Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

18 junho 2015

Final de dia, a luz a lamber o horizonte devagar, a deixar-se ir, 
quente e lânguida, pela escuridão da noite que a abraçará. 
Uma mesa de café, uma brisa que refresca, uma companhia que arrepia a espinha e o sorriso malandro. É disso que ainda sinto falta, dessa sintonia, do rir no mesmo tom, do tocar nas mesmas cores, do olhar com o mesmo querer, de ler a mesma música sem haver pauta. Ou parecer. 
O que me faz falta, também, é a pele, como que me esqueço que me veste, esqueço-me que existe, 
não se arrepia a não ser de frio, não aquece a não ser por fora. 
Preciso de alguém que volte a fazer-me sentir,
 voltar a vestir a alma na minha pele, anda há demasiado tempo nua e perdida. 
A alma precisa de pele e a pele precisa sentir a alma. 
Ainda não sei dividir-me e ainda me falto inteira. 
E faltam-me fins de tarde assim. 
E começos de dia. 
E noites.
Inteiras.
Inteiros.

Bom Dia

17 junho 2015

Que maravilha de noite. Só falta a lua comparecer, aqui onde estou sentada não a consigo ver, mas sei que anda por aí a passear no céu. Também me apetecia passear, andar sem destino traçado com a certeza de chegar onde me quero.

"Há uma desproporção enorme entre a minha urgência e a lentidão de tudo."

Vergílio Ferreira

...assim como, tantas vezes, entre a minha lentidão e a urgência do mundo.
Estou sempre fora de tempo, e o tempo fora de mim.
Longe do perto, perto do longe.
Tantas - tantas! - vezes com pressa da lentidão que nos acalma.
A urgência de nada ser urgente,
de tudo poder ser saboreado ao sabor dos nossos lábios, 
da nossa boca, do nosso silêncio falado, 
dum sorriso lento que se arrasta pela noite,
 e mergulha, urgente, no dia por nascer.
... e pronto, é isto.
Eu podia dizer que sim, mas não digo; até podes dizer que fazes o documento assim há anos, não me interessa, o que me interessa é que isso não quer dizer que não pode ser melhorado, como te disse. Tu riste-te, porque deves ter percebido na pele aquilo que no outro dia dizias, que sou meia destravada, que digo o que penso e me apetece, assim, a seco e raramente com cerimónia. Perguntaste-me em jeito de brincadeira se estava a ralhar contigo, e se aquilo era o meu afamado mau feitio... achei estranho não se ter percebido logo que te estava, sim, "a puxar as orelhas", e que não apreciei o argumento da autonomia profissional, porque essa autonomia pode mexer com uma autonomia financeira que é responsabilidade minha... deves pensar que lá porque no outro dia me deixaste sem jeito por dizer que era bom ver-me rir porque a minha gargalhada é pura e espontânea, isso me faz não dizer o que tenho de dizer quando tenho de o dizer... hum... não funciona, nem penses... homessa!! Já a parte de gostares das discussões com "arte" argumentativa, essa parte já gostei de ouvir. Mas é bom que te habitues que aqui Amén não é o que se costuma dizer no fim de ouvir alguém falar.
Pronto era só isto.
Descarregar um bocadinho o mau feitio. 
Estava a precisar.

Bom Dia.

... Muitas até. 
Demais mesmo.

Boa Noite

16 junho 2015





"aqui, não há ninguém, nem sequer eu estou cá, nestas ruínas de saudades. Quem assiste de fora, vê tudo à beira mar e as ondas levarem para longe tudo o que foi meu, tudo o que fui eu. Aqui, já não sou nada, nem sequer o vazio absurdo em que me quis, nem a estrada que me leva para o fim..."

Daniel Camacho
(da sua página de facebook)

Leio isto e, mesmo que não queira, lembro-me :"já nada à minha volta faz sentido" ou "tudo à minha volta já pouco me interessa... acordo, vivo, adormeço diariamente consigo"...  como se dizer isto, e repeti-lo das mais variadas formas, fizesse algum sentido, ou, se fosse sequer sentido, de tantas vezes já mo terem dito, já um qualquer sentido se teria composto. Provavelmente foi o que aconteceu. Talvez agora já tudo o resto seja o que realmente interessa, talvez já tudo faça sentido... até o na altura nada ter sido sentido verdadeiramente como falta de sentido. Não sei, se calhar o problema foi sempre ter sido consentido ser dito e repetido, para ser apenas isso:dito e repetido. O problema se calhar foi meu, que sempre soube o sentido que tinha tudo o que eu tinha sentido, e dito.
Cheguei, não estava a perceber nada. Falo contigo sempre num pressuposto, nem me passava pela ideia que fosse diferente. Viro-me para a janela, de costas para ti, abres a janela e atiras uma coisa que trazias lá para fora, para se perder no tempo e no espaço. Abraças-me por trás, de alma nua, enches-me o pescoço de beijos, viro-me para ti com cara de parva, incrédula, cheia de perguntas nos olhos, nas palavras que não me saíam, tu riste-te como já não te oiço rir há muito - com a calma da confiança de que não se duvida. Abraças-me mais do que me beijas, em "beijos pequeninos mas fatais", pelo pescoço, ombros, cara, o que te aparecia à frente, e sempre a sorrir dizes "eu gosto muito da pessoa com quem escolhi ficar". E eu acordo. E não sei que raio perceber desta frase... Mas estávamos felizes. Estranho, muito estranho. Agora convém ir tratar da vida que este sonho já está arrumado, escrito e engavetado. Até porque o que sempre me ocorria quando diziam que gostavam muito, é que gostar muito, eu gosto do meu cão...


Boa Noite

15 junho 2015

Li isto e fiquei-me na última frase. Alguém me costumava dizer que eu lhe andava sempre alojada na nuca, que nunca lhe saía da cabeça, que parecia feitiço... E eu agora pergunto-me quanto tempo é que demorará a minha cabeça a vagar esse espaço, esse sítio onde está o que temos sempre presente, por muito que estejamos ausentes com mil e uma distracções...
E intimidade não penso que seja dar atenção quando dez outros a estão a pedir, é com um olhar sentimo-nos ligados, haver uma sintonia, como toda a atenção não consegue ligar ou ter... É um tocar diferente, é uma extensão da pele que se sente e conhece por dentro, onde guardamos todos os essenciais que nunca se ausentam de nós. Mesmo que nos queiramos distrair.
eheheheh ... e hoje acordei com isto na cabeça... e pior, a cantarolar por baixo da língua durante a manhã toda... é o que dá andar a recordar coisas muito antigas durante o fim de semana, no meio de risos e brincadeiras na mesa redonda do jantar em família, cada vez mais reduzida, onde já não se ria há tanto tempo... 
Acho que hoje de manhã percebi que apesar de cansativo, ainda assim, o fim de semana foi bom.
Se calhar o que nos deixa verdadeiramente cansados é a tristeza, por isso... 
MAHNA MAHNA... tu ru ru tu... 
...e o que não se sabe vai-se inventando.

Bom Dia




Verdade. Uma pessoa pensa que quer alguém que a queira, que a cuide, que faça por a saber e conhecer - alguém que a veja realmente para que possa abrir os olhos, acordar. E quer para que possa sonhar que ainda lhe podem abrir os olhos, para não ver que já os tem abertos há muito tempo, que o difícil mesmo é fechá-los.
Tramado é perceber que queremos alguém que nos queira mas que o que precisamos é de querer alguém... E que isso é dificílimo.

14 junho 2015


... Nunca consigo cumprir o calendário!!... Irra, nem este!! 
( e este não me importava... Bahhh)

13 junho 2015

...Há bocado descobri: o meu sonho, agora, acho que é mesmo esbarrar por aí com alguém que seja parceiro de ronha. Alguém que goste da languidez da manhã, que estique o tempo e a preguiça, que demore no mimo e no toque. Alguém que num dia de sol radiante não salte da cama a dizer que quer ir fazer isto e aquilo para aproveitar o sol... o que eu até poderei gostar, se em vez de ser para aproveitar o sol, for só para mudar a ronha e o mimo de cenário; de resto quero descansar devagar o olhar num olhar que queira só ficar assim - junto, colado, melado, com sol ou chuva, não interessa; interessa é aproveitar o tempo (não o clima), com quem saiba amanhecer ao nosso lado. 

Bom dia


Para a doença masculina do autodesprezo 
o remédio mais seguro é ser amado por uma mulher inteligente.

Friedrich Wilhelm Nietzsche

Diria que tanto para a doença masculina, como para a feminina - autodesprezo, inseguranças várias, medos paralizantes, tudo o que nos diminui. E sim, amado, só sendo amado, caso contrário o remédio poderá ter como efeito secundário, o conhecimento da doença ser usado, até manipulado, e criar uma relação podre de poder. Quando há amor, não há relações de poder, nem manipulação, há entrega, há partilha, há respeito, há usar tudo o que se sabe, e pode, para ajudar quem se ama - para tentar diminuir o que o diminui. 
Estou precisada - muito - deste remédio. Sem efeitos secundários, por favor.

Boa Noite

12 junho 2015

Tantas, tantas vezes!...
Deve ser coisa de ursa, mesmo.
... E de sentidos de humor que combinam.

Bom Dia
Estou aqui sentada do lado de dentro da janela, a olhar para o lado de fora a tentar ver o que trago dentro. O último cigarro do dia, o silêncio que fala alto, a luz que apagámos para ver melhor a luz que se esconde. Abro a janela com vontade de frio, de sentir a pele reagir à temperatura, a qualquer coisa, qualquer coisa que a acorde, ou que adormeça a dormência. Tenho de me mudar o avesso, pô-lo direito, ou torto, ou dá-lo à brisa para que mo leve, para que me deixe limpa como cada manhã que ainda não sinto amanhecer. Amanhã queria acordar outra, outra de mim, que me lembro ser, que serei ainda, depois de virar o avesso do avesso. Queria que amanhã o dia me amanhecesse; anoiteço-me há tempo demais, mas falto-me ainda, talvez, de noite cerrada.
Quero (voltar) a mastigar o sol com a pele e deixá-lo mordiscar-me a alma a rir.

Boa Noite
"Não posso lamentar a perda de um amor ou de uma amizade 
sem meditar que só se perde aquilo que não se teve realmente."

Jorge Luis Borges

[não se pode perder o que é verdadeiramente nosso,
 parte de nós.]

10 junho 2015


"O toque da mulher que se Ama é um sopro num balão, sendo que o balão somos nós, os tocados. Ficamos cheios de qualquer coisa que não sabemos muito bem o que é, mas que nos torna mais leves, às vezes com capacidade de esvoaçar.
Entre dois toques vamos esvaziando rumo ao estado murcho que nos torna intocados tristes. As mulheres sabem, mas fingem não saber, que os homens são assim. Jogam com eles o jogo do toque como se joga com um brinquedo qualquer.
Uma mão dada enche-nos o suficiente para alguns minutos, um beijo para algumas horas e o sexo todo para alguns dias. É o sexo todo que almejamos quando nos dão a mão, como um balão que precisa de vários sopros seguidos, cada vez mais fortes.
Estes sopros estão para nós como a respiração boca-a-boca para alguém que está quase a morrer. Salvem-nos a vida, por favor. A morrer, que seja por rebentar e não por ficar murcho.
Nenhuma mulher devia dizer adeus ao homem que a Ama sem lhe dar um abraço também; nenhuma mulher devia despachar o homem que a Ama com um "vai-te, vai-te que eu estou com pressa", sem um beijo na boca em que o tempo não conte; nenhuma mulher devia virar costas a um homem sem um "apalpanço" no rabo ou uma língua húmida na face. 

O toque da mulher que se Ama é o princípio da vida. O contrário é a morte."


["o contrário é a morte." - o contrário será a mulher que se ama não tocar, ou ser tocado por uma que não se ama??... fiquei com esta dúvida. De o toque ser o principio de vida, diziam-me que sim, qualquer coisa do género, de que bastava um dedo, um toque, o sentir a pele, como algo indescritível - talvez por isso nunca tenha conseguido perceber o que realmente era, o que seria esse toque. Obviamente não era o da mulher amada, ou a sua falta seria a morte, ou outros toques, seriam a morte. E vive, ainda, e muito bem.

E é bom saber isso, eu saber isso.]

04 junho 2015


... Ela aproximou-se dele, meio distraída, para lhe entregar o que ele tinha pedido, num gesto da rotina dos dias, ele agarrou no que não precisava pedir. Como o primeiro beijo que lhe roubou, não pediu e ainda bem, porque ela ainda não sabia que (e quanto) o queria. Não é possível pedir a alguém que se entregue, nem a alguém que agarre sem pedir e com vontade. Há coisas que não se pedem, ou se querem mutuamente, na espontaneidade do momento, ou não é pedir que as faz existir.  Por isso ela gostou que ele não pedisse, que nunca pedisse, e que tivesse agarrado o que queria, porque sentia-se que queria - que a queria, a ela, ali, naquele instante -, naquela altura em que lhe entregava o que tinha pedido, e sempre. E ela entregava-se sempre, e a cada vez, sabendo que tudo estava dito e tudo ficaria por dizer. Até à próxima vez.
Da última, a sobremesa ficou mesmo para o fim, pelo menos a do prato. Doutra o jantar ficou frio, outra ia queimando.
Ninguém reclamou. 

Boa Noite

03 junho 2015


Ahahahah 
... Pois!! É outra maneira de dizer a coisa!!
Com esta espero que o dia comece muito melhor que ontem...

Bom Dia!!

Só dentro dos teus braços me coube inteira, 
corpo de ponta a ponta, alma por todos os poros.
Eu, e todos os meus recantos,
dentro de mim,
dentro de ti.

Boa Noite

02 junho 2015

"O inteiro mecanismo dos meus sentimentos deteve-se há vinte anos, quando Isabel morreu. Primeiro, foi dor, depois, indiferença, mais tarde, liberdade e, ultimamente, tédio. Longo, deserto, invariável tédio. Oh, durante todas estas etapas, o sexo continuou activo. Mas a minha técnica foi picotar. (...) Nunca duas vezes com a mesma. Uma especie de resistência inconsciente ao compromisso, a circunscrever o futuro a uma relação normal, de base permanente. Porquê tudo isto? (...) A minha liberdade? É possivel. A minha liberdade é outro nome para a minha inércia. Deitar-me hoje com uma, amanhã com outra. Bom, é uma forma de dizer; chega uma vez por semana. O que a natureza pede e nada mais. É igual a comer, é igual a tomar banho, é igual a defecar. Com Isabel era diferente, porque havia uma espécie de comunhão e quando fazíamos amor parecia que a cada duro osso meu correspondia um brando côncavo dela, que cada impulso meu encontrava matematicamente o seu eco receptor."

Mario Benedetti, in ATrégua

[Há muitos tipos de morte, há quem nos morra e viva ainda, e há quem não nos morra tendo desaparecido do mundo. Mas quando nos morre alguém, vivendo ainda ou não, passa-se, provavelmente, por todas aquelas etapas. Mas a vida continua, continuamos (temos de continuar) a cumprir com a obrigação de sobreviver, a cumprir as exigências da natureza para a sobrevivência, até chegarmos ao tédio, à inércia, ao comodismo. Alguns chegam a um ponto em que se perguntarão "Porquê tudo isto?" (mas nem isso chega a todos, parece-me...) e a pergunta toma dimensões avassaladoras quando se confrontam os níveis básicos "do que a natureza pede e nada mais" (neste caso que fala o trecho, como alguém me dizia o "esvaziar os tomates" - uma expressão sempre boa e em voga), com o que está para além disso - com o conhecer a existência de "uma espécie  de comunhão", com o saber possível haver, para cada impulso nosso, alguém onde se encontra invariavelmente "o seu eco receptor". O que faz com que se continue nesta inércia do "picotar" ou da sobrevivência, é que há coisas que não se procuram, ou esbarram connosco sem aviso e as encontramos, ou não as conseguimos encomendar, produzir, disfarçar, fingir... simplesmente não dá! E então fica-se pelo que a natureza pede para que a vida vá correndo, e nada mais. Quando, por algum acaso, encontramos em alguém um eco receptor, que se sente como uma parte de nós fora da nossa pele, a natureza transforma-se, o nosso olhar altera-se, e a vida parece dar-nos uma trégua, um descanso de sobrevivência, mas exige que se rompa a inércia. Senão, não haverá trégua, a paz com a vida não se alcança, porque não será amor. A Trégua é sempre o amor.
O amor é a pergunta e a resposta da vida.]
[foto @inglelandi]

Há dias mais tristes que outros. Hoje o dia nasceu-me triste, muito. Se quisesse explicar porquê não encontro palavras onde estender a tristeza, não a sei dizer. Como em tanta coisa, só a sei sentir... ou não, nem isso sei, só a sinto - do saber, aqui, nada me chega. Vim o caminho, de manhã, a parir lágrimas pelos olhos. Não, não era chorar, aquele chorar inteiro, que soluça, que limpa, que nos verte o peso de dentro - era apenas isso um parir lágrimas. Não,  não eram lágrimas que caíam como cai algo que deixamos escapar das mãos descuidadas, quase sem sentir,  não, era um deixá-las sair a custo, a ferros, em que os olhos parecem querer rebentar, e só quando rebentam, as deixam sair, rolar pela pele, que não estremece, que não soluça, que não treme, a não ser por dentro e sem saber porquê. Sabendo que razões não me faltam: tenho saudades de todas as espécies, faltas de todos os feitios, cansaços de todas as ordens. Também ainda agarro com unhas e dentes o bem que me sabem as pequenas coisas, e as grandes pessoas que ainda me restam, mas há dias mais tristes que outros. Viagens piores que outras, pode ser que a de fim de dia faça nascer uma noite melhor.]

Nem tudo o que em ti vejo me inquieta.
Mas tudo o que em ti beijo me acalma.

Joaquim Pessoa in O poeta enamorado

Boa Noite

01 junho 2015

Escuridão é ausência de luz.
As sombras são fruto da luz.
Os nossos medos habitam-nos as sombras,
Porque ter medo implica arriscar
Só arrisca quem tem a perder.
As sombras conhecem a luz.
Não são escuridão.
Só tem medo do escuro quem conheceu a luz.
Só tem medo da luz quem habituou os olhos à escuridão.

Fiquei a pensar nesta coisa da essência... e lá por alguém ser em essência uma coisa não quer dizer que não possa em determinado momento e por vários motivos ou circunstâncias fazer alguma coisa fora do que lhe é natural. Uma pessoa em essência fraca não está impedida de em certas alturas conseguir ser forte, assim como alguém com força de espírito também fraqueja, também sucumbe. Alguém de mau carácter também pode ter atitudes moralmente decentes, assim como um bom carácter pode perder a cabeça e ser às vezes um estafermo... Tendo a concluir que nada é estanque, definitivo e fixo na vida, muito menos nós; apenas variamos e moldamo-nos em cima do que a nossa essência tem por estrutura, e nos deixa moldar e ceder.... e passar dos carretos também.
Curiosamente a essência é aquilo a que sempre voltamos, porque é o que somos, é a nossa maneira de responder à vida, mas sempre haverá excepções, parece-me, e essas não desfazem quem somos, apenas confirmam por serem (um)a excepção.
Bom, e agora vou-me pirar, que apetece-me uma esplanada e um fiozinho de sol e hoje ainda há tempo... acho eu.
... o pior é que é verdade...
depois de a alma sofrer tantos desvarios e apunhaladas,
é difícil acreditar que mantém a mesma essência, a mesma alma, apenas com mais medo, com mais defesas. Qualquer flor parece um punhal, um espinho gigante à espera da nossa pele para se alojar.
Mas acho que as pessoas de alma grande, (como alguém um dia me chamou lembro-me agora por me sair esta expressão), mesmo com a centrifugação acelerada da vida, das mentiras que nos torcem e distorcem, das dores que nos encolhem, dos medos que nos paralisam, das coisas que nos fazem ferver e gelar, da proximidade a que nos deixamos estar e entregar, oferecendo conscientemente a possibilidade do punhal a quem achamos que nunca nos faria mal - essas almas, acredito que por muito que sofram, e passem, e a vida não lhes corra como gostariam, não conseguem encolher a alma, encarquilhar definitivamente o olhar, tornarem-se rasteiras, baixas e mesquinhas, cruéis ou mentirosas. Não conseguem, e não é que às vezes as ideias não lhes atravessem o pensamento, mas simplesmente, depois, não se sabe porquê, não se consegue passar do pensamento.
A essência é uma coisa que por muito que passe não passa.
Para o bem e para o mal.
O que acontece é que só se vê a diferença quando nos apunhalam, enquanto só nos dão flores nada se demonstra. 
E quando só nos dão facadas há tempo demais, já nem nos lembramos de como era sentir as flores dentro do olhar quente de quem nos queria dar flores, mesmo que não desse.
Já não me lembro, quero recuperar essa memória com verbos no presente. 
Pode demorar tempo, demorará, eu sei, mas um dia.... um dia, quem sabe.

Bom Dia

Sento-me aqui, à janela, a fumar o cigarro que o frio desencorajou de fumar lá fora, e penso nesta minha mania de ir lendo os livros e de os ir marcando quando alguma coisa que leio me marca, me faz parar a leitura para reler e pensar, e entender, essa coisa que é a vida, e que dizem que é o que andamos cá a fazer. Tento perceber como se podem pensar as mesmas coisas de maneiras tão diferentes de mim, às vezes, e outras tão parecidas. Acabei de ler "A Trégua", de Mario Benedetti, no fim‑de‑semana passado numa esplanada à tarde, e estive até agora a transcrever algumas das passagens que fui marcando. E ponho-me também a pensar porque farei isto, por que o faço há tanto tempo?, e uma das razões é que gosto de reler, de vez em quando, esses excertos e assim ficam registados aqui, como tantas outras coisas que gosto de reler. Mas enquanto o faço outra coisa acontece, é que vejo agora alguns sinais, algumas subtilezas do autor, que só depois do livro lido se percebem, e apercebem, plenamente. Como se realmente pequenos pormenores só se entendam com a história completa e revendo o passado. Penso que na vida, se calhar, também será assim, se pudermos ter registo desses pormenores para os rever, os reler, os entender a outra luz, talvez. A luz da vida que passou no tempo. 
Ainda não acabei, faltam algumas passagens, quando estiver completo vou deixando aqui. Agora tenho a cabeça cheia de coisas, tenho de as esfumaçar em silêncio e escuridão - onde as pequenas coisas que valem a pena brilham mais. As que têm luz própria.

Boa noite

31 maio 2015

(foto @ryanmuirhead)

CARPE DIEM

Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio -- nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.

Nuno Júdice

[o incerto amanhã tornou-se, para mim, tão certo como certa é a loucura dessa certeza, para mim tão errada. Ou talvez não, talvez não seja errada, e um dia eu o perceba sem mágoa. Talvez, isso é incerto.]
"gosto de acordar. mas gosto mais de acordar ao teu lado.
engraçado, como se desvaloriza o acordar, sendo no entanto um dos momentos mais sinceros entre duas pessoas. mesmo as que acordam mal. porque é quando se acorda que se é mais puro, mais transparente. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que se é verdadeiramente bonito para quem se gosta. porque é quando se acorda que se dizem as maiores verdades, às vezes mesmo sem falar. especialmente quando não se fala. por exemplo, quando se foge da cama, entre pressas, desculpas e fugas repentinas. ou, pelo contrário, quando apenas se fica lentamente a sentir o outro, ali ao lado, próximo. porque o primeiro abraço, o primeiro olhar, o primeiro beijo, nunca enganam. dizem tudo da união que ali se vive. tão simples.
gosto de acordar. mas gosto mais de saber acordar-te.
porque o saber acordar quem gostamos implica uma intimidade grande. um respeito mútuo no momento mais cru da nossa personalidade. ali, os botões ainda estão meio desligados: o botão da simpatia, o botão da boa disposição, o da vontade, ou de coisas simples, como o botão da capacidade de se deixar tocar. acho mesmo, que a evolução de como se acorda é o verdadeiro avaliador de uma relação. a forma como se encaixa, se molda, se aprende a gerir. uns dias mais carinhosos, outros dias mais práticos. umas manhãs em que se ama, ou outras em que o melhor é mesmo nem falar, apenas dar espaço. mas é esse equilíbrio, essa capacidade de fazer da manhã sempre um momento bom, ou, pelos menos, um momento nosso, que prova muito do quanto se quer. 
gosto de acordar. mas gosto mais de acordar na tua pele.
perfeito, o primeiro toque do dia ser o calor da tua nudez na minha. quase ritual, encosto-me mais perto nas tuas costas, aperto um pouco o abraço, e respiro no teu pescoço. o teu corpo mexe aos poucos, junto ao meu. abres um olho devagar, suspiras, olhas-me por cima do ombro. e sorris, ainda em silêncio. digo-te bom dia de voz baixa, dou um beijo demorado, entre carinho e protecção. e quando estás bem, rodas o corpo em modo câmara lenta, enquanto me empurras para o meu lado da cama. pedes-me o peito e pousas a cabeça - entregue. e ali ficas os poucos minutos até acordarmos de novo. são os nossos minutos mais sinceros. em que se diz tudo, em silêncio. entre cabelos despenteados, preguiça no corpo e pele amassada, é nesse momento que és a mulher mais bonita para mim. tão simples..."

(Momentos daqui)

[acordando assim valeria a pena acordar... Estou farta de acordar e o mundo continuar de olhos fechados, ou eu continuar sem ver nada, nada para que valha a pena abrir os olhos. As noites todas iguais, umas atrás das outras, os dias sempre na mesma. Acordar é, nos últimos tempos - há tempo demais - uma repetição vazia. Às vezes apetece acordar da vida, mas se acordássemos com momentos como estes acordávamos com vida, em vida. Valeria a pena acordar.]

Bom Dia
... Noites lentas que passam rapido, 
Noites que deslizam sobre carris,
Correm depressa em movimentos lentos,
Ritmos perfeitamente encaixados 
Partilhados, não comandados,
Tocam-se, aderem-se, fundem-se
Numa viagem sem destino marcado.
O único destino é saborear a viagem
dos tons, sons, sabores e toque.
Tudo nos agarra e nos leva para longe de tudo, 
para onde a alma foge do mundo e se encontra inteira,
se agarra, se toca e se sente.
Viagem divina, passeio mortal

Boa noite

29 maio 2015

...estou exaustaaaaaa....
Doem-me os olhos, alguém me colou os ombros às orelhas por dentro, ou pelo menos assim parece,
preciso da luz quente do fim de dia a distender-me os ossos e as vontades, escorrer sorrisos como sumo de fruta apetecida e madura.... 
Vou-me, quero pelo menos o caminho entre aqui e o fim de semana, este espaço vazio de tempo, feito em estrada lenta, com música de fundo e olhos por trás dos óculos de sol. Fazer deste tempo um  espaço entre cá e lá, entre o ser e o ter sido, em que estendo sem cerimónias as vontades que não cumpri, nem cumprirei.



Hoje parece que tudo o que não tem preço não tem valor.
Se a hipocrisia fosse felicidade, esta sociedade era de topo!!
... pronto era só isto.
Estava só com vontade que me tirassem daqui, ou que me dessem por companhia e par alguém que entendesse o que digo, que me entendesse .... e já agora que, além de entender, fosse um pouquito mais além...

Bom Dia
Estava aqui a fumar o último cigarro da noite a olhar para a rua que desceste vezes sem conta, a pensar em todas as vezes que aqui sentada pensar nisso me doía, me apertava a existência, o ver-te descer a rua e nunca teres olhado para trás. Sempre que me deixavas não olhavas, sequer, para trás, nunca olhaste. E eu sempre aqui estive para te ver descer esta rua aqui à minha frente. De todas as vezes que fechava a porta atrás de ti, eu ficava cá para te voltar a ver descer a rua. Penso nisto agora, aqui, e já não me dói, não por que não goste de ti, mas porque não te quero mais ver descer a rua depois de fechar a porta. Não quero, e já não dói porque ver-te anos a fio a deixares-me doía muito. Agora não tenho de ir janela para ter a certeza que não olhas para trás, que nunca olhaste. Estou eu embrulhada na manta destes pensamentos e todas as luzes da rua se apagam, e eu, automaticamente, sorrio, porque as luzes apagaram-se para, de repente, a lua se acender mais. Iluminou tudo, a luz da lua na mais profunda escuridão é muito mais bonita e luminosa. Já não me dói não te ver descer a rua, porque não fechei a porta atrás de ti comigo dentro. Nunca olhaste para trás.
...Sim, provavelmente o mais difícil de saber que se sabe, porque se sabe que só se sabe por se sentir isso como se se soubesse de fonte segura e provada. Mas não há prova, e quando não há prova, não há verdade nem mentira, nem facto, há o que se sabe sabendo que não se sabe nada, mas sentimos que sabemos, que, não se podendo provar, é o mesmo. 
Pois... Eu bem disse que era difícil... 
...Mais do que termos sido felizes, mas pronto...

Boa noite

28 maio 2015





O OLVIDO

na outra margem da noite
o amor é possível
— leva-me —
leva-me entre as doces substâncias
que morrem a cada dia na tua memória

Alejandra Pizarnik 
(Tradução de Diogo Vaz Pinto)


Como atravessar para a outra margem se o o tempo corre entre nós a velocidades diferentes?
Duas margens, um rio, tantas correntes.
Na outra margem tudo é sempre possível, como sempre tudo é possível se quisermos que seja, se quisermos acreditar e lutar por isso. Passa a ser impossível apenas quando desistimos, até lá não se prova a impossibilidade.
Se quisermos que seja, e se quisermos mesmo o mesmo, o tempo entre nós dança a mesma música, a saudade entre as duas margens calcorreia em segundos o mesmo espaço de ausência, de vontade, de sede dum olhar que seja a nossa casa, onde se descansa esquecendo que nos cansámos. A cada memória que morre, o rio adensa-se os compassos dessincronizam-se, a dança já não dança a um só corpo, e dois corpos desligados são duas margens que não se tocam. Foi o tempo que correu entre eles e ficou. Ficou sempre entre eles. Apartou ritmos, cumplicidades, intimidades, calores que esfriaram na recordação do que alguém não quis repetido. A falta de vontade esfria, gela a vontade da outra margem que deixa de acenar. Não são já duas margens do mesmo rio, são dois pedaços de terra, nada os junta, nada os separa. Não são o mesmo. Quando não são o mesmo o amor não é possível.

...não!!
Pode não conseguir-se tudo, mas também não se entregam os pontos todos assim duma vez, só porque aqui e agora não há o que queremos... Homessa!!
Isto não é ficar pelo que há só porque dá menos trabalho, chatice e tristeza, porque a longo prazo isso só dá mais trabalho, muita chatice e maior tristeza. Só piora.
Ainda não desisti, e trocava aquela expressão para "uma vida inteira de amor". 
Faz-me mais sentido, 
e não é  Pepsi... eheheheh

Bom dia.

Abraços com fome de pele
Pele com sede de cheiros
Cheiros que se abraçam de amor

Boa noite

27 maio 2015


"muito tempo voltou-lhe à cona como quem volta a casa.
Não por vontade, nem sempre se volta ao fim do dia por vontade, por vezes a vontade é de outra coisa qualquer, mas nem sabes o quê, nem preferes nada, mas é como se cada pessoa tivesse um sítio e acabes por voltar para casa por uma simples questão de arrumação.
Só muito tempo depois de ela ter partido entendeu a futilidade disto – e mais ainda: o desperdício, a perversão, o erro imenso.
Mas a vida é altamente experimental: estamos todos a passar por tudo pela primeira vez, e nada é igual a nada, por muito que se assemelhe.
A vida entende-se por comparação e não por definição. O branco e o preto conhecem-se por experiência e por contraste. Não adianta explicar a que sabe um tamarindo verde a quem só sabe o que é um limão.
Por isso chamas casa ao que é só um tecto, sem saber que uma vida é muito mais. Na verdade é impossível saber se há mais além. É impossível saber se já chegaste. É impossível saber se podes ser mais feliz até o seres. Ou já o teres sido.
Mas persistes, até que o teu próprio mundo insista em destruir-se. E é só quando não tens nada a que voltar que encontras um caminho, e esse caminho se faz casa.
Finalmente entendes. Casa não é um lugar onde se volta. Casa é o nome que se dá à estrada quando somos felizes."

(nem sei se não será repetição aqui no tasco, não é a primeira vez que leio o post e que diz exactamente o que penso, muito melhor do que eu diria)

"porque – ó velho belo Sigmund Freud – a ciência psicanalítica esqueceu algures a chave:

abrir abre-se
mas como fechar a ferida?"

alejandra pizarnik 
(Tradução de Miguel Filipe M.)

[há quem diga que é o tempo.
Que o tempo cura tudo.
Eu nunca concordei, mas espero estar errada.]

Ao fim dum dia como o de hoje só uma coisa assim o salvava... E a mim...
Que lua imensa, linda, luminosa... E só meia lua, imaginem inteira. 
Será que ela sabe que é inteira, mesmo estando metade às escuras? Ou só meia iluminada? 

Boa noite. 

26 maio 2015

Às vezes o mundo parece que se vira de pernas para o ar, e às vezes nem parece que fique mal assim, se calhar éramos nós que estávamos ao contrário... nunca se sabe...
...o que eu sei é que agora ia alegremente para uma esplanada ver o pôr do sol, combinada com uma boa conversa, recheada de bom humor e melhor disposição, olhares cúmplices e risonhos entre os olhares refrescantes e salgados que o mar nos lança quando estamos bem, quando os dias parecem doces, depois, depois jantar e uns copos de vinho,  rir no sofá, mimo e tudo o que a noite trouxesse, ou nós déssemos à noite com muita vontade. Tudo com muita vontade, só com muita vontade.
Sim, parece-me que será verdade - atenção, cuidado. Não esforço, não obrigação, nunca martírio.
O amor parece-me que deverá ser uma coisa para gozar, aproveitar, para fazer a vida valer a pena e não a duras penas fazer valer. Isso é de ter pena, e não é de certeza amor (pelo menos não o meu). E eu tenho pena de muita coisa, e até de algumas pessoas, mas eu vejo a vida, o amor, assim, não para ser motivo de pena, mas para ser nascente de vida. Nunca quis ao pé de mim quem o fizesse por obrigação, ou com esforço, ou por pena, não poderia ser feliz assim - não sendo valorizada, amada, desejada, por mim, pelo que sou ou não sou, e não pelas circunstâncias. Talvez para muita gente chegue, para mim nunca chegaria (sou mais exigente que isso, sempre fui, talvez erradamente, mas ainda não mudei de ideias).
Começar o dia a tomar o pequeno almoço na varanda era coisa a que me poderia habituar, não fora o frio, o inverno... a vida tantas vezes. Mas em podendo, estando bom tempo e querendo, é coisa boa. Há que não deixar escapar as boas coisas da vida. Oiço os pássaros e os carros no meio deles, ou vice-versa. Pergunto-me como será o dia hoje, e pressinto uma ponta de entusiasmo, será dos pássaros? Podia ser descuido.

Bom dia
Todas as certezas que tinha estão desabitadas.
Há, com toda a certeza, que habitar as incertezas 
para chegar a uma casa que possa chamar minha. 
Casa minha é onde possa ser inteira de mim.

Boa Noite

25 maio 2015

Dia comprido, complicado e cansativo. Uma conversa difícil onde temos de dizer coisas que têm de ser ditas a pessoas de quem até gostamos, que apreciamos, que têm idade para ser mais que meu pai, um senhor à antiga, a quem me custou ouvir certas coisas, mais ainda ter de responder e não admitir que se passem certos limites. Custa, ainda que tenha de ser. Infelizmente as pessoas têm de perceber, ou ser relembradas, do que às vezes esquecem, e não, não basta pedir desculpa. A desculpa é uma emenda esfarrapada que nada remenda, e a mim já quase só desconcerta, depois de anos a ouvir pedidos de desculpa que se repetiam e reincidiam. Desculpa não é borracha. E depois duma certa altura passa a ser nada, mesmo. Depois outra conversa complicada, dura, onde tem de ser duro para que não nos tentem pisar. Enfim, complicações e trabalho a mais, sobra tudo menos paciência e vontade. E depois fica-se aqui, a rever o dia à espera de o espremer e deixá-lo ir com o sumo das palavras, tentando não engolir o veneno, mas apenas passar-lhe ao lado, deixá-lo escorrer para que a terra o beba, não eu. Venenos outros também não faltam, há veneno a mais no mundo e raros os antídotos. Os únicos que conheço são os afectos, o amor nas várias formas e reflexos, do fraterno, à amizade, à paixão, e as coisas que nos dão prazer fazer - ler, uma boa esplanada, um copo de vinho, a lua à noite, uma conversa quente ou animada, séria ou apenas parva de rir à gargalhada... coisas boas que nos queimam o veneno dos dias, ou, não o queimando, anulam-lhe os efeitos. Preciso de antídotos, muito e rápido.
(e agora música, caminho e pôr do sol. às vezes também é antídoto...)
... Que belo relógio, sim senhor!! 
Nada como um relógio destes para começar assim o dia a qualquer hora...
Mesmo tendo de ir trabalhar assim é outra loiça, sempre se está atrasado com estilo... E boas razões. Não como eu, que vontade (de trabalhar, entenda-se) não tenho nenhuma... Nem com pequeno almoço na varanda a ver o sol a coisa melhora, não me apetece, que fazer?? Ir, pois é. Mas primeiro o pequeno almoço na varanda e pensar uns disparates... Também não sei fazer mais nada, só pensar e dizer disparates... E ser má, claro, já me esquecia...

Bom dia
Aqui sentada no degrau da varanda vejo a lua à minha frente, já baixa, agora a precisamente dois dedos acima da linha dos telhados. O vento sopra e as árvores dançam nas suas folhas. Não gosto de vento, nunca gostei, dá-me medo. Faltam-me asas para navegar o vento e, ainda que tantas vezes possa não parecer, gosto de ter os pés no chão, gosto é de escolher esse chão, esse que piso, que leva onde eu quiser ir, se souber lá chegar. Pisar com convicção o caminho, pisar com o calcanhar na vontade de chegar, mas de gostar do caminho. Gostar de o fazer, de saber que tantas vezes só teremos o caminhar o caminho e que talvez nunca cheguemos onde sonhamos, mas pelo menos vamos gostando de caminhar, vemos a lua e medimos a distância que tem aos telhados deste meu horizonte com dois dedos, dois dedos onde não cabe a minha mão, que me cabe no bolso. Até parece que a lua me podia caber no bolso para levar no caminho... Mas o horizonte, o horizonte cabe-me no olhar, às vezes não sei é se o olhar cabe todo no horizonte. E o vento uiva por entre as folhas e eu tenho medo, não tenho as asas que tem o meu olhar. Se calhar devia ter medo do meu olhar. Não tenho.

24 maio 2015

... Depois da ronha, do acordar, levantar, comer e voltar a dormir, da preguiça que se estende pela manhã até o dia começar a entrar-nos nas veias e nos pensamentos, depois de nos dedicarmos a arrumações de mudança de estação, tomamos um banho sem horas, fazemos tudo sem horas, a não ser as da fome. Vestimos uma t-shirt e umas calças de ganga e vamos aproveitar o resto do sol numa esplanada, enquanto acabamos o livro que vamos ter pena de acabar. Não posso ler estes livros, e são os que leio mais rápido e que mais gosto, dão a dimensão e profundidade da alma, e a certeza inequívoca de que a alma existe na grandiosidade de sentir. Há livros que já não devia ler, fazem-me crer que se pode acreditar na raça humana e no que temos de melhor e mais extraordinário - o amor.

Bom dia.
Ver a cidade acender (*)
A veracidade acesa,
Que apaga a noite em mim
Tudo de ti em mim acendendo.
E as luzes no horizonte 
De mim são poucas,
São direcção sem norte,
Sinais sem vida
Existências à sorte.
Imagens de ti
Velam várias mortes,
E são tudo o que sinto
Acender vida em mim.
Com as mãos escrevo
E apago pensamentos.
Com as mãos 
Acendo  um cigarro
Que me te apaga.

(*) da música que tocava na altura e que serviu de mote

23 maio 2015


Ahahah 
... É assim mesmo, isto é que é moral que se apresente!!

Bom dia.

"Francamente, não sei se creio em Deus. Às vezes imagino que, caso Deus exista, esta dúvida não deveria desagradar-lhe. Na realidade, os elementos que ele (ou Ele?) mesmo nos deu (raciocínio, sensibilidade, intuição) não são absolutamente suficientes para garantirmos a sua existência ou inexistência. Graças a um pressentimento, posso acreditar em Deus e acertar. E daí? Talvez Deus tenha o rosto de um croupier e eu apenas um pobre diabo que joga no vermelho quando sai o preto e vice-versa."

Mario Benedetti, in A Trégua

Touché. 
Há gente assim eu identifico-me com esta roleta e resultados. Mas há quem nem isso faça. Com as fichas que a todos distribuem à entrada e nos confere o nosso saldo de resultados não jogam, deixam outros jogar com as suas fichas, ainda que o resultado lhe seja imprimido nas suas próprias contas, na própria pele. Por incrível e estúpido que possa parecer é o mais cómodo, assim se o resultado for bom o lucro reverte para o próprio, se a aposta for errada o prejuízo ainda que seja anotado na nossa conta não foi culpa nossa, a responsabilidade da escolha foi de outros, e eles apostaram mal... E assim protegem-se ao extremo, dos seus próprios medos e assumir de responsabilidades, evitando lidar e confrontar-se com o resultado das suas escolhas. Assumem as consequências, mas estão inocentes da culpa de apostar mal. 

22 maio 2015

Tantas chaves, que portas abrirão? que segredos encerraram? Que amores trancaram do mundo? Quantos se trancaram dentro, quantos fecharam as portas atrás de si para não mais abrir? Serão as chaves que deitaram fora ou as que religiosamente guardaram como os tesouros que protegeram? 
As pessoas terão chaves também? E quando a encontram se a deitam fora o que acontece?



Erika meets Eva. E as nostalgias de escrever e ter o que dizer do que se vive, do que se quer viver. Planos mudos, palavras escondidas.

Bom dia

20 maio 2015


Planos para cuidar de mim...
 Hoje é o dia. Se calhar, ou então não, é o que apetecer...
Sou uma moça de apetites, que fazer? 
E a maneira de melhor me tratar é ceder-lhes sempre que posso!! 
Fazer o que apetece quando dá!

Bom Dia
Não foi uma garrafa de vinho (o primeiro copo de vinho hoje depunha-me logo nos braços de Morfeu, e eu queria mesmo era abraçar o sossego) foram várias chávenas de chá quente, que conforta e relaxa, só não aquece o suficiente para o frio na varanda. Foi preciso o reforço de duas mantas, mas bem enrolada está-se bem com a noite límpida por cima deste meu pequeno mundo. A lua não a vejo, mas sei que estará pendurada algures no céu. Não a ver não me faz duvidar,  mas quando falta o luar a noite não brilha em nós da mesma maneira. A música toca baixinho aqui ao meu lado e enrola-se em mim como as duas mantas que me aconchegam, e aquece quase tanto como o chá. O sossego, esse, hoje sinto-o, talvez da inevitável rendição ao cansaço, ou por ter os pensamentos dormentes. Não os sinto, mal os distingo. Há dormências que são uma benção. Vou só ficar mais dez minutos, enrolada nas mantas que me desenrolam do frio, fechar os olhos e não saber do tempo que passa. Serão sempre dez minutos. Mesmo que não sejam.

19 maio 2015

Hoje o vestido que me veste despiu-me logo de manhã a memória... "Um vestido bom para fazer assim..." Um "assim" atrevido mas não como o da foto ali de cima. Se bem que aquele "assim" também tem a sua piada... 
...há dias em que sim!!
...tipo hoje...
 Apetece-me e preciso duma garrafa de vinho, e acho que hoje é o dia, preciso dum serão a meia luz,  vinho tinto e muita paz, na varanda se puder ser... com um luar que faça brilhar a noite em nós. 
Ando exausta... e com muita vontade de casa e sossego, de dia, se for com sol nas trombinhas (e no resto), melhor...

Bom Dia


No fim de contas são poucas as palavras
que nos doem de verdade, e muito poucas
as que conseguem alegrar a alma.
E são também muito poucas as pessoas
que nos fazem bater o coração, e menos
ainda com o correr do tempo.
No fim de contas, são pouquíssimas as coisas
que na verdade importam nesta vida:
poder amar alguém e ser amado,
não morrer depois dos nossos filhos.

Amalia Bautista

Boa Noite


18 maio 2015


"No sé tu nombre, sólo sé la mirada con que me lo dices"
Mario Benedetti

...porque há nomes que se chamam sem falar, e chamamentos que se sentem sem terem de ser ouvidos. Porque há conversas em silêncio numa língua que ninguém fala e poucos entendem. Conversas onde não há ruído ou mal-entendidos, onde nada se entende com a razão e tudo se sente percebido. Tudo se percebe sentindo - sabe-se porque se sente, só.

[ontem fiquei a pensar nesta frase, escrevi isto a meio da noite, porque não me largava, como não me larga a contradição de saber isto, sentir isto, e saber que o que se sente saber muitas das vezes está errado. pelo menos é o que me acontece a mim, mas sei que é possível - se eu o sinto, mais haverá que o sentem, que o sabem por sentir, e se entregam assim, apenas por sentir. Espero que nem todos se reduzam a cacos como eu. Ainda assim, faria tudo de novo. Há cacos que são relíquias e há cacos que são lixo para descartar. Eu prezo as minhas cicatrizes, lembram-me o que vivi, o que deveria ter aprendido, as lições que não aprendi logo, que desafiei arriscando mais cicatrizes, dores e mágoas. Descobri ilusões no sítio das verdades, que viraram cacos e cicatrizes de alma.. Todos as temos, há quem as negue, as esconda, as tape, eu rego-as para algo florescer no meio da tristeza. Um dia algo há-de nascer, algo para além destas palavras que me nascem dentro e saem dos dedos, algo para além de passado, de futuro ausente, órfão de presente. Um dia terei um presente presente, cheio de futuro dentro dum olhar poisado num horizonte que dá as mãos. Se não tiver, não foi por ter fugido dele. Também não o persigo, porque há coisas que só podem ser fruto de um encontro, de um olhar recíproco, que não se procura e não se persegue. E isso eu posso perdoar-me, fugir não. ]



(Foto de Brock Sanders)

Faz hoje (ou mais precisamente, ontem, Domingo que ainda é hoje para mim embora o relógio discorde...) seis anos que morreu Mario Benedetti, um senhor que me escreve ao coração. Curioso fazer seis anos sobre a sua morte, porque esses seis anos foram os que me ensinaram a lê-lo com a vida, saber do que fala sentindo... A sensação de que há coisas que afinal não existem só nos livros, mas que fazem parte da vida de algumas vidas, não de todas. Os últimos seis anos tornaram a minha vida uma dessas vidas. E foi também, algures durante estes seis anos, neste mundo de navegações internéticas, que descobri este autor. Depois procurei mais, ler mais, procurei os livros, e descobri poucos traduzidos para português. Tenho um por ler dele, e hoje ao ver esta notícia, decidi que o próximo a começar a ler e a acabar com a minha inércia de leituras que dura há tempo demais por razões à mais, vai ser "A Trégua". Para já, e para adormecer com pensamentos doces, escolhi uma das dez frases que elegiam na notícia como as suas melhores frases (que vale o que vale, e se calhar pouco, parece-me. esta coisa das listas dos melhores, haverá uma por cada um, diria eu, senão éramos todos iguais e gostávamos todos do mesmo, mas adiante...):

"No sé tu nombre, sólo sé la mirada con que me lo dices"

... Porque há olhares que podem dizer tudo, até quem és. Até quem gostarias de ser, e somos todos um pouco o que gostaríamos de ser, porque é também aquilo que gostamos que nos define, ainda que nem sempre o possamos ter. Somos, talvez, um pouco o que desejamos, o que sonhamos, para nós. Mesmo que seja só um sonho, é uma escolha. E, definitivamente, nós somos as nossas escolhas.

Boa Noite

17 maio 2015


Os pensamentos correm soltos na corrente de vodka. Se alguém os adivinhasse não os conseguiria apanhar. Nem eu. Malditos.

15 maio 2015


porque a loucura
deve ser rasgada por dentro
com as mãos cravadas numa ponte
acesa ao abismo

gil t. sousa

[... e não são todas as pontes por explorar um abismo? Um desconhecido da outra margem? Uma loucura, ou um sonho, a rasgar por dentro, com medo mas com vontade? Se por dentro a vontade não ganha, o medo não perde. Se ganha dizem que é loucura, se perde a vida não muda.
Loucura, o rasgar e ir. 
E não ser feliz e não tentar rasgar o desconhecido, não será a loucura mais perigosa? Na outra margem do abismo pode estar o que queremos, se nesta, onde estamos, não estiver. E aqui, onde estou, não está.]

Boa Noite

Ahahahahah 
Nada como o começar o dia com uma gargalhada e um café ao sol... 
Para aguentar a loucura do dia-a-dia!! 

Bom Dia!!

14 maio 2015

(foto de Ryan Muirhead)
Dia corrido, cansativo, onde os problemas parecem atropelar os minutos, onde parece não haver mãos para tanta coisa. Chega-se ao fim do dia e pára-se um bocado no sofá, entretem-se a cabeça com qualquer coisa entre mãos, e no fim, face a uma tela branca de que não quisemos fugir, percebemos que as palavras nos fogem, e nós, nem vontade nem força temos para as tentar apanhar. Deixamo-las ir. Pode ser que tudo o que não chegaram a dizer fuja com elas e me deixe. Talvez assim durma e amanhã não acorde cansada, mas cheia de palavras novas, menos problemas, e maiores e melhores mãos para os resolver. 
Agora só quero apagar de mim o mundo. Que vá com as palavras que me fugiram. Que me deixem vazio o escuro por dentro dos olhos.

Boa Noite