Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

25 janeiro 2015

E o sono que teima em não aparecer.
E as memórias em desaparecer.
Vamos fechar-lhe os olhos e fingir que dormem...
Fingir...

Boa Noite

24 janeiro 2015

(Foto @thislittlecorner)
Modo fim‑de‑semana. Pijama, meias grossas, trincar alguma coisa na cozinha, deixar-me ficar a beber o chocolate quente... A muito custo decidir que temos de nos arranjar e deixar o sol ver-nos. Mas antes que alguém nos veja falta um banho, quente como se quer... Depois segue-se um café "à pinha", esperando, que tal como na foto (foi a legenda que me ocorreu, que querem... Tontices...), não esteja apinhado de gente e se reduza ao essencial. Café, silêncio, boa companhia, sol, e uma pinha para atirar à pinha de alguém nao desejado que mexa com estes essenciais...
Reduzirmo-nos ao essencial é sempre coisa traiçoeira... Saberemos avaliar bem o que é essencial para nós? E o nosso essencial? A nossa essência...sabemos? Saberemos? Será?

Bom dia.



Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
...
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.

Eduardo Galeano

[... que não fique dentro por lhe trancarem as portas, mas por, de porta escancarada, gostar de ficar dentro, estar dentro, ser dentro.
ser dentro em cada canto guardado  dessa casa, na voz do segredo quente sussurrado, que é fantasma para quem é de fora.
quem é de dentro é da casa.]

Boa Noite



23 janeiro 2015


"O que é determinante aqui é que nenhuma das opções se destaca isoladamente como uma vencedora a milhas de distância. Muito bem, que fazem então as pessoas que se encontram perante tais opções? Possivelmente, congelam. São reduzidas a um imobilismo em que não conseguem decidir no estrito domínio da razão. Podemos no entanto isolar dois tipos de pessoa. Quem não queira ou seja capaz de traçar cenários na sua cabeça, vivendo o imediato e pouco além, talvez se lance por ímpeto para uma delas. Quem queira e consiga traçar cenários, vivendo o imediato e o depois disso, poderá ter dificuldade acrescida em decidir. Não decidindo, acontece aquilo que muitos dizem: a vida decide por ti. Em rigor, a vida não é uma entidade viva, não é uma coisa que pense e actue sozinha, sabemo-lo todos. O que isso significa é que se ficamos imóveis perante duas (ou mais) opções sobre as quais não tomamos uma decisão, somos ultrapassados pelos eventos. Tudo aquilo que continua a acontecer à nossa volta enquanto estamos a pesar prós e contras, vai acontecendo, e as variáveis alteram-se, e as nossas opções podem muito bem ser-nos retiradas no processo, e quando chegamos a uma conclusão, abrimos a gaveta e a gaveta está vazia. É isso que significa a vida decidir por nós.
(...)
Há uma reflexão ligeira sobre a escolha, sobre como a todos é fácil optar entre coisas muito desequilibradas, e sobre como se torna tão complexo decidir quando o plano entre opções é menos inclinado e custa isolar uma em detrimento da outra. E sobre como isso diz, verdadeiramente, algo sobre nós. Porque se num plano muito inclinado a decisão é simples, num plano pouco inclinado a luta pessoal é muito mais complexa, e jogamos todo um conjunto de valores que nos definem, e nem sempre fazemos aquilo que nos dará a maior satisfação mas podemos ver-nos empurrados para aquilo que julgamos ser um dever, independentemente de ser permanente ou transitório. Numa escolha pode residir um profundo paradoxo. Uma escolha pode nem sequer ser uma escolha, pode ser uma imposição, uma situação de necessidade, de sobrevivência, ou uma ultrapassagem. Numa escolha de plano pouco inclinado provavelmente nem existem soluções win/win, é muito natural que sejam sempre lose/lose (resisti ao duplo ‘oo’, um lapso meu muito frequente, ando sempre a pensar em loose), particularmente se a demora ou a incapacidade de decidir fizer a vida passar-nos por cima dado o nosso imobilismo. É certo, quero crer, que nenhum imobilismo dura para sempre. Ou as opções desaparecem, e com elas o imobilismo – o que sempre deixará um lamento e amargura, excepto se o sujeito da experiência nunca tiver verdadeiramente desejado optar, o que também dirá muito sobre ele, e não creio que de bom -, ou inevitavelmente uma das opções – das originais ou novas – prevalecerá. O imobilismo toda uma vida é insustentável porquanto a dado momento o sofrimento de ficar imóvel torna-se superior ao sofrimento de optar. E aí, sempre se opta. Mesmo que tarde."

Sobre as curvas das/nas escolhas, vale a pena ler, aqui, o geógrafo João.

Ficou-me esta frase "sempre deixará um lamento e amargura, excepto se o sujeito da experiência nunca tiver verdadeiramente desejado optar, o que também dirá muito sobre ele" - e pus-me a pensar... e eu, fiz as minhas escolhas? ou deixei a vida decidir? pergunto-me, e penso que sempre decidi não abandonar o que queria, e de todas as vezes decidi não ir atrás quando me abandonavam. decisões minhas. aparentemente. olho, penso e parece-me que decidi, que fiz as minhas escolhas. mas sempre deixei que voltassem... e isso não é imobilismo? nunca houve uma acção do meu lado, nem de abandonar - porque não tenho por feitio abandonar aquilo que quero, e luto por isso como posso, e segundo os princípios que tenho, mas só assim, não de qualquer maneira - nem de ir atrás, de insistir,  de tentar vencer pelo cansaço, de tentar interferir, de tentar convencer a ficar, ou ao que fosse. Mas sempre estive onde me deixaram quando voltavam. Eu continuava lá, no mesmo sitio, a querer a mesma coisa, que não era aquela que se calhar - bom, de certeza, na verdade - me queriam dar quando me procuravam. Escolher estar no mesmo sítio, da mesma forma, foi uma escolha?  ou foi apenas reconhecer que não conseguia escolher outra coisa, que não conseguia escolher? e deixava que alguém resolvesse voltar ou ir embora, retirando-me a mim de qualquer decisão? 
Na verdade eu nunca quis que a decisão fosse minha, porque não estava nas minhas mãos decidir, eu sabia o que queria e como queria, mas não dependia de mim. Então esperei, nunca provoquei situações limite, nem encostei ninguém à parede (bom, para decidir o que fosse, bem entendido, já noutras situações, encostei e que bem decidido que isso era... bom, adiante que não são coisas para me lembrar agora... ai) para decidir sob pressão uma coisa que acho que tem de se chegar a uma resposta pelos seus pés e tempo próprio. As decisões que tive de tomar na minha vida, tomei-as antes de tudo isto, no meu tempo ao meu ritmo, não as entreguei a ninguém porque eram escolha minha, afectavam a minha vida, o que queria dela e o que não queria mais nela, e estavam nas minhas mãos decidir. Escolhi, ou melhor reconheci a escolha que me estava já feita por dentro, e decidi. Depois não, eu só podia decidir entre virar costas e abandonar - indo contra o que queria e quem queria e gostava -, ou esperar que quem tinha a decisão nas mãos decidisse, ainda que também a minha vida saísse afectada e decidida. De cada vez que decidiu aceitei a decisão, fiquei no meu canto, e deixei a vida correr. Não decidi nada, ou decidi que não queria fazer nada. Apenas ficar onde estava a roer razões e porquês sem resposta. Não me mexi, não corri, não fugi, não fui atrás. Fiquei-me. E deixei-me ficar de cada vez que voltaram. Decidi sempre deixá-lo decidir. E agora não sei se isto é imobilismo. Deixou-me a pensar isto.
(é por estas coisas que me dizem que eu penso demais... se calhar têm razão)
(foto de Jens-Wilhelm Janzen, roubada aqui)

Está decidido. Vou voltar ao Yoga... já andava a pensar nisso e vou voltar; preciso, sinto os ombros pendurados nas orelhas de tanta tensão, preciso de me mexer, esticar, "elasticar"... 
só ainda não sei para onde vou... mas vou. Tenho de mudar algumas coisas na minha vida, começar a tratar do corpo que anda tão esquecido é um bom ponto de partida, isso e ver se consigo ganhar uns kilitos... temos de começar por algum lado e gosto do yoga, faz-nos mexer e não andamos aos saltos com o coração a saltar-nos pela boca e os bofes de fora... not my type...
Bom Dia
Fui agora, por acaso, até aos posts de final de Junho de 2012 e é incrível... Tudo. Eu lembrar-me da cena que deu origem a certo post, que acabava com alguém a dizer "tenho de me ir embora daqui", como aliás depois está escarrapachado nos comentários ao post. Lembro-me até exactamente do toque no braço com a ponta dos dedos que me fez voltar a lembrar que o manto que tenho em cima do esqueleto é pele, e que a pele sente. É suposto sentir. Lembro-me de ouvir que tinhas de ir embora dali, lembro-me que não te disse para não ires, como nunca to disse, como nunca pedi para ficares. Há coisas que não se pedem porque não devem ser feitas para fazer a vontade a alguém, têm de ser vontade, sim, mas apenas do próprio, não são próprias para se fazerem concedendo, ou cedendo a pedidos de ninguém. Leio, e lembro-me das brincadeiras, de como tudo se tornava uma brincadeira em que acabávamos a rirmo-nos juntos, e tantas vezes agarrados, colados, nariz com nariz, respiração a passo, silêncio a par. Lembro-me dos nossos nomes parvos, de te chamar tanto mula sem cabeça como coisa boa, e de tu me chamares biscoito. Lembro-me de passares no café onde tínhamos ido tomar café num domingo à  tarde, de te ver à  distância passar de carro, quando uns dias antes estavas sentado comigo na mesa, com um café à frente e muita conversa no meio. Depois apanhámos a estrada impedida, um cortejo ou uma procissão, disso não me lembro, e fomos um atrás do outro a mandar mensagens enquanto os carros não podiam andar.  Lembro-me de me falares dessa tarde muitas vezes, de me dizeres que tinhas gostado tanto...Lembro-me de me adorares, e não sei como isso é possível, como poderá ser possível lembrar-me disso, que nunca foi... Lembro-me de tudo. Como? Ainda sei as tuas mãos de cor. Porquê? Ainda sinto o calor dos nossos beijos. Para quê? 

Deixa-me soltas as mãos
e o coração, deixa-me livre!
Deixa que meus dedos corram
pelos caminhos do teu corpo.
A paixão -sangue, fogo, beijos-
incendeia-me a labaredas trémulas.
Ai, tu não sabes o que é isto!
É a tempestade de meus sentidos
subjugando a selva sensível
de meus nervos.
É a carne que grita com suas
ardentes línguas!
É o incêndio!
E estás aqui, mulher,
como uma madeira intacta,
agora que voa toda minha
vida feito cinzas
para teu corpo cheio, como
a noite, de astros!
Deixa-me livre as mãos
e o coração, deixa-me livre!
Eu só te desejo, eu só te desejo!
Não é amor, é desejo que se
esgota e se extingue,
é precipitação de fúrias,
proximidade do impossível,
porém tu estás,
estás para dar-me tudo,
e para dar-me o que tens para
à terra vieste
como eu para conter-te,
e desejar-te,
e receber-te!

Pablo Neruda

[...o desejo. vai vem e esgota-se. quando é só desejo.
quando o desejo anda a par do amor, e do desejo de amar e ser amado, quando se ama amar com desejo, é amor embrulhado em desejo que não se esgota. enquanto não morrer o amor. depois morre tudo. distancia-se a proximidade do impossível para se aproximar a distância do possível. ]

Boa Noite

22 janeiro 2015


"Nunca tive um sítio a que chamasse casa, talvez por isso chamasse casa a tantos.
(...)
Só percebi mais tarde que casa é um lugar que se faz com as mãos. Que só chamas casa ao que abre os braços para te receber. Que só chamas casa ao que te faz sentir em casa do outro lado do mundo. Que casa é um lugar no peito de alguém. Que estar em casa é deitar a cabeça no teu colo. Tu a tua no meu. Que essa é a verdadeira casa. Que tudo o resto interessa pouco. Que a geografia, essa, não interessa nada."

Roubado ao Menino

[... casa. o que é aquilo a que chamamos casa? casa é onde estamos bem, onde somos nós sem medo de sermos o que somos, onde nos sentimos protegidos, onde nos refugiamos e de que não nos escondemos, é o sítio para onde fugimos e de que nunca escapamos. Não é onde precisam de nós, mas onde não sendo precisos, somos queridos, somos parte, nos sentimos parte e, ao mesmo tempo, todo.
Casa é uma noção independente de coordenadas geográficas.
Não é onde temos um lugar para nós - é onde nós somos o lugar, e o lugar somos nós. Sozinhos ou em partilha sem distinção de partes.
Sentimo-nos casa em casa. E casa não é um sítio com geografia, é o sítio onde sentimos poder aninhar a alma sem solidão.
...às vezes casa é uma pessoa que, em qualquer sítio, nos faz chegar a nós e não nos faltarmos.
e sentirmos que não nos falta...]

(Foto de Sophia Hsin)

Agora é o que eu preciso. 
O café arranjo não tarda muito.
O resto o tempo dirá, agora tenho mesmo é de ir ao banho e trincar qualquer coisa 
(depois do banho, entenda-se... se bem que não era mal pensado, não... Eheheh)

Bom Dia!

Mulher feita (ou quase) a assustar os medos. Alguns.
Fazendo o caminho certo hei-de chegar aonde chamamos casa. É fazê-lo. Sozinha.
Estrada deserta. Música. Sem sono. Ainda.

21 janeiro 2015


Vive-se sozinho, meio acordado, numa espécie de torpor. E no interior das pálpebras fazemos aparecer o rosto amado.
Gostaríamos que estivesse aqui, ao alcance das palavras que reinventamos para lhe sussurrar, ao alcance da mão e da boca, ao alcance dos sentidos e do desejo imediato.
Um ardor estranho sobre a pele e nos olhos impedem-me de continuar vivo. Morro sem pressa. Começo por cegar para conservar o teu sorriso (...)

Al Berto

[cada vez gosto mais deste senhor.. sombrio, é certo. mas intenso. denso. profundo de sentidos e significâncias. gosto. ofereci o livro e agora, de vez em quando, vão chovendo frases que me transcrevem, e eu convenço-me de que tenho de o comprar para mo oferecer. para ler as frases todas, não só as que retinem na cabeça de outro alguém que de manhã me deixa mensagem só a dizer que esta ou aquela frase não o larga. e eu oiço-o, leio as frases, e leio-as como quem reconhece uma vida que já teve, que já sentiu, que já teve aquelas frases a correrem-se no sangue quente de um sorriso que se vive. daquele sorriso que tenho de cegar para conservar. para nada me distrair, para nada mo levar. é que uma pessoa pode-se desapaixonar de repente, dizem-me. Apaixona-se, está apaixonada - muito, muito, não consegue esquecer nem viver sem - e depois, um mês, dois, depois já não está apaixonada por ninguém. por nada. será que se ouvissem estas frases as reconheciam? ou sempre foram cegos e não conservaram nada. de ninguém?
...e isso, isso, desapaixona-me também... a falta de densidade, de intensidade, da profundidade do que se sente, e a leveza do que se diz, sem nada se sentir, nem de leve... ]

20 janeiro 2015


Definitivamente preciso dum gajo, acabei de ficar sem modem ou o raio, achei que era o transformador, lá fui tentar enganar o bicho mas a entrada era diferente. Experimentei um modem antigo ligou as luzinhas todas e tudo, mas net ou televisão nicles... Lá abanei o outro, chamei-lhe uns impropérios, voltei a ligar et voilá... Deu. Estava só armado em parvo. E fiquei a pensar que realmente há coisas para que um gajo faz falta, se bem que estas coisas sempre fui eu mesma a fazer... Mas lembrei-me que tenho uns cortinados para pendurar e do berbequim fujo, penduro quadros, troco fios, faço quase tudo, desde que não meta aquele bicho ao barulho... Tenho medo dele, não lhe pego. Então lembrei-me disto http://maridoaodomicilio.com/... Pode ser que apanhe uma campanha, ou assim, com direito a bónus, sabe-se lá... Pode dar jeito... É que há coisas para que um gajo faz falta, e para pilotar o berbequim e abrir frascos teimosos, fazem alguma falta... Será que também fazem massagens ou só se dedicam a canalizações e Electricidade?... Pois sim, tenho de explorar melhor o site, 'tá visto.
(e arranjar uma foto a condizer com a falta de juízo do post não foi fácil... Há coisas para que não tenho mesmo jeito para procurar... Irra!! Só com ajuda mesmo...)

E hoje já chega de disparates... 
Boa Noite

... Apetece-me voltar aqui.
 Mesmo que aqui não seja este sítio, mas um lugar em mim, que de perdido não se perde. 
Apetece-me sair daqui e voltar ali, aquela paz, aquela paisagem de dentro, aquela companhia metade silêncio, metade letras. Do longe que está perto, do doce que aquece. 
A doçura que parece que me fugiu, que mesmo quando a tento dar se esfuma no ar, 
foge-me sem a chegar a agarrar para dar a quem ma merece.
Às vezes parece que nem me lembro de ter sido doce.
E do que me lembro nunca fui tanto eu.
Tenho de me pirar daqui.
(Só dispenso a tempestade no caminho, vá)
...e comer-te em cima da mesa,
da cadeira e/ou do sofá, o que calhar se se conseguir passar do hall entrada... 
e dar tempo de poisar os sacos.
(isto é que é programa, hein?? 
e pode-se alterar a ordem dos factores que o resultado resulta sempre...
até dava gosto ir a correr para casa... um dia destes apanho-me a ir a correr para casa assim... nunca se sabe, temos de ser optimistas, dizem-me...
e agora vou a correr, vou, mas só porque é tarde mesmo.)
ehehehhehe
Hoje apeteceu-me a varanda outra vez, mesmo com frio, enrolada na manta esburacada. O balanço do dia, o peso dos pensamentos que me correram no dia. Uma coisa boa, uma notícia que acalenta e me deu alguma esperança, e um funeral que me trouxe memórias de infância. Uma velhota que nunca foi nova aos meus olhos, que me faz recordar os brioches quentes para pequeno almoço, aquecidos no forno, dentro duma caixa de metal dourado com desenhos a cores. O açúcar por cima, meio derretido, o doce que aquece a boca e me faz um sorriso antigo. Ainda hoje. A sala era grande, as portas da varanda corrida enormes para o tamanho dos meus olhos. Lá fora, em baixo, o pátio onde corríamos e saltávamos. A casa do caseiro mais abaixo, onde uma vez um cão preso numa corrente me rasgou a roupa quase nova. Tinham-me avisado, eu achava que ele ia perceber que eu ia fazer-lhe festas para se esquecer da corrente. Achei mal... Os dentes não chegaram à carne, e eu não cheguei a ter medo, acho que percebi no fim que tinha mais medo de mim que eu dele. E agora que penso nisso talvez fosse uma lição para a vida que nunca aprendi... Quem tem medo é que ataca e morde. E o cão teve mais medo de mim que eu dele, mas quem ficou sem roupa nova fui eu, e ele deve ter continuado com o medo dele. Também me lembro do quarto com várias camas onde dormíamos, com soalho de tábuas largas corridas, e umas janelas antigas que sobem para abrir, e se sustentam num trinco. Janela aberta que alguém achou por bem fechar, um ano mais nova que eu, ficou com a mão entalada debaixo do peso da janela que não conseguiu segurar. Aquele ano a mais deu-me para achar que tinha de a salvar, e não vou de modas, consigo levantar a janela o suficiente para a mão dela se soltar e trocar pela minha, pela minha falta de inteligência... A janela era pesada, disso lembro-me e de lhe pedir para ir chamar alguém de juízo, enquanto a miúda chorava... Lembro-me de depois toda a gente me gabar o não chorar, e o ter tirado a outra mão mais pequenina de debaixo da janela... E hoje dei por mim a pensar que, se calhar, esta coisa de não chorar onde os outros vêem já é coisa do tempo das janelas antigas... e de me entalar também.
Cá fora, logo à porta de casa, havia um castanheiro enorme a dar as boas vindas com os ouriços no chão para fazer asneiras, depois um corredor enorme de mata a cheirar a eucalipto. Se fechar os olhos acho que ainda consigo cheirar aquele corredor, com um tanque a fazer de piscina de meninas a meio. No fim do caminho o começo duma vista deslumbrante, o Douro mesmo aos pés, um miradouro que adorava revisitar. E os brioches também. Doces, quentes.
Ao tempo que não me lembrava de nada disto, e de estar a jogar ao jogo das palavras, nós as duas e um tio, e era a minha vez, animais começados pela letra "L" e, já com umas rodadas de animais contadas, estava difícil. Alguém apareceu, e o comentário do meu tio para o senhor intruso foi "o que ele quer são lulas"... E eu safei-me. Dessa vez. Ele safou-me, também dessa vez.
(e está frio, está, sou uma doida, pois sim)

Boa noite.

19 janeiro 2015

(Foto de Máté)

Há alturas em que as palavras deixam de ser ponte e passam a ser casa.


As mãos. Quietas, sobressaltaram-me por dentro, sem poder assustar a calma por fora. Reconheci as mãos que tantas vezes vi nos extremos daquele olhar profundo de dor de alma e corpo, e intacta de dignidade madura, de fim de vida. Vi essas mãos hoje, outra vez, ao meu lado na mesa e não pude fugir de as lembrar, as que já não estão e agora se repetem. E agora aqui as deixo e ao sobressalto que me apertou dentro, apertando lágrimas sem consciência de as prender mas que se soltam quando as queremos largar. Soltam-se devagar, quase quietas, lambem a pele sem cair. Chorar, daquele chorar que limpa, que alivia, que nos soluça a alma, e depois de nos abanar e esgotar nos deixa mais leves, mais cheios dum vazio por preencher em vez dum vazio que nos preenche. Com esse ainda não fui abençoada. Mesmo quando vejo ainda, agora, na memória aquelas mãos. Quietas, inchadas, doentes por dentro. Eu só não estou inchada e a doença que trago dentro é só diferente. Nenhuma tem cura. Só se pede que se aguentem.

Pernoita-me.
Perdia-me.
Agora-me.
Sempre.

[só as palavras me escutam. só elas me falam]

Boa Noite

17 janeiro 2015

True...
Ou tentar. Mas não é a mesma coisa, talvez seja até uma tentativa de as saborear apenas duas vezes. De as escrever e deixá-las nas palavras, nas letras. Quietinhas. 
Não resulta, não como deveria, mas ajuda.


...tempo bom para a ronha... Só falta a chuva a bater nas janelas a embalar o calor da cama.
Também falta alguém para dividir o calor, multiplicando-o...
... E, já agora, também falta livrar-me destas dores de cabeça matinais de fim de semana.... Passam, mas enquanto nao passam, moem. 
E agora é levantar e ir fazer o dia.

Bom dia.

16 janeiro 2015

True.
E se calhar a pior...
[e por hoje já chega de trabalho, a semana passou a voar. Hoje de manhã, pouco depois de acordar parecia-me que ainda ontem tinha sido segunda feira, e já estamos quase na segunda feira seguinte. Dizem que é bom quando o tempo passa a correr. O problema é que a mim só me parece que correu muito quando acaba semana, ou quando acaba o dia, nessas alturas parece que o relógio se distrai de andar.... fica-se a embasbacar, a enrolar-se em si mesmo.Tempo que olha o tempo só faz tempo, mas esquece-se de fazer andar o tempo, a vida, e parece que pára. Parece, só parece. Parece que se habituou aquilo, parar nos fins. Morrer-se sem se matar. Mas o andamento do tempo não tem contemplações. E o fim do dia, como agora, é o começo duma viagem. Agora. E agora também é tempo. Só não parece que corre. Mas anda.]


... e de repente aparece-me isto no facebook, 
numa página dum restaurante cá do burgo de que recebo notícias no feed... 
e eu rio-me... Parece para mim, feito à medida. 
Que coincidência, não é? 
Parece alguém a querer substituir o nome do blog por "Eva com o abacate"... ou com o melão... será "Eva com o melão?" Eu prefiro, gosto de melão, já abacate... realmente... e o nome deste blog foi um nome que uma pessoa me deu, por eu ser uma tentação: uma mistura de pureza e pecado... e eu gostei. Continuo a gostar, na verdade. Do nome.
Realmente a imagem até pode ter alguma graça, agora os escritos que acrescentaram ao post é que não consegui perceber a piada... alguém me explica? Eva com uma serpente, ou com um melão, ou com um abacate ficaria mais sedutora?? Bem, realmente há Evas que ficam sedutoras com qualquer coisinha...  Lá isso é verdade (quem me pôs o nome este nome assim dizia desta Eva...)
E realmente "Eva com o melão" não soa tão bem como "Eva com a maçã", mas pode ficar igualmente sedutora... depende da Eva.
Assim de repente a falta de piada até parece uma private joke, ou assim para pior... mas numa página comercial??... seria tão pouco profissional!!... Deve ser a senhora do restaurante que entre tachos e panelas lá acumula a função de ir pondo um post ou outro... o próximo há-de sair melhor. 
Com mais piada pelo menos. 
Vamos fazer votos que sim!!

[até estou aqui a pensar que se calhar vou lá fazer um "gosto" naquilo (quem sabe até um pequeno comentário) com a conta de facebook do blog, assim todos os familiares, amigos e afins, do dito restaurante podem ficar a saber que há um blog que parece à medida do post...  por onde podem navegar e explorar e ver todos os posts e comentários desde 2009... hummm vou pensar...]

Bom Dia!
Boa Noite

15 janeiro 2015


não se sai do abismo,
aprende-se a sua linguagem

vasco gato

[...deve ser isso que me falta. Não devo ser boa em línguas. Ou então tenho esperança de sair do abismo... ou que ele saia de mim... entretanto olhamos um para o outro. Talvez aprendamos a falar assim, numa língua sem língua. Também há, já experimentei. Depois conheci o abismo. ]


À espera em frente a uma porta fechada. Pego nas letras, restam-me sempre as letras. Não, nem sempre. Penso que do que aqui me trouxe nada levo. Resta-me esperar pelo café com dois dedos de prosa a puxar poesia, que a porta fechada guarda. A caminho daqui, depois de não resolver o que resolver vim, vinha a ver por quem passava, quem se via no mesmo caminho em sentido inverso, ou diverso. Vi mulheres a servir a pele ao frio, com aspecto árvore de natal fora da época natalícia, mas destas há-as de vários tipos, desde as próprias dos grandes salões às das esquinas. E nem sempre é fácil distinguir quando baralham os horários, ou os sítios. Mais à frente, um homem sentado em frente a uma cadeira vazia à espera que alguém se sente para dar graxa. Continuei a andar passei por uma miúda, ao longe com um sinal à Monroe, de perto com um piercing atarefado em enfeitar uma cara atarefada em falar ao telefone. Logo a seguir um homem desfigurado, acidentado da vida do destino ou da estrada, não sei. Não sei se faz diferença. Passei por a mãe com uma menina pequenina pela mao que olhava para tudo e todos. Olhou para mim. Sorri enquanto me desaparecia do olhar que continuava o meu caminho. Penso na estranheza que estranhei em todos os olhares graúdos que me retribuíram, percebo que todos olhámos com o mesmo olhar, a mesma estranheza apressada. Todos nos estranhámos por nos acharmos diferentes dos que são estranhos. Oiço um olá por trás destes pensamentos. O café já chegou. A estranheza foi-se. O olhar ficou.

Bom Dia.

14 janeiro 2015

...finalmente um bocadinho de sossego.
Hoje o dia correu, e ainda bem, e também correu bem, porque quando o dia corre o tempo não se sente, e então não se sente nada. Não se pensa em nada que possa parar o tempo, não se pode parar o que nem sentimos existir. E o que sentimos, tantas vezes não sabemos parar.
Agora faço-me ao caminho e é como ir descendo devagar aos andares subterrâneos de mim. A noite ajuda, a música embala-me. O que me lembra do que vinha a pensar de manhã no caminho inverso: apetrechei-me de música que não me tocasse as cordas da alma, encontrei um cd que, apesar de me ter sido oferecido há muito tempo, ainda não o tinha ouvido. Fui deixando-o ficar porque foi-me dado, foi copiado para mim, mas não foi feito para mim, para falar comigo. Foi copiado de outro, de um amigo que não conheço, que tinha bom gosto na música. E tinha; gosto do cd, duma faixa única, seguida, misturada. Gosto também porque são músicas sem memórias, não arrastam consigo os beijos, as conversas, os silêncios gozados num colo doce, as gargalhadas, os "adoro-a" a meio das conversas quando nada o previa, os "olá" que faziam reboot às conversas... estas músicas não trazem nada disso. Ouvi-as pela primeira vez há pouco tempo. Foi copiado para mim, foi-me dado, mas não foi feito para mim como outros, que - esses sim - logo minuciosamente ouvia tentando perceber nas entrelinhas algum significado que me fosse destinado, como tinham todos os que fiz para dar. Para lhe dar. E sei que percebia as entrelinhas quando lhe ouvi que tudo o que eu fazia tinha uma mensagem, desde as músicas à ordem por que estavam gravadas, e percebeu, percebeu-me. Soube-me por dentro do que eu nem sabia que tinha, mas descobri ao descobri-lo, e dei. Tudo. E quando ouvi esta frase não consegui deixar de sorrir por dentro, por me topar, pelo conforto que dá ser percebida e gostar, e gostarem. De não ter medo, e querer, que me vejam como sou, e ver que é assim que me vêem.  
Dos CDs que eram feitos para mim gostava da música, das músicas, mas o que eu adorava, o que me prendia nos sítios a que os ouvidos não chegam, era que tivessem sido feitos a pensar em mim; cada música escolhida, cada ritmo, cada letra. Em mim, para mim. Não uma composição copiada, não a cópia integral de algum cd, que também os tive assim. Alguns para me mostrar que eu tinha o exacto ritmo dos Portishead (que não conseguia ouvir sem se lembrar de mim, que aquilo era eu: a languidez, dizia); a alma dos Tindersticks (a nostalgia, a melancolia, que me era feita à medida); ou sonoridades que combinavam comigo, como os XX (que uma das vezes não aceitei, e só não o mandei à merda na altura porque não calhou; deixou-mo depois, em minha casa na sala, sem eu dar por isso; encontrei-o dias depois, e lembro-me disto e sorrio e acho-me estranha, como se tivesse sido ontem e já foi há anos, dois?, três? mais?.. não sei...); depois algumas letras de músicas que hoje são das minhas preferidas e de que agora fujo muitas vezes. Fujo para não me arrastarem para estas memórias que agora aqui me escorrem pelos dedos...
 Gostei muito, tanto, dessas prendas surpresa, sem data, sem altura, sem dia próprio, mas próprio de qualquer dia de quem gosta e quer dizer que se gosta, e que me faziam o dia, a semana, e se prolongavam e repetiam de cada vez que os ouvi. Eram feitos para mim, a pensar em mim, à minha medida, num nós em que me sentia realmente eu. E era, e as músicas que me escolheram provavam que me viam como sou, como eu sinto. Com aquelas bandas sonoras ou sem elas. 
(e andei a escapar o dia todo de coisas como estas e agora de pensar num cd o que me sai, senhores, não há esperança, a estupidez está demasiado entranhada...)

Bom Dia

13 janeiro 2015


...assim é que eu estava bem. 
Na caminha a arejar as orelhas e as pálpebras...

Bom Dia

É uma maneira de (tentar) ver as coisas.

Boa Noite

12 janeiro 2015

... Exactamente....(entre outras coisas...)
Hoje apetece-me sofá e manta e um chocolate quente... 
Não inclui tratar da loiça...ainda se fosse a quatro mãos (de mãos certas, claro)...
Bom, se fosse nada, era a mesma coisa...
... Bom a mesma coisa não era, a não ser para a loiça...
... Que se .........
(foto de Tazio Secchiaroli)
"Existiram sempre em mim pelo menos duas mulheres, uma desesperada e desnorteada, que se sentia a naufragar, e outra que queria apenas trazer beleza, graciosidade e vida às pessoas, e que estava pronta a entrar em cena como no teatro, pronta a ocultar as suas verdadeiras emoções, porque elas eram fraqueza, desamparo, desespero, e apresentar ao mundo apenas um sorriso…”

 Anaïs Nin

Apanhado aqui.

[Não, nunca fui assim, não sou duas mulheres, sou uma; ainda que essa uma tenha muitas mulheres diferentes, que sou eu sempre. E sou sempre a mesma. Nem todos as conhecerão a todas, ou a mim quase inteira, nem têm de conhecer, nem merecem conhecer. Talvez por isso possa parecer mulheres diferentes em ocasiões distintas, mas sou uma só. Os comportamentos são respostas às situações e às pessoas, não me ferem a consistência, nem me baralham a existência. Poucas pessoas tiveram acesso ao meu eu completo, ou quase. Acesso ao processador dos comportamentos que geram diferentes perspectivas da mesma mulher. Ao que se chama conhecer por dentro, conhecer os processos mentais e emocionais que nos caracterizam e nos dão as respostas às medidas das situações. Claro que sempre faltará uma parte, há sempre coisas só nossas, ainda que não as escondamos. Mas as pessoas de quem gosto não chegam a conhecer a minha frieza e vontade de distância, não porque queira esconder essa faceta minha, mas porque eles não ma suscitam (e quando a vêem em relação a outros, às vezes, não conseguem esconder a surpresa, o que eu acho alguma piada ao mesmo tempo que me traz a insegurança de não saber até que ponto ficam baralhadas...). Os outros, de quem não gosto, não se baralham, sabem que não me entraram nas simpatias e não disfarço, não tenho porque disfarçar, nem quando gosto, nem quando não gosto. Sou o que sou, gosto de quem gosto, não gosto de quem não gosto.
Isto tudo veio-me à cabeça com este texto, porque no outro dia alguém me dizia, entre interrogação e afirmação: "tu até pareces bem, mas estás mesmo?" e eu respondi, não, na verdade não estou nada bem. Mas eu percebi a pergunta porque já tinha dado por mim a questionar-me sobre que ideia daria eu nos dias que correm. Eu sou tão transparente que quando estou neura, ou chateada, ou irritada, olha-se para mim e vê-se, não há que enganar. Eu não ando assim, nada me chateou, nada aconteceu que me irritasse, nada suscitou uma reacção dessas que me ficam estampadas na expressão, no olhar, não sei onde, mas ficam, e vêem-se. Não, o que eu trago é só uma tristeza subterrânea, uma coisa que a superficialidade dos dias não alcança e que até protege. Uma superficialidade que chego a agradecer como se agradece a sombra num dia tórrido e asfixiante. Posso até rir, posso até fazer rir, posso atirar-me a qualquer coisa com vontade e às vezes pode até parecer ganas, mas não, é só a mecânica dos dias a trabalhar, e eu a fazê-la trabalhar para mim. Assim, a parecer estar bem e efectivamente a não estar mal - a ser o dia-a-dia.
Quando os dias páram, mais ou menos a esta hora, a maré subterrânea começa a subir e a submergir a superficialidade dos dias. É quando surgem todas as perguntas, as mesmas e diferentes; arranja-se sempre mais uma, mais uma estupefacção, ou mais uma estupidez para adoração. Arranjei um saco onde despejo estas coisas da alma, fechado, hermético, mas que às vezes pontapeia por dentro, durante o dia, desavisadamente, a um qualquer sinal que nos submerge num instante para nos roubar um  momento que já tivemos, já vivemos, e já perdemos. É uma gravidez sem termo que há anos se nos mexe por dentro, cada vez mais dentro, cada vez mais longa. Fora esses pontapés que nos roubam o que lhes demos, a alma cala-se durante os dias que me fazem mexer sem sair do lugar, para quando abre a noite me fazer parar e o desassossego espernear na alma. O saco abre-se, respira e asfixia-me. Mas agora, aqui, sozinha, ninguém vê e ninguém sabe se estou bem, se estou mal, ou se nem me sinto. Ninguém me sabe, eu sinto.]
... experiência fornecemos, no problem.
Só é pedida vocação... e muita vontade!!
eheheheh

Bom Dia!



A memória será uma mentira? 
A memória é apenas a nossa verdade da realidade, que pode não ser verdade.
Agora nada parece verdade. 
A memória arquiva-nos a vida que já não é vida; alguma vez terá sido? Assim? No entanto, a memória é o que sabemos, o que aprendemos, o que guardámos, o que somos, quem somos.
A memória arranja-se desarranjando-nos. Engana-se enganando-nos. Mente-nos repetindo-nos a nossa verdade. Mas uma verdade só nossa não será mentira?
Todos me avisaram do engano, eu achava-os enganados. 
Agora nada parece verdade, devia ser verdade. O engano. A mentira.

Boa Noite

11 janeiro 2015


(...)
And summoned now to deal
With your invincible defeat,
You live your life as if it’s real,
A Thousand Kisses Deep.
(...)

[De tanto gritar por dentro emudeci a voz pelo avesso; tal o barulho ensurdecedor dos ossos que estalam, da dor que cerra os dentes e não chora, do desespero que incha e não rebenta, que sinto tanto as costuras, que sinto-as mais que a mim, mais que tudo, e todo o alguém que me chega sem chegar perto. Sinto-as tanto, que as sinto à beira de não se sentir mais. De não me costurarem mais, de mais não me manterem junta, já que inteira há tanto que não sou. Há tanto tempo em queda no precipício, a olhá-lo nos olhos de olhos abertos, a vê-lo e ele a ver-me, que não sabemos mais o que fazer um com o outro. Um ao outro. Mas eu continuo a cair, e ele, qual dueto, a afundar-se mais. Como os beijos que trago dentro por abrir. Nenhum de nós acaba. ]

10 janeiro 2015




A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Manoel de Barros

[...eu também.]
Bom Dia

09 janeiro 2015

[Foto de Rune Hartvigsen]

Às vezes as palavras desaparecem-me, perdem-se de mim, ou eu perco-me a caminho delas. 
Às vezes o tempo de repente pára, e eu apercebo-me porque percebo que deixo de respirar, ou melhor, percebo que é preciso respirar. Percebo que há coisas inatas que às vezes têm de ser pensadas, como respirar.
Às vezes as palavras desaparecem-me quando o tempo pára, e eu percebo que parar essa inércia do tempo, que me leva na corrente dos dias, sem um dia que se preze de ser "um dia, aquele dia, aquele sorriso, aquele momento", me faz cair em queda livre para dentro de mim. Faz-me mergulhar no buraco negro em que os dias que correm parados me fizeram. E posso mergulhar sem perigo de me despedaçar de encontro ao chão, nem tanto por nada restar para despedaçar, mas porque ainda não o encontrei. Ou sequer avistei.
Às vezes dou por mim numa tristeza imensa em que me podia afogar, e nessas alturas aprendi a assobiar baixinho para o lado: trocar a tristeza por trabalho, por coisas que me arranjo para respirar sem perceber, livros que me entretêm as letras que me fogem, ou de que quero escapar, quem sabe? Agarro-me, com a réstia de unhas que tenho na espinha, ao que quero de mim, para não me deixar ser o que não sou, nem quero ser. Nunca. Ainda menos agora. Não quero raiva, não quero ódio. Ainda que me acenem cada vez mais a cada anoitecer, a cada amanhecer que fica prometido sem nunca se cumprir um novo dia: um dia, aquele dia, aquele sorriso, o momento em que o dia amanhece, seja qual for a hora. Aquele momento que faz os dias não precisarem de calendário para serem lembrados. Nesse calendário onde havia dias em que eu ainda sentia. Agora não sinto nada, e as palavras fogem-me talvez por isso. Desapareci das palavras e do tempo. Desapareci. Desapareci-me. E não me sinto a falta. Nem eu, nem ninguém. 
Às vezes não tenho saudades, não por ter tudo, mas por perceber que não tive nada do tudo a que me dei. Só tive o que dei, nada mais. E disso não tenho saudades, porque é meu, trago-o vestido por dentro da pele que me veste, mesmo quando o tempo pára e me leva as palavras que não quero que me falem de saudades. 
Às vezes as coisas têm de ser esquecidas, como ter aprendido que amar é inato e que respirar é preciso. Às vezes.

08 janeiro 2015

07 janeiro 2015

"Vamos repetir o estribilho de que a realidade ultrapassa a ficção e, uma vez mais, mencionar as enxaquecas de que sofre o comum dos escritores em busca de enredo que lhe permita escrever o sonhadobestseller e escapar de vez ao martírio de uma inspiração que demora, e as mais vezes nunca chega.
O dia-a-dia, esse não sofre de writer's block, enredos e peripécias tem de sobra. Conte-se então o caso verídico e, pelo que sei, neste momento ainda sem desenlace.
Pai, mãe, duas raparigas ainda nos vinte, boa gente, vivendo nas alturas confortáveis em que os problemas de dinheiro se limitam ao aborrecimento muito relativo das flutuações da Bolsa, já que a base iguala a solidez das pirâmides do Egipto.
O combinado era passarem o Natal no apartamento que têm em Paris, pelo que a mãe e a filha mais nova saíram de Amsterdam na semana anterior. A má sorte fez a sua entrada quando já tinham passado Arras e, sem explicação plausível, o carro se despistou matando a mãe.
A filha escapou com ligeiros ferimentos, mas facilmente se imagina o ambiente em que passaram o Natal.
A 26 de Dezembro a má sorte voltou. A filha mais velha recebeu o resultado do diagnóstico que aguardava: no ponto em que se encontra a doença que lhe constataram terá de ser submetida a uma transplantação de células-tronco. O doador mais indicado é o pai.
Só ele, pobre e desesperado amigo, sabe que dentro em breve, imparável, a má sorte de novo lhes vai bater à porta quando se negar a ser o doador de que a filha precisa, e tiver então de confessar que nenhuma delas lhe pertence, ambas geradas por alguém que desconhece e com quem a mãe o enganou.

O enterro está marcado para de amanhã a oito."



[Às vezes, e tantas ao final do dia, o dia parece acabar connosco mais do que com a luz que o sol leva. Nesses dias parece-nos a vida uma injustiça cega e estúpida (e hoje tanto...). Faz-se tempo não se sabe para quê, porque fazer tempo faz o tempo crescer quando queremos que ele passe sem querer, e nos entretantos da nostalgia, lemos isto seguido às notícias do dia. Concluímos, com amargo de coração, que injustos somos nós e que cego é quem não percebe que há tanto para ver na escuridão do dia que passou. Na dor que ainda não se sentiu. Mas parece que só se sente a dor, e nunca se sente que não dói, como se o contrário do avesso não existisse. Mas existe, ainda que nem sempre seja o direito.]
Era como se a cada passo eu me rasgasse um pouco,
porque a minha pele, tinha ficado presa
naquela mulher

Chico Buarque

[... e os passos já foram tantos... a pele é já tão pouca. 
Os passos por caminhar tão longe, e apertada a pele, rasgada tão perto. Apertada por dentro, por não a apertarem por fora, com a força do querer, as mãos que de longe se sentem perto. E a distância tem todo o comprimento dum rasgo.]
...para que não se nos escape a alma!!
pois!

Bom Dia!


Fecho a luz e espero que os olhos me fechem a mim. 

Boa noite

06 janeiro 2015

Porque é que a lua é tão redonda? se o redondo não pica,  mas o luar brilhante espeta-se assombrado num coração aluado?
Humm?
Corre-se tantas vezes debaixo da lua sem o luar cair em nós... Outras vezes o luar tropeça-nos no andar e a lua engole-nos o caminho.
Como agora.

“Ponho-me, às vezes, a olhar para o espelho e a examinar-me, feição por feição: os olhos, a boca, o modelado da fronte, a curva das pálpebras, a linha da face… E esta amálgama grosseira e feia, grotesca e miserável, saberia fazer versos? Ah, não! Existe outra coisa… mas o quê? Afinal, para que pensar? Viver é não saber que se vive. Procurar o sentido da vida, sem mesmo saber se algum sentido tem, é tarefa de poetas e de neurasténicos. Só uma visão de conjunto pode aproximar-se da verdade. Examinar em detalhe é criar novos detalhes. Por debaixo da cor está o desenho firme e só se encontra o que se não procura. Porque me não esqueço eu de viver… para viver?”

Florbela Espanca

[ quantas vezes já não pensei quase exactamente isto?
com palavras quase exactamente parecidas.
Só não sei exactamente porquê... mas as palavras de Florbela sempre me pareceram raízes minhas. palavras dela que seriam minhas antes de o ser, por serem dela mas falarem de mim. ]
Que alguma coisa nos faça rir, porr@!!
Egeheheh
Bom dia!

“Irreconhecível

Me procuro lenta

Nos teus escuros.

Como te chamas, breu?

Tempo.”

Hilda Hilst 

[O tempo vive no passado, só coube tempo no que foi, no que sabemos ter sido. Amanhã não sabemos se há tempo para caber o que ainda não foi. Para a frente a escuridão come-nos o olhar. O depois não se sabe, não se vê, não se adivinha. O futuro não é uma tela em branco, é uma tela em negro. Ausência de luz, ausência de cor. Para se ver branco tem de haver luz, tem de se ver - a escuridão é não ver, não saber. E só sabemos do tempo que foi nosso. Do que foi, do que fomos, do quanto fomos o que somos - do que agora sabemos poder ser. 
Amanhã é escuridão, a única luz é a memória. A memória somos nós. Escureçam-me esta luz, apaguem-na, para eu não saber do tempo em que, inteira, me perdi do medo do escuro. 
Só depois da luz se teme a escuridão.]

05 janeiro 2015

eheheheh
...'tá certo.

Bom Dia!




"O meu olhar te descobre mesmo quando esconde e se refugia nos teus pensamentos.
É quando eu mais te descubro.
Não haverá em ti lugar em que eu não habite.
Trilho pelas tuas pegadas e é em teu interior minha morada."

Mariana Gouveia

[ Sem abrigo, sem morada, sem lugar. Não há refúgio onde escapar do que escapou. Esconder-me do que podia ser. Descobrir o que o meu olhar descobriu. Trilho-me caminhos onde o meu olhar já não se descobre, velado pelos véus apunhalados duma alma que nunca se cobriu. E nunca ninguém viu. E eu habito desabitada.]

Boa Noite

04 janeiro 2015



«A nossa Vida só faz sentido quando temos a capacidade e a liberdade de fazer o que queremos. 
De tomar decisões movidas pela nossa sincera vontade».
António Lobo Antunes

[é verdade que não sei fazer ou viver doutra maneira, tomo as decisões de acordo com a minha vontade, que é o resultado do que sou, do que quero, do que acredito. Cada decisão é um pouco de nós, revela-nos e aos nossos mecanismos de ponderação, do que valorizamos mais e do que não admitimos, filtrado pelos nossos princípios, de acordo com os nossos fins. Agora dizer que assim a vida faz sentido é um exagero. Hoje em dia, para mim, só se for mesmo o sentido contrário.]

Bom dia

03 janeiro 2015


"Não consigo, nunca vou conseguir. A não ser que tenha amnésia, que consiga não me lembrar. Doutra maneira é impossível". 
Afinal não há mesmo impossíveis, mas pelos vistos há amnésias sob medida, e esquecer é apenas não se lembrar que se esqueceu. Ou que sequer havia alguma coisa para esquecer. Não havia nada, nunca houve... Só para mim não há medida de amnésia possível. Nunca houve. Mas não há impossíveis, ao que parece. Pode ser que um dia me toque também a mim. Eu que sempre disse que quando se quer não há impossíveis, lá me deram razão. Outra vez. 
 (foto @s_fantine)
.... Rooooonhaaaaaa... 
Seria assim se alguém me despisse o frio, de dentro para fora.
Nos entretantos, um café com sol, para aquecer de fora para dentro, 
com pessoas que gostamos, terá de servir. E serve.

Bom dia!

02 janeiro 2015


"O tempo de sedução terminou. Terás de me tocar, terás de trocar o tacto dos olhos pelo tacto dos dedos. Apenas persistirá o jogo, a cumplicidade, e uma ténue vibração do corpo que se perdeu contra o meu corpo."

Al Berto

[A sedução nunca termina, não pode terminar. Apenas se altera, amadurece, aperfeiçoa-se, talvez. Torna-se cada vez mais cúmplice, cada vez mais intima, cada vez mais nossa. Com códigos próprios, onde as palavras cada vez dizem menos, e as que se usam não dizem o que se ouve, ou ouve-se o que não dizem. Significados nossos, próprios, quase neologismos feitos à nossa medida, fruto que o mundo fechado de duas pessoas faz nascer. Duas pessoas que fazem um mundo. Ninguém percebe, ninguém entra, e quem o fez apenas sente, sente-se no seu lugar, inteiro, e sem medo. Sente muito, tanto. não, a sedução não termina, como não termina a vontade do outro, e de retornar sempre e tanto a esse mundo em que a morada é o colo do outro, o olhar que se troca, o beijo em que se entregam, os sonhos que partilham e a realidade que dividem, entre risos, brincadeiras, dores e lágrimas. Onde cabe tudo, onde há espaço para tudo para caberem inteiros e transparentes, onde o sentido da vida cabe no enlaçar das mãos, que se encaixam sem se dar por isso. Quase inconsciente, quase magnético, totalmente desejado. Onde não precisa de explicação o abraço que se abraça sem estender os braços, o beijo que se beija num olhar que tem boca, para perto aquecer quem o sente. Os beijos - a língua mais quente e rica para falar de amor com amor. Mesmo em silêncio, tantas vezes sem boca. Antídoto do frio e do desespero. Aquieta e inquieta, baralha e clarifica, recebe-se pleno só se se der inteiro. ]

Ohhh pahh ....
Ohhh pahhh... a minha alma está parva.... não é que o Senhor Pipoco pôs aqui a morada do Tasco ali naquela listinha que aparece do lado direito de quem lhe lê a fineza irónica, ou a ironia fina, vá-se lá saber... mas que é bom, é. 
E isso não se discute.
Isto é que é começar o ano com surpresas...
Isto promete... eheheh
Bom Dia
... coisa mais boa, quando os corpos conversam durante o sono, 
se abandonam e se procuram,
 até quando não sabendo deles mesmos se reconhecem na entrega.

Boa Noite

01 janeiro 2015

... E é isto.
Agora temos todo um ano para exercitar o vice-versa,
 ou na loucura das loucuras, o oposto disto.
Que era o desejável, pois claro.
Entretanto o primeiro pequeno almoço do ano foi tomado na varanda (com um sol insuspeitado pelas temperaturas polares que ontem à noite me eriçaram a pele e regelaram o nariz), sem nenhuma pompa e toda a circunstância que envolveu pijama, roupão e meias... 

E um café com sabor a canela e o cigarro da praxe.
2015... Acho que temos umas contas para acertar... Take your best shot!
(Se tiver tanta pontaria como o meu cupido estou safa...)

Bom Dia.

31 dezembro 2014

Pois sim....
... Só não sei se isso é indiscutivelmente uma coisa boa. 
... Para mim.
Para vocês, um óptimo ano de 2015!!
Com muita saúde, sorte e rodeados de quem gostam!
Até p'ro ano, então!
Divirtam-se.

... E tanta gente sem-abrigo... 
Sem saber onde pára o coração. 
Alguns nem o sentem.
 E há coisas que só existem se se sentirem. 
Como o coração. Como o lar.

Boa Noite