhora."

Mario Benedetti, in Obrigada pelo lume

[... E eu que sou tão, mas tão preguiçosa, não tenho destas preguiças. E destas facilidades, desta rapidez de arranjar um entretém. No entanto ao menos é capaz de ser mais sincera a resposta, é escusado complicar ou vestir a verdade de outras roupagens. Prefiro a sinceridade, mesmo que estúpida.]
pois se calhar era uma ideia... 
aliás, ideia que se calhar já alguns tiveram... vestem e despem cá com uma bolina... 
... mas há vestidos que experimentam mais tempo e com mais vontade, e outros que nem chegam realmente a vestir põem assim à frente do nariz, acham muito giro, dizem que é lindo, mas não sei se chegam realmente a vestir com propriedade, vontade e convicção.
Seja como for o que não querem, despem e deixam no chão.
Vou pensar em começar a adoptar a mesma filosofia... é que chego à conclusão que quando tenho vontade de vestir e visto, normalmente é para levar, é para ficar, é porque quero. 
Tenho de variar mais, vestir e despir, e deixar no chão. E eu que ainda não arranjei quem me despisse os vestidos novos que ainda não vesti.... tss tsss que tristeza.... aliás dei por mim a pensar há dias há quanto tempo ninguém me toca, a pele e a alma. Nenhuma das duas.


"Quando encontrar alguém
e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos,
preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e,
neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles,
fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso,
se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento,
perceba: existe algo mágico entre vocês.

Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa,
se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração,
agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.

Por isso,
preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR."

Carlos Drummond de Andrade

[de repente todas estas coisas perdem sentido, sei-as verdadeiras, mas inacreditáveis. Já não acredito, embora saiba que existem. Só não existem para mim, e com, sorte, não existem mais em mim, nem existirão.  Empenha-se a alma, dá-se tudo, e nunca resta nada, a não ser mágoa e tanta coisa para desembrulhar... às vezes penso que mais valia não ter sabido, não ter descoberto nada, não saber agora que isto existe e é possível; depois penso que é o meu caminho, e nos caminhos da vida não há desvios, tudo é caminho. Mas estou cansada de caminhar, os pés doem-me a lembrar-me os caminhos que decidi percorrer doesse a quem doesse, e a única a quem doeu e dói, é a mim, está certo, a opção foi minha. Assim seja, não me queixo, mas analiso. Analiso-me, e aos outros, e desiludo-me muito. Demais, e não me entendo. Se calhar estas coisas acontecem mas nunca a par. Eu senti, mas fui a única. Se calhar ainda estou para comprovar que isto por de ser correspondido, recíproco, bom, afinal!!...]

23 agosto 2014

Pretty much so...
Sou uma malcriada... é o que é!!
...ou isso, ou dou o tratamento conforme o comportamento... 
...uma das duas deve ser...
E hoje, hoje, agora desde há pouco, estou naquela ultima frase...
Há dias assim!!
"Este é o momento, estou certo. Nos dias em que estive alegre, sempre me enganei, sempre acreditei no que não sou, na vida cor de rosa, etc. Nas noites em que me senti tão mal como que para chorar aos gritos, não chorei aos gritos, mas silenciosamente, tapado com a almofada. Mas aí também se exagera. Não se pode ser lúcido com o peito inchado de angústia ou desespero."

Mario Benedetti, in Obrigada pelo lume

[grande verdade, a angústia e o desespero não deixa a lucidez ver nítido. Absorve todos os sentidos, todos os sentires e abafa toda a razão, apaga todos os raciocínios bem intencionados de ordem. Talvez a sabedoria seja deixar passar a angústia e o desespero, reconhecer a sua ausência consciente,  para deixar a lucidez analisar e decidir.
E depois, o que se decide com lucidez não se duvidar, mesmo quando o desespero e a angústia nos faz faltar o chão e o ar, porque aí, decide o desespero o contrário da lucidez. E anda-se assim tempos sem fim.
E isto faz-me reformular: o que mais nos mostra o que realmente queremos? O que decidimos lucidamente, ou o que o desespero, no seu turbilhão, nos mostra? Se a lucidez assenta na razão e na calma de conseguir pesar e pensar, o desespero alimenta-se e encarna o medo extremo. O que é mais verdadeiro, maior? Não sei, não sei mesmo, porque o medo, o medo extremo do desespero, como todos os medos, serve para nos proteger; para ser tão intenso é porque protege alicerces fundamentais. Mas o medo, se nos protege do mal também nos protege de todo o possível bem que não chegamos a permitir possível. A lucidez raciocina demais e sente de menos. Algures no meio, onde se encontre uma lucidez sensível estará o melhor para nós.
Eu ainda estou no pós-desespero que queima. ]

... Mesmo!!
É tão bom sentir-me livre apesar de tudo, dever sentir-me livre. Nada me prende, ninguém me tem presa, ninguém me quer presa a si, e isso dá vontade de ser realmente livre, ninguém nos querer prender daquela maneira boa, que é estar presa de livre vontade, e com muita vontade... Vontade só de um lado não conta e percebemos que a ligação não existe, nunca existiu, ainda que a sintamos, não queremos sentir, queremos ser livres dela, porque só a nós prendia, só a nós tocava... E uma ligação tem sempre dois pontos que se unem, se não tem, não é ligação, é vontade ou outra coisa qualquer, e o álcool pode ajudar....
Boa noite.....

22 agosto 2014

...é verdade...
mas bolas, como eu prefiro um bom pedaço de mau caminho!!!
Dá para trocar??
eheheheh
(se calhar encontro-o no fim daquele bom caminho que custa a percorrer... quiçá?)
 

... Boa maneira de começar o dia...
Qualquer uma delas, na verdade.
Bom dia!
"- Por isso as grandes obras de arte se construíram sempre em redor do pecado.
- O que, no fundo, significa construí-las em redor de Deus.
- Naturslmente, porque sem Deus o pecado não existe. E construíram-se em redor do pecado, porque o pecado está proibido e tem castigo, e isso é o estético: o conflito entre a proibição e a culpa. Melhor dizendo, a arte é a faísca que resulta de friccionar a proibição com o castigo."

Mario Benedetti, in Obrigada pelo lume

[...que melhor começo para a Eva, do que uma conversa não pecaminosa sobre o pecado??... ]

Boa noite

21 agosto 2014

Já me disseram que eu tinha a alma grande, mas eu não sei o que é isso de alma grande, o que é isso do tamanho das almas... Sei que há almas que no seu tamanho são felizes; outras que se acham grandes porque são felizes, mesmo que a qualquer custo e de qualquer maneira; outras não percebem essa coisa dos tamanhos, ou para que serve, só queriam mesmo era que alguns momentos tivessem a sua alma toda, pequena ou grande. E que fossem muitos. Tantos quantos se puderem roubar aos dias e outros tantos às noites acordadas.
A única coisa para que a alma serve é para sentir a vida, a minha acho que se aposentou.
(eu também digo poucas coisas, calo-as e guardo-as, tantas; só os olhos me dizem que não consigo calar... mas parece que nada disso basta, parece que nunca nada basta  ou serve...talvez fechá-los seja bastante.... ou deixar de ter o que guardar.)
... é o senhor desta frase o senhor que se segue...
só se pode esperar muito...


....verdade...
E estou danadinha para começar o próximo (o próximo livro, eu falo de livros...)
e ele está aqui ao meu lado a olhar para mim, e eu para ele, é a antecâmara de uma relação... 
resta saber que relação.... hummm veremos...
"Os cuidados de Matilde fizeram com que aquela gruta selvagem fosse ornamentada com mármores ricamente esculpidos em Itália.
A senhora de Rênal foi fiel à sua promessa. Não procurou de forma alguma atentar contra sua vida; mas três dias depois da morte de Julião, morreu beijando os filhos."

Stendhal, in Vermelho e negro

[acabou. E estas duas frases resumem bem estas duas personagens, e o amor para elas.]
"O entusiasmo e a felicidade de Julião provavam-lhe como ele lhe perdoava. Nunca estivera tão louco de amor.
(...) que o crime que cometo é horrível, e mal te vejo, mesmo depois de teres disparado dois tiros sobre mim... - e, neste momento, Julião, contra sua vontade, cobriu-a de beijos.
(...) ... Mal te vejo, todos os deveres desaparecem, sinto apenas amor por ti, ou antes, a palavra amor é fraca demais. Sinto por ti o que devia sentir unicamente por Deus: uma mistura de respeito, de amor, de obediência... Na verdade, não sei o que me inspiras...
(...) Explica-me isto, bem claramente, antes que eu te deixe, quero ver claro no meu coração; porque daqui a dois meses deixar-nos-emos... A propósito: separar-nos-emos? - disse-lhe sorrindo."

Stendhal, in Vermelho e negro

[... Tão pouca razão e nenhum raciocínio... Por isso o amor desgraça tudo, e é ao mesmo tempo a única graça de tudo, em tudo. Desgracemo-nos então, ou viveremos para sempre desgraçados. ]
É bom quando sentimos as pessoas voltar a nós, pessoas de quem gostamos e de quem nos custou afastar, por uma ou outra razão, mas com razão suficiente para isso. Quando se gosta, a distância só se impõe se for obrigatória ou resultar de se estar magoado. Aí acontece naturalmente, e é uma consequência amarga, mas a que não se pode fugir se formos verdadeiros connosco, com o que queremos das relações, e com os outros. Sempre que me distanciei foi por me sentir magoada, e é bom sentir que essas pessoas agora voltam a mim, que me procuram, que se preocupam. E isso é bom de sentir, e doce, e apaga as mágoas. E na fase da vida que estou, é bom sentir isso, sinto-me menos só e um  bocadinho valorizada, afinal voltaram por alguma coisa, eu era-lhes e sou, alguma coisa. E isso, no meio disto tudo, é bom.

Bom dia!
"Teria sido sensível a uma ternura ingênua e quase tímida, enquanto que a alma altiva de Matilde necessitava sempre de ter a ideia dum público e dos outros.
No meio de todas as suas angústias, de todos os receios pela vida daquele amante, ao qual não queria sobreviver, ela tinha uma necessidade secreta de causar admiração no público com o excesso do seu amor e a sublimidade dos seus empreendimentos. Julião sentia-se de mau humor por não se comover com todo aquele heroísmo.
(...)
"É estranho", dizia para consigo Julião, um dia, quando Matilde saía da prisão, "que uma tão grande paixão de que sou objecto me deixe de tal forma insensível! E há dois meses adorava-a! (...) Sou portanto um egoísta?" E fazia a si próprio, a este respeito, as mais humilhantes censuras. A ambição tinha morrido no seu coração, uma outra paixão saíra das cinzas; ele chamava-lhe remorso, por ter tentado assassinar a senhora de Rênal. De facto estava perdidamente apaixonado por ela. Sentia uma felicidade estranha quando, deixado absolutamente só e sem receio de ser interrompido, podia entregar-se completamente à recordação dos dias felizes que passara em Verriéres e outras vezes em Vergy. Os menores incidentes desses tempos, tão depressa decorridos, tinham para ele uma frescura e um encanto irresistíveis. Nunca pensava nos seus êxitos em Paris; aborreciam-no."

Stendhal, in Vermelho e negro

Impressionante, vem tudo nos bons livros (até aquela curiosidade minha daquele prazo inexplicável dos dois meses, pelos vistos é universal e eu não sabia!!... Santa ignorância!), aquilo que se faz com um propósito, com um futuro, com um fito, deixa de existir quando estamos perante algo que nos obriga a fazer o balanço da vida, a recordar o que nos tocou e valeu viver. A vida que sentimos ao longo da vida. O que vivemos sem um propósito, o que vivemos sem razão alguma que não fosse apenas vive: quando vivemos o agora - sem futuro, ou sem pensar nele. Tudo se relativiza, e só sobrevive o essencial, o que nos fez sentir felizes e vivos, o resto enevoa-se e esquece-se. Quando o propósito ou a razão se dissipam, tudo isso desaparece com eles, fica o que se viveu por gosto e vontade de viver.
O que fica foi o que nos tocou, o resto foi  tempo que passou e que não tocámos, passou só.

20 agosto 2014


... Que verdade tão bem "dizida"!!
É bem isto, sim!
Durante a noite acordei várias vezes a pensar em amoras, não porque as queira comer, ou me apeteçam, mas porque devia estar a sonhar com alguma coisa. Alguma coisa que tinha a ver com chamares-me doce de amoras... e eu rir-me e perguntar porquê, e dizeres-me que era o mais parecido com amor. E eu gostava dessas coisas doces, tontas e nossas, ou que eu achava que eram nossas...
Acho que durante a noite descobri que se nunca me amaste, se calhar me "amoraste",  outro verbo doce "made by you", mas este não faço ideia do que queira na realidade dizer, em que se poderia traduzir.
Aliás, como uma vez me tentaste explicar a diferença entre amoras e mirtilhos, porque para mim são parecidos, eu acho mesmo é que me confundi no sonho, na verdade tu mirtilhaste-me, e bem!!
Mas pronto é tudo fruta, fica tudo em familia.

19 agosto 2014

" "Nem sequer devo permitir a mim próprio apertar contra o coração este corpo maleável e encantador; ou me despreza, ou me maltrata. Que terrível carácter!"
E, ao amaldiçoar o carácter de Matilde, amava-a cem vezes mais; parecia-lhe ter uma rainha nos braços.
A impassível frieza de Julião redobrou o desgosto de orgulho que dilacerava a alma da menina de La Mole.
(...)
despreza-me, se quiseres, mas ama-me; não posso viver privada do teu amor! - e caiu desmaiada.
"Aqui está, enfim, esta orgulhosa a meus pés!", disse para consigo Julião. "

Stendhal, in Vermelho e negro 

[... E a isto se resume esta história, e tantas, tantas outras. O quebrar o orgulho de alguém. Não será apenas para refazer o próprio orgulho? Amor não será, digo eu... E para isso não olhar a meios, fingir amar outro alguém, fingir frieza e desprezo, acicatar o orgulho alheio para o seu triunfar, no fundo. Amor? Será? Ou apenas um jogo podre de poderes amargos? De subjugação de quem dizemos amar? De só sentirmos o amor que queremos do outro e sentimos por esse alguém, quando o tratamos mal, quando fingimos não amar, quando lhe quebramos o orgulho e o subjugamos a nós? Isto é amor?
Amor, para mim, não é uma relação de poder, é talvez aceitar não ter poder algum sobre o outro, sabendo que nos tem. É aceitar termos o coração noutro peito e esperar que no nosso habite o dele. ]
"Às vezes felicitava-se por desprezar aquela pessoa tão triste; mas, contra a sua vontade, a conversa dele cativava-a. Sobretudo o que à espantava era a sua completa falsidade; não dizia uma palavra à marechala que não fosse uma mentira, ou, pelo menos, um abominável disfarce da sua maneira de pensar, que Matilde conhecia tão perfeitamente a respeito de quase todos os assuntos. Este maquievalismo espantava-a. "Que profundidade!", dizia para consigo.
(...)
Quando, depois de uma longa divagação, conseguia retomar o raciocínio, pensava: "portanto, eu obteria um dia de felicidade depois do qual recomeçariam os seus rigores, fundados, infelizmente, sobre o pouco poder que tenho de lhe agradar, e não me restaria recurso algum: estaria arruinado, perdido para sempre... Que garantia me pode ela dar com um carácter assim? Ai! Falta com certeza elegância nos meus modos, a minha maneira de falar é pessoal e monótona. Santo Deus! Porque sou assim?"

Stendhal, in Vermelho e negro

[... Penso o mesmo, porque sou assim? E porquê estes jogos? Não sei jogá-los, não tenho paciência nem jeito, nem quero. E no entanto reconheço nestas linhas aquele efeito estranho que vejo por aí, desprezar o que se acha bom e se entende que verdadeiramente se procura, e ser-se atraído estupidamente pelo que se critica e se pretende afastar, apenas porque é o meio a que se está habituado, a que chamamos casa, ainda que sempre que se tem oportunidade se declare que é o que não queremos, é do que queremos fugir. Daí Matilde dizer do seu desprezo, mas a conversa teatral, e não sentida, de Julião a cativar, ainda que ela a saiba falsa. Gosta mais das genuínas ideias dele mas não resiste ao efeito que o teatro tem sobre si... Ou será sobre a sociedade? E por isso sobre ela?]
"Por seu lado, Julião achava que os modos da marechala eram um exemplo quase perfeito daquela calma patrícia que respira uma delicadeza exacta e ainda mais a impossibilidade de qualquer emoção viva.
(...)
Era tudo muito vago. Aquilo queria ao mesmo tempo dizer tudo e não dizer nada. "É a harpa eólica do estilo", pensou Julião. "No meio dos mais altos pensamentos sobre a morte, sobre o infinito, etc., a única realidade que vejo é um medo abominável do ridículo." 
(...)
Depressa compreendeu que para não ser vulgar aos olhos da marechala era preciso, sobretudo, não ter ideias simples e razoáveis.
(...)
Apesar do nosso herói fazer todo o possível para banir completamente o bom senso da sua conversa, esta tinha ainda uma cor antimonarquica e ímpia que não escapara à senhora de Fervaques. Rodeada de personagens eminentemente intelectuais, mas que, muitas vezes, nem sequer tinham uma ideia por noite, esta dama admirava-se imenso com tudo que se parecesse uma novidade; mas, ao mesmo tempo, julgava-se no dever de se sentir ofendida com ela. Chamava a este defeito conservar a marca da superficialidade do século."

Stendhal, in Vermelho e negro

... Muito bom, e tão intemporal...
"-Você tem o ar de um trapista. Exagera o princípio da gravidade que em Londres lhe incuti. O ar triste não pode ser de bom tom; é um ar aborrecido que se deve ter. Se está triste é porque qualquer coisa lhe falta, qualquer coisa que não lhe saiu bem. É mostrar-se inferior. Se, ao contrário, estiver aborrecido, é porque aquilo que em vão tentou agradar-lhe é que é inferior. Compreenda portanto, meu caro, como o engano é grave."

Stendhal, in Vermelho e negro.

[ de facto, grande engano e melhor observação, estamos sempre a aprender. Eu que ando tantas vezes triste, entendo agora que não se deve estar triste, ou melhor, parecer triste, porque revela inferioridade. Que é como quem diz revela que estamos na mó de baixo. E eu que sempre achei que se estivesse triste estava e pronto, embora nem a toda a gente se goste de mostrar - e eu não serei excepção -, também sempre achei que andar sempre a disfarçar é dar importância a mais a quem possa pensar em tirar conclusões sobre mim. Normalmente acabo por achar isso sim uma inferioridade, o dar importância a mais, e muitas vezes nem tento disfarçar, para quê? Estou-me a marimbar para o que pensem quando me olham para o trombil... Se estou na mó de baixo estou, não sou desgraçada por isso, é um estado, é passageiro, saber isso é saber-se não inferior. Disfarçar sempre é não se saber, e ter medo que seja mesmo inferioridade. Costumo dizer que a maior força é admitir as fraquezas, escondê-las é só mais uma das fraquezas.
Mas é uma reflexão e uma observação muito boa, e por isso aqui fica no meu registo.]
... nos dias que correm é mais os hematomas, melhor:
um só, único e geral... 
Dizem que com o tempo passa - dizem -, e mesmo que eu não concorde, continuam a dizer, 
e eu só digo a ver vamos, como diz o cego... que não sei se percebe de amor, mas como dizem que o amor é cego, vai daí tem umas afinidades, sabe-se lá... 
para ter afinidades com o meu devia ser cego surdo e esquizofrénico. Pois, coitado... é, eu percebo, ninguém sobreviveria decentemente assim. Suponho que isso diz alguma coisa de mim e desta coisa que me habita em forma de hematoma. Preciso de cuidados médicos, é o que é...
E agora vou ver se acabo o meu livro que me faltam umas cem páginas, e isso é já ali ao virar da esquina. ...Com licença.
Boa Noite.