Eva me chamaste

Fizeste das minhas costas o teu piano

Dos teus desenhos as minhas curvas

Da minha boca a tua maçã

Dos meus olhos o teu mar

Do meu mundo os teus braços


(...)

07 abril 2015


Não, nem sequer se perde tempo a pensar-me, a lembrar-me, a saber-me, quanto mais perder a cabeca a tentar entender-me... Também sempre fui tão simples e transparente, se calhar tão fácil de entender... Nunca valeu a pena sair da perspectiva do próprio umbigo para ver a minha. Perceber o que, e como, eu sentia, era perda de tempo, como o seria agora pensar-me, lembrar-me, saber de mim... e eu anos a perder a cabeça a tentar entender quem nunca me quis ver realmente. Talvez esses anos tenham servido para chegar aqui e perceber isso sem perder a cabeça. Talvez até por perceber que quem perde é quem tinha quem perdesse a cabeça a tentar entender, sem nunca pedir nada, e sem nunca ter nada, só o que lhe dava. Perde sempre mais quem dá, ou deu, menos.

Boa noite
(e acabo de escrever isto e as palavras que me desaguam no pensamento são a dizeres-me que precisas de descanso, descansar comigo, que doutra maneira não descansas. Ou esta mais antiga: "Pelo menos uma semana que nem uma lapa.". Não sei onde estarão perdidas estas e outras palavras que passo a vida a encontrar, mas que tu não sabes onde as deixaste, nunca mais te lembraste delas. Talvez as tenhas perdido da boca para fora, ou talvez tu nunca percas nada, apenas esqueces.)

06 abril 2015

Dia de loucos depois duma noite em que não se notou ter-se chegado a dormir. O sono não vinha sem eu saber porquê, não tinha mais que me preocupar que nos dias anteriores... mas era um raio duma agitação interior que não me largava o bater do coração, a ansiedade de não sei o quê... estranho e não percebi o porquê... mas nem tudo tem porquê, ou se calhar tem, nós só não o sabemos.
Depois, o dia a atropelar-nos a levar-nos à frente, a fazer-nos a vida e nós a termos de pelo menos tentar acompanhar. No meio do dia conversas salpicadas de frases que depois me ficam na cabeça, umas efectivamente ditas, outras só meias ditas, "a minha pele deve ser alérgica a quem não me conhece a alma, a pele para mim não é fronteira, não é onde começa o corpo e acaba a alma, é onde ela brinca, ri e aproveita no corpo o que alma tem para dar e receber - não é o fim da alma e começo do corpo, é o começo da vida que se vive"... 
E agora o final do dia, o repouso que devia cair nos ombros não se chega a sentir, só o peso, o peso do final do dia. Na pele e na alma. Pode ser que o jantar aligeire com um bom vinho estas duas que não se sabem descoser, saber onde uma começa e acaba a outra. Ainda são o mesmo - eu.


"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinteressada delas. Eu sou ao contrário: o tempo passa e a afeição vai crescendo, morrendo apenas quando a ingratidão e a maldade a fizerem morrer."

Florbela Espanca

[bom resumo para o último cigarro da noite. Parece-me que eu sou ao contrário em muita coisa. Não sei se isso é bom, e mesmo não sendo mais fácil assim, há muitas coisas em que não quero mudar.]

Boa noite

05 abril 2015


... A dama da noite, sob um fino véu diáfano, espera (talvez) o seu cavaleiro negro, camuflado de noite na escuridão, que a luz que irradia nos caminhos lhe  trará...
(Para quem ainda acredita em histórias de encantar... Eu cá ando só de passeio e (de)parei-me com este espectáculo... As palavras só apareceram assim, sob encantamento desencantado...)

Este mocinho faz hoje 50 anos, ao que parece, e eu gosto, gosto do mocinho. Muito.
Era-me relativamente indiferente até há uns anos, agora olho para ele e só vejo aquela boca, e eu gosto, gosto daquela boca. Lembra-me boca de beijos e risos malandros, e eu gosto, gosto dessa malandrice. 
Realmente, e agora aqui sentada a pensar uma série de coisas, que gosto, umas que sempre soube que gostava outras que fui descobrindo, Lembro-me de um dia aqui estar nesta mesma posição a escrever outras coisas, coisas que tinham a ver com a admiração e o orgulho que sentimos em alguém, que isso é imprescindível a quem ama, que é uma expressão do amar - é talvez o seu respirar. Dou por mim a pensar nisto por uma frase que li algures que dizia  "só se ama o que se admira". E dessa admiração vem também o orgulho de fazer parte, de alguma forma ser parte desse alguém, tanto, que tomamos para nós a satisfação de ver quem amamos satisfeito, realizado. E estou aqui sentada a pensar que nunca senti que por mim sentissem esse orgulho quase que em espelho, isso que torna o reflexo e o que é reflectido, não a mesma carne, mas a mesma alma que habita o amor de duas pessoas.
(juro que isto era para não ser nada disto, era para acabar ali no mocinho, mas a cabeça voa-me...)


Hoje sonhei. Ando com as noites agitadas por sonhos, a dormir mal, ainda que as vezes a sonhar bem, a acordar com um sorriso nos lábios, mas com a cabeça a pôr-se logo a trabalhar: que não, que não pode ser, que não é assim que funciona, e que nem vale a pena sonhar com isso - funciona quase como publicidade enganosa. Acordei a pensar isto, ainda que com um sorriso de quase esperança nos lábios. Deixei-me ficar na ronha, enrolada em mim no meio dos lençóis, à espera que o sonho acordasse de mim, porque eu há muito que acordei dos sonhos.

Bom dia.
É isto.

Boa noite
Em conversa disseram-me:
-...ao fim de vinte anos juntos um gajo já nem paciência tem para comer a mulher.
E eu respondi:
- não exageres, para isso vocês arranjam sempre paciência...
- olha que nao, pelo que vejo e ouço, é mesmo assim, o que acontece é que tem de se esvaziar os tomates... Mas é uma coisa mecânica, sem aquela vontade, e isso não é "comer"... É só mesmo vontade de esvaziar os tomates...
E aquilo caiu-me cá dentro como um eco do que já tinha ouvido, aquela mesma expressão tão dura, tão crua, tão feia.. Ouvi-a pela segunda vez na vida e a dizer exactamente o mesmo, precisamente a mesma mensagem. Fiquei a pensar que realmente há quem veja certas coisas como uma compensação, um aproveitar quem está ali à mão, um alívio, um aliviar de vontade meramente física,  por, no fundo, condescender estar com alguém que já não lhe interessa. Mas enfim, não têm razão para dizer que não, e precisam de esvaziar os tomates. E é triste, muito triste. Tudo. No dia em que a pessoa com quem eu esteja não tiver vontade de me comer, eu agradeço que não condescenda continuar comigo. Quando já não gostar de mim, que mo diga, não condescenda ficar comigo por quaisquer outras razões, e entretanto ir esvaziando os tomates. Não, eu mereço mais que isso, valho muito além de condescender ser uma condescendência para alguém.
Sou mulher de ter muito mais medo de ficar com quem não me quer do que de ficar sozinha.
Sou esquisita, paciência, e isso podem condescender à vontade.

04 abril 2015



Noite de conversa boa, uns tantos vodkas e mais sorrisos. Há pessoas que apreciamos, e que gostamos de perceber que nos apreciam. Pessoas com espinha, com carácter, com princípios fora de moda que honram sem gáudio de plateia. Pessoas que tentamos olhar com outros olhos, com outra vontade, vontade talvez, de futuro. Pessoas que nos poderiam mimar e compreender e preocuparem-se connosco, com os nossos dias e noites, quererem querer-nos e estar perto, querer partilhar as vivências e dar vida - dar e receber o que ela precisa para ter esse nome. Isso tudo. Depois só não sei se não falta o essencial, o gostar de tudo mesmo que não se queira, o gostar e nada mais importar. Porque às vezes parece que se pode gostar por tudo isto importar, e isso é fazer tudo ao contrário, estar tudo ao contrário. Arranjar o que não se pode escolher, escolhendo o que se pode e gostava de arranjar. Porque eu sei - e tão, mas tão, bem - que gostar a sério não é o mesmo que gostar de estar, que gostar das qualidades que se vê no outro, nem sequer do carácter dele, nem se pode confundir com gostar que gostem de nós duma maneira que nos faz sentir bem. Não, gostar realmente de alguém, adorar alguém, amar alguém com paixão não é isto - é também isto, mas não só. São talvez condições necessárias, mas não suficientes. Falta o inexplicável, o que não se avalia. Então, sabendo tudo isto pelo lado de dentro da pele, e do olhar que lançamos à vida, fico-me aqui, quieta, sem dar um passo, neste impasse que me embrulha e me prende. Mas com a sensação que a noite foi boa, que me senti bem, ainda que impasses que combatem cá dentro me travem os passos e me encolham as vontades. Porque receitas são coisas para cozinhar e não para viver, e normalmente é sem receita que as melhores coisas acontecem. Sem se saber como ou porquê, ou qual o ingrediente não programado que lhe dá aquele toque inesquecível que vicia, que não se procura, mas que, quando encontrado, nos engole e consome por dentro em vida, com vida - e que torna tudo o resto nada. Aquilo que nos arranca do chão e nos apresenta às nuvens como programa diário. Que nos faz gente da casa na lua. Esta lua que agora me sorri, malandra ou traiçoeira, por trás dum véu que quer ser despido.

Boa noite

03 abril 2015


( foto @souk_and_pix)
... Mentiram. Disseram que ia estar sol hoje e, embora esteja um quentinho bom, sol nicles, e eu gosto de sol, hoje apetecia-me sol. Valha-me a vasta experiência de me dizerem uma coisa e acontecer outra. Não sei se já não me faz grande mossa porque já não acredito no que dizem, ou por realmente já andar a desenvolver há muito uma carapaça à prova de desilusão... Ou a tentar, pelo menos. De qualquer maneira, mentindo-me ou não, com sol ou não, cá vim, ainda indecentemente de pijama, tomar o meu almoço pequeno na varanda - ovos mexidos, torradas, quase metade duma alheira (eheh pois), um grande copo de sumo de laranja acabado de fazer e um iogurte. Ora, almoço pequeno porque não poderá ser apelidado de pequeno-almoço, já que de pequeno não tinha muito, nem de almoço com real propriedade, vai daí baptizamos a coisa de almoço pequeno, porque brunch é coisa de estrangeiro. Bem sei que toda a gente acha os anglicanismos o máximo para demonstrar actualidade, estar na moda, e até parecer que somos pessoas cheias de mundo. Eu cá uso alguns mas sou tímida, gosto muito do português, deve ser mesmo das coisas mais ricas que temos (alguém devia suicidar quem terá tido o primeiro pensamento de estragar a língua que temos esfaqueando-a com um miserável (des)acordo ortográfico, que eu não adopto, nem adoptarei) e não posso mostrar o mundo que não tenho, a ter são muitos mundos, meus, o que é diferente, não dá para impressionar ninguém, e não é para mostrar assim. 
Bom, mas dizia eu, agora, depois do almoço pequeno falta o centro ali da foto... Mas a preguiça é tanta que fiquei pela varanda a escrever estes disparates só para não levantar o traseiro daqui e ir buscar o abensonhado (esta roubei ao Mia Couto) café. Entretanto parece que o  sol está a aparecer, porque o sinto nas pernas, é que já não acredito muito no que vejo, e cada vez acho mais que a pele é o sentido que menos engana.... 
Bem, vou buscar o café, depois banho e depois sair de casa com um livro para qualquer lado e ler - hoje apetece-me um jardim mais do que uma esplanada, logo se verá, não tenho nada marcado, nem programado, nem planeado, e isso é tão bom...

Bom dia

... Malvada.
..."You put a spell on me"...
Há uma fotografia tua aqui à minha frente e apetecia-me falar contigo. As nossas conversas pseudo filosófico-profundas que mais não eram que falarmos do que somos e do que nos faz e da vida, como a vemos e entendemos... Lembro-me de me falares do "closure", que eu tinha de fechar certas portas se não queria fechar, desperdiçar, partes de mim. De me dizeres que certas pessoas nem em bicos dos pés me chegariam aos calcanhares, e eu de sorrir quando disseste isso, prque era o sangue a falar-te mais alto, era o teu abraço longe que eu sentia perto, rente às palavras. Faltam-me as nossas conversas, as tuas reflexões, a rua resposta pronta e carinho  sempre perto. Sinto-te a falta e tantos que agora me faltam, parece que tudo me é arrancado cru. 

02 abril 2015

Dia corrido, cansativo por um lado, benéfico por outro.
 Não há tempo para pensar o que não quero pensar.
Quando os dias têm pouco tempo a cabeça guarda-se para o que as mãos têm de fazer, deixam de contemplá-las vazias e famintas. Os olhos não procuram o céu embrulham-se nas coisas que lhes têm de sair dos dedos. Não pensam, apenas fazem, vão fazendo, ou fazendo que fazem, olham sem verem.
Agora vem a hora do cansaço, da viagem, da música, do anoitecer que se aninha nos ossos e prende o sorriso. Ontem a lua estava linda pendurada no céu limpo, hoje a esta hora deve estar a preparar-se para sair e iluminar quem lhe lança o olhar e o bebe de dentro dos olhos que vêem. 
Vou tentar não vê-la, esquivar-me, fazer que não a conheço, que nunca passei noites a olhá-la, a conversá-la ou mesmo a ignorá-la, quando estava tão bem que nem a lua me faltava para ver o luar mais límpido a iluminar-me a pele. Coisas que já não existem, e que não me quero lembrar. Julgo que nem aconteceram. Mas a viagem, e a música, e o cigarro do caminho, isso sim, vai acontecer. E agora, que hoje já chega.

... I'm not a cat person,
...que não sou, mesmo!
Mas pronto, uma pessoa tem de abrir algumas excepções, evitar regras quadradas e analisar caso a caso... e neste caso acho que conseguia fugir à regra... e adoptava um gato destes, bichinho (não animal, por favor, que de animais estou fartinha...) de estimação para tratar bem e dar mimos em troca duns ronronares quentes e enrolarem-se nas nossas pernas e afins... 

Bom Dia!

Hoje a noite não está fria e está calada; ouve-se aqui e ali um carro que passa, umas vozes ao longe, às vezes umas folhas secas que dançam na estrada. Houve alturas, há anos, em que eu sentava-me aqui e sentia-me estranha, estrangeira desta vida (como dizia Alejandra Pizarnik), como que imaginava, abandonando o corpo que me prende os olhos, a vista da cidade, de cima, de quem vê o conjunto, e imaginava cada casa, cada apartamento, cada luz ligada a iluminar os lares, várias pessoas, famílias, amigos, namorados, amantes, espalhados pela cidade em sítios habitados de vida. Depois via-me a mim, aqui, a pensar no conjunto e tão aparte do conjunto, sem sair dele. Dava-me uma sensação de triste estranheza, de angústia, mas nunca pensei em mudar que não fosse para melhor; para estar com alguém, com quem estando ao lado eu não me sentisse assim, a divagar pela cidade que imagino: habitada de gente que troca afectos, que conversa pensamentos ou tolices, que partilha vivências e vida. Sentada aqui penso que há muito não me ocorre o mesmo, não tenho a mesma sensação, e percebo que não foi a minha solidão que diminuiu, mas a deles que aos meus olhos aumentou. Já não vejo o mesmo imaginário que se abatia sobre mim. Parece-me haver gente a mais junta para tão pouca partilha, pouca distância medida a separar o que os afectos (ou a falta deles) não juntam. Só não sei se fui eu que deixei de acreditar nas pessoas, ou no que as pode ligar, ou se apenas agora a minha ideia - o meu imaginário do que seria a realidade - do que iluminavam as luzinhas da cidade, que se vêem nas casas que agora olho, desligou a luz da ilusão romântica. As pessoas estão juntas, tão lado a lado que se tocam, mas não estão perto vezes demais. A minha distância é sempre a mesma, e perto de mim não está ninguém. E eu sinto-me perto do que não está, nem toco. Não me sinto menos só mas, parece-me agora, que nisso não estou sozinha. Eu só o vejo e não o nego.

Boa noite

01 abril 2015


... Eheheh... Pois há aí muito macaco, mas a Eva não tem nada a ver com isso, é outro galho da família, e cada um no seu...
(Temos de nos rir, ou eu tenho...)

Bom Dia
Da minha janela vejo uma linha viscosa onde deveria ver-se a linha do horizonte, há um nevoeiro pastoso que encobre o fim da terra que (não) se vê. Acima dela um negro fechado, sem estrelas. Se calhar há alturas na vida em que os horizontes, ou o sitio onde os esperamos encontrar com o olhar, se perdem numa estranha pasta viscosa, quase como areias movediças, onde nada é  certo e a tendência é esbracejar. Provavelmente estou num desses dias, dessas fases, e se calhar também por isso, atentei hoje à estranha aparência que me entra pela janela de todos os dias. Desde que me sentei aqui à janela a ver a rua e a pensar nisto, a vista foi clarificando, tornou-se mais límpida a imagem, ou talvez o olhar, quem sabe. Agora olho e já não vejo deformada a linha em que o olhar se despede, o rendilhado dos telhados, dos edifícios, das luzes por dentro da vida que os habita, já se distingue. O horizonte já se desenha de lápis bem aparado. As nuvens, por espessas que sejam, dissipam-se, a vista despe o véu, talvez também a vida assim seja. O tempo dissipa-nos, talvez para vermos melhor, ou apenas para realmente vermos - além do véu, além do engano, para lá do desengano. Os meus horizontes ainda não os consigo desenhar a fino traço, nem sequer borrões cheios de intenções, ainda caminho pelo nevoeiro denso, que se cola à pele pelo avesso e turva por dentro o olhar. Parece que não sinto, que não vejo. Presa, ainda que não perdida, faltam-me sentidos, e pior, o sentido. De tudo.
E agora espreito um canto do céu e vejo a lua: límpida, clara, luminosa, despida de qualquer véu. Houve noites em que eu fui lua. Será que alguém viu?

Boa noite

31 março 2015


... Verdade.
Hoje sonhei. Sonhei contigo e não sei quem és. Falávamos de operações de financiamento (coisa tonta, pois, falávamos e ríamos) mas os teus olhos falavam mais alto e financiaram-me um bilhete de ida até ti. Tinhas um sorriso lindo, franco, limpo, cheio de afectos por entregar e beijos por roubar. Dei por mim a passar-te as mãos pelo cabelo, olhaste para mim e achaste tu o meu sorriso bonito de meigo, de doce. Senti-me bonita, pelo espelho que se fez o teu olhar, pela maneira como me puseste as mãos na cintura e me puxaste para ti, para me encaixares num abraço quente, genuíno, confortável - daqueles onde se pode fazer casa e morar uma vida. Não querias que me viesse embora, querias que ficasse, tinhas uma casa com uma janela enorme, cheia de horizonte, luz a transbordar as portadas, e querias que me sentasse, de mãos dadas, com todos os beijos por dar - sempre -, a olhar juntos o horizonte, de janela aberta. Não querias que me viesse embora... Não é extraordinário?... quererem que eu fique? E eu queria muito, tanto, não querer vir embora. Ficar. O teu sorriso era limpo e era meu. 
Ponho-me aqui a pensar, e suponho não haver nada melhor do que o sorriso de alguém que gostamos ser nosso...
Sonhei contigo e não faço ideia de quem sejas, não existes no mundo que piso, em que acordo e de que quero adormecer. Para estar contigo. Não querias que eu viesse embora, e eu podia passar o resto da vida a fazer-te mimos e a passar-te as mãos pelo cabelo se me continuasses a sorrir assim, com amor doce e vontade de mim.

Bom dia


O último cigarro da noite. A porta da varanda aberta, eu encostada à portada. Já não ponho as pernas do lado de fora, sentada no degrau. Fico a pensar porquê... das últimas vezes que aqui vim fumar o derradeiro cigarro do dia sentei-me assim. E agora fiquei a pensar nisso, no porquê disso, até nisso eu me dedico a pensar... Sei que tudo mudou, e no entanto, tudo parece na mesma. Às vezes, às vezes parece que está tudo na mesma, mas não. A vida continua, é certo, mas não continua na mesma, inalterada. De repente percebemos que a ideia com que crescemos, o futuro como o pensámos, desapareceu. Tudo o que me habituei a ter como certo, a ter em conta em tudo o que envolvia futuro, desembrulhou-me da ideia que tinha, mas como que me deixou embrulhada num desconhecido a que me falta uma espécie de âncora. De repente não pareço eu, de repente parece que não reconheço a minha vida, ou o futuro que sempre esperei. De repente tudo mudou, mas os dias, os meus dias, pouco se alteraram. E é estranho, é tudo estranho. Grande parte do que eu sou, no que até hoje me tornei e me moldou, tem origem em algo que já não existe, e é como se o que me definia em tão grande parte desapareceu eu como que me torno indefinida, perdi parte da minha identidade, e do futuro como me habituei a pensá-lo. Sou a mesma, os dias pouco se alteraram, mas a minha vida enquanto todo, enquanto plano e ideia, esfumou-se. E é estranho ter um futuro tão diferente se o passado está intacto. Mas eu? Eu estarei intacta se um buraco se abriu em mim onde dantes estava uma parte grande do que me fez quem sou, do que me definiu sempre? O que mudou, onde mudei? Agora sento-me aqui a fumar o último cigarro sem ser no degrau da varanda, com as pernas do lado de dentro. Estou encostada à portada e não sei porquê. E penso nisto e no futuro que criei na minha cabeça desde que me conheço e me desapareceu.

Boa noite

30 março 2015


... Não porque ache que ela não é capaz, não por pena, não por complacência, não condescendendo, mas pela entreajuda, pela partilha, pelo querer fazer parte e estar perto. Pela amizade que é a base onde o amor faz a cama, donde ao mesmo tempo se alimenta e serve de alimento. 
Há poucos verdadeiros homens, concluo. Infelizmente.
... O meu destino deve ser tão extraordinário, que deve ser extraterrestre... Só pode.

Bom dia 

29 março 2015


..."tira a mão do queixo, não penses mais nisso"... Canta Jorge Palma e tem razão. Aproveita os últimos raios de sol. O sol que descobre os ombros como gostas. O sol que aquece a pele por fora. Esquece o sol que falta para descobrir os ombros da alma, o sol que falta para à tirar da sombra das lágrimas que ficaram por chorar. Chora-se por dentro o que por fora não se diz e pelo que nunca se devia ter dito.
O café amargo, bem mais doce que a vida dormente de que não se desperta, é para beber e já chegou. ..."tira a mao do queixo e não penses mais nisso"... Que ninguém mais pensa, e a vida é coisa de viver e fazer, não de pensar ou pensar em fazer. 

... De manhã olho o espelho e pergunto-me se é ele que tem raiva de mim e me devolve assim, se sou eu que tenho raiva dele por eu ser assim. Mas a raiva é indiscutível. Como a raiva que não me deixou calçar durante meses umas botas que voltei a calçar há dias, não sei porquê, calcei-as, talvez as tenha visto de maneira diferente. Quando de madrugada as descalcei foi outra vez com raiva, muita. E essa raiva não descalcei, e vi tudo outra vez da mesma forma. 
Não há condescendências: a raiva também alimenta, mesmo que envenene os dias.
separou-se
foi demasiado longe na sua solidão
e soube – teve de saber –
que dali não se regressa

afastou-se – afastei-me –
não por desprezo (claro está que o nosso orgulho é infernal)
mas porque uma pessoa é estrangeira
uma pessoa é de outra parte,
eles casam-se,
procriam,
veraneiam,
têm horários,
não se assustam com a tenebrosa
ambiguidade da linguagem
(Não é o mesmo dizer Boa noite que dizer Boa noite)

Alejandra Pizarnik
(Tradução de Miguel Filipe M.)


[há solidões de que não se regressa, mágoas que não se curam, desilusões de que não se recupera, perde-se a esperança e a crença. A distância aumenta ainda que não nos mexamos, que não saiamos do mesmo sitio. Há algo que sai de nós sem pedir licença, sem aviso, sem cerimónia - abandona-nos. Às vezes sai e bate a porta com estrondo, outras de mansinho. Nem sempre é fácil saber se realmente saiu, que já não nos habita - às vezes parece que sim, outras descobrimos que não, que ainda cá temos tudo despedaçado à espera de ser colado. Uma coisa sabe-se, dói, porque a distância que aumenta é a ferida que abre, que rasga, por onde nos esvaímos. E deixamos. Mas às vezes é a purga que cura. Às vezes, outras só nos esvaímos. Somos estrangeiros de outras longínquas fronteiras, a língua que falamos ninguém entende, o que sentimos sem fronteiras não é pátria de ninguém. Os outros passeiam,  riem, falam, estanques, parece que vivem. Dentro das suas fronteiras seguras, confortáveis e estéreis, o que não sentem - onde todos estão -  não é casa de ninguém.]

Boa noite

28 março 2015

... É mesmo. 
Alguém dizia que ninguém que ama vai dormir sem ver, sem se assegurar, que o outro está bem. Que não há cansaço ou falta de tempo que impeça isso. Penso que é verdade, que quem ama, de alguma forma o faz ou arranja maneira de fazer o mais parecido, seja pensar na pessoa, seja procurar saber dela e como está, seja ir-lhe aconchegar os cobertores e dar um beijo de boa noite. Há uma intenção, uma preocupação, um estar com, mesmo que se esteja sem, que é comum e revela uma mesma coisa. E há pouco esta frase tomou uma nova dimensão quando ouvi "está frio...Será que tem frio?". Coisas que se dizem em delírios que acontecem nos extremos em que a vida nos põe sem aviso ou preparação. Delírios, ainda assim, de amor; dum amor profundo que não dorme sem pensar se quem se ama estará bem.

Boa noite

27 março 2015

Sento-me à janela, ao lado do mundo. Do lado de dentro do vidro, do lado de fora do mundo. Olho e não vejo chover. Abro a janela um pouco para entrar ar e percebo que chove. Chuva molha tolos, os que pensam que nao chove porque não vêem, ou melhor, vêem chover sem saberem que chove. Há coisas que sem sabermos acontecem enquanto olhamos, porque olhamos mas não vemos. Os olhos enganam, como tantas vezes enganam os ouvidos quando ouvem o que não há, ou quando não ouvem o que há. 
Há olhos surdos e ouvidos cegos. Assim toda a gente se molha. Ou então só os tolos. 
Tola sou eu, aqui sentada a olhar a rua molhada sem ver chuva cair sabendo que cai, e a pensar nestas idiossincrasias estranhas dos sentidos que me fazem questionar o sentido daquilo a que chamamos razão. A razão ensina-nos a ver e a ouvir, a interpretar, descodificar o que se vê e ouve, mas nem sempre tem razão. Às vezes está a chover e os olhos não o vêem.
De repente fico-me a pensar: e a pele? A pele sabe sempre. Sabe até de olhos fechados e ouvidos tapados - a pele sabe. Razão tem a pele. O que a pele sente acontece. Sempre. Existe. Toca. Molha. 
Talvez a pele seja a melhor razão. O que a pele sente não engana. Talvez até seja melhor ser racional assim...

Boa noite

26 março 2015

"(...) dá porque gosta, porque ama e mais não interessa e isso é raro, demostra que é uma pessoa com um coração enorme e quando gosta é "arrasador" tanto para o outro como para si. é muito intenso, tão intenso que muitas vezes nos deixou sem palavras. quando aquelas não são precisas para as pessoas se perceberem e perceberem que amam, são cumplices, podem estar sozinhas, afastadas que nunca estão, o outro está sempre presente, lá, e isso só existe quando alguém não quer nada em troca (não exige nada em troca) (...) no princípio até me meteu algum medo devo dizer pois já me tinha esquecido do que é amar com toda a inocência que isso implica de parte a parte (...) não me lembrava do que era amar no verdadeiro sentido da coisa. sabe acho que é a sensação mais bonita do mundo e não a viver por muito tempo maltrata muito as pessoas. escondemo-nos numa capa de ferro, pesada, que nos tira os movimentos e que nos deixa sem aquela elasticidade que só se encontra quando as pessoas estão felizes, acordam felizes e adormecem felizes."
(apanhado por aí, que me tocou, que fala por mim em muita coisa...)

Amar é cuidar, é querer ver o outro bem, estar perto quando sabe que não está bem, ser o sorriso no fim das lágrimas que não se podem evitar que o mundo nos faça verter. É querer ser a parte boa e doce que dá força para aguentar as amarguras e as dores que não se podem evitar, mais que tudo é (como dizem no texto por outras palavras), ser perto. 
Ser perto quando não se pode estar perto, mas estar perto sempre que se puder.

25 março 2015


(foto @thislittlecorner)

Preciso dum café ao sol e que me devolvam as palavras, 
mas sei que a vida nada devolve, tenho de ser eu a recuperá-lo.

Bom Dia

23 março 2015

As mãos, sempre as mãos. Aquelas nunca tinha percebido serem feitas de dedos compridos, magros, de tanto andarem sempre enroladas em si mesmas, e vi hoje, tão perto para tocar tão longe para lhes chegar a vida que as faz mexer. 
As mãos por onde a vida passa, as mãos com que não a conseguimos agarrar, inúteis quando escorrem impotência. As minhas, que agora recordam o que o dia inquietou, o que tentaram aquietar sem darem paz, e que escrevem outras, mais cansadas da vida que lhes foge, a vida que enruga a pele que veste o sangue; mãos que querem proteger - querem continuar a proteger -, que tentam segurar a vida que deram, e agora tremem face ao medo quando tocam em desespero outras mãos, de dedos compridos, adormecidas, distantes, quase noutro mundo. 
E os meus olhos vagueiam pelo espaço, olham números que não se somam mas subtraem vida a conta gotas. Enquanto fogem do olhar demasiado brilhante de quem contém o que não sabe gritar, vêem outras mãos que se fecham em punho fechado, de revolta calma, de racionalidade que pensa poder ordenar um mundo sem ordem, onde a racionalidade se afoga em lágrimas por chorar. A vontade de ter as coisas nas mãos, de controlar, de poder fazer onde tudo parece desfeito. Fecham-se as duas mãos em punho fechado, vazio de força e cheio de dor lenta que não explode. Punho fechado que esconde o vazio enquanto o segura. E as minhas, as minhas mãos, cheias de não saber para que servem, que procuram agarrar, chegar às que restam, que procuram consolar o que consolo não pode ter. Mãos que esperam por agora para se abrirem em palavras. Mãos vazias que acumulam perdas. Mãos a que tudo foge, como a água escorre por entre os dedos abertos, e que foge se os tentamos fechar.
Mãos, sempre as mãos - talvez a vida se resuma aos momentos em que são úteis e fazem, aqueles em que são inúteis e nada podem fazer, e aos momentos em que servem afectos e são amor com pele.

22 março 2015




(foto de Nick Walters)

Fala-se
Mobila-se o cenário vazio do silêncio.
Ou, se há silêncio,
este transforma-se na mensagem.
– Porque está calada? Em que pensa?

Alejandra Pizarnik
(Tradução de Miguel Filipe M.)

[hoje -ou melhor dizendo, ontem - foi dia da poesia e eu gosto muito desta Alejandra tão assombrada.]


Boa Noite

21 março 2015

(foto @vorosmate)
Não gosto dos fins de semana em que já sei que não tenho pelo menos um dia para mim, sem nada marcado, sem horas a cumprir, onde o dia corre ao nosso ritmo e do que queremos. Se quisermos combinar alguma coisa combina-se no dia, se apetecer, mas se a ronha estiver mais apetecível, fica-se no sofá enrolada numa manta com um livro e um chá, ou sai-se sem destino marcado, numa volta que se vai fazendo ao sabor do momento e da vontade de passeio. Fim de semana sem esta liberdade de não fazer nada - ou de escolher o que não fazer, se calhar... deixa-me um bocadinho neura, como se entre duas semanas houvesse mais uma semana mais curta, mas onde o tempo não é meu para decidir.... 
Bom Dia.

Hoje, em diferentes momentos do dia, a memória rasgou-me os pensamentos uteis de quem quer esquecer o que mais ninguém lembra. De manhã lembrei-me, sem descortinar o porquê, dos pequenos grandes terramotos que me vinham morrer nos braços e que tremem agora longe da minha pele. Já não os sei, perderam-se no tempo das memórias que quero desbotadas e enterradas por me incendiarem a raiva que dói por dentro - raiva de mim mesma, misturada com mágoa que retorce as entranhas. Depois, ao fim do dia, ao olhar para as minhas próprias mãos a navegar desertos de afecto, quase consegui ouvir outra vez quando me disseram que a maneira como toco seria bastante para me reconhecer, às escuras ou de olhos fechados. Sem me verem, viam-me nas pontas dos meus dedos. Agora, mesmo que me vissem, nada lhes toca o olhar que sente de olhos fechados e às escuras. Nada lhes treme. Por mim. A mim, mesmo às escuras nada me aquieta este olhar que os olhos tentam fechar.

Boa noite

20 março 2015


... Pois, é isto...
Nada de ninguém acordar, viver e adormecer comigo, a pensar em mim, mesmo que sem mim... Nada de sem mim nada fazer sentido e nada mais parecer importar... Nada... Aliás, eu é que não importo mesmo nada. Nadinha.
(Valha-me a minha maezinha... )

A culpa da infelicidade é da felicidade, como a culpa da sombra é a luz.
Se fugirmos da felicidade evitamos a infelicidade.
Mas não é fugindo de ser infeliz que se encontra a felicidade. Apenas não perdemos nada porque nunca chegámos a ter nada. Onde não há o que perder não há risco. 
O maior risco é cruzarmo-nos com a felicidade, mesmo que por instantes. Há instantes que duram a eternidade toda em sombras. Há instantes de luz onde cabe a eternidade toda.

Boa noite.

18 março 2015


... É, também é.
Estupidez é amar sozinho. 
(... Ou também é)
E hoje em conversa com um amigo.. em vez de "pois".... o telemóvel escreveu "pipi"... ora como era de esperar houve galhofa, pois claro. Lá tive eu de dizer que se calhar alguma parte de mim estaria a pensar nisso... àquela hora da manhã, o que enfim... já diz muito da desgraça que por aqui vai... Vai daí que o moço me culpa a mim, pergunta-me então a quantos já eu dei para trás??(heinnn??)... porque há-de haver muito homem a querer pilotar este avião. E eu juro que não sei onde vão buscar estas ideias... avião?? (por acaso esta do avião lembra-me um dos piropos mais engraçados e oportunos que me lembro de ouvir, mas não estava sozinha quando o ouvi, e não o entendi para mim, sequer...) esta gente está maluca, só pode. E de qualquer maneira também só quero ser pilotada por quem me apetecer pilotar... e dei por mim a pensar nessa brincadeira que é pilotar e ser pilotada e tal... e daqueles jogos de computador e afins que se jogavam com um joystick... e, de repente, fez-me muito mais sentido a palavra e a sua adequabilidade - de facto, a parte do "joy" para alguns pilotares de stick faz todo o sentido... pode trazer muitas alegrias realmente, mas eu continuo a mesma: há jogos que não sei jogar. Sinto falta de ser pilotada por alguém que eu queira muito pilotar também, é um facto. Mas isso não me faz ir a jogo de qualquer maneira, ou talvez precisamente por isso não vou a um qualquer jogo. E ele, esse amigo malandro que me fez começar logo a enganar-me no "pois" tornando-o "pipi" logo de manhã, diz que eu querer o homem mais do que o "joystick" é bom, que no fundo aprecia esta minha maneira totó de ser, que o resto deixa um grande vazio... mas bom, ser assim também deixa, respondo-lhe eu...

Bom Dia

"A dor é estranha. Um gato matando um passarinho, um acidente de carro, um incêndio... A dor chega, BANG, e aí está ela, instalada em você. É real. Aos olhos dos outros, parece que você está de bobeira. Um idiota, de repente. Não há cura para a dor, a menos que você conheça alguém capaz de entender seus sentimentos e saiba como ajudar."

Charles Bukowski

[... Não precisa saber ajudar, só deixar encostar, fazer aproveitar o silêncio do que não se resolve, do que não se pode ajudar. Não é preciso saber nada, só talvez a perfeição do silêncio que é deixarmo-nos ser sem ter de pedir que nos entendam. Se partilham o nosso silêncio com calor e descanso de alma entendem tudo o que deve ser entendido, ajudam toda a ajuda que se pode ter e querer. 
Este silêncio que ouço é frio e não descansa.]

16 março 2015

(foto @ryanmuirhead)

"Amuralhar o próprio sofrimento 
é arriscar que ele te devore desde o interior.”
Frida Kahlo.

[as muralhas levantam-se para nos proteger. Protegem. Talvez.
Protegem-nos do bem entrar e do mal sair. Também.]

Boa Noite

Falei contigo - falei sozinha não sei se me ouvias. Fiz-te festas, disse-te que não sabia fazer mais nada - que não sabia, nem sei, que mais fazer. Nada está nas minhas mãos, nas minhas mãos só festas com carinho que posso dar, concluo e digo-to: não sei fazer mais nada, penso até que não sirvo para mais nada, nem me querem para mais nada. Sinto-te quente, olho para os números, não sei nada daqueles números, não daqueles. Não sei nada. Dei-te um beijo antes de vir embora. Não sei porquê, não o fiz das outras vezes. Só o percebi quando to dei. Não sei porque o fiz e fiquei a pensar nisso, não to devia ter dado. De repente parece-me uma despedida. Das outras vezes não o fiz. Saí com medo. 
Nada está nas minhas mãos, só as festas que não guardo de quem não quero despedidas. Mas dei-te um beijo, e fiquei a pensar nisso. Com medo.

15 março 2015


... Há gente que voa nas despedidas dos dias. 
Há gente que vê os outros a voar, mesmo nas despedidas. 
Há anoiteceres muito bonitos que trazem noites ainda melhores. 
Há quem não consiga apreciar as noites estreladas a pensar no sol que nos aqueceu durante o dia. 
Há gente que voa ao anoitecer e outra que quer voar sem tempo de sol ou lua, para quem voar é tirarem-nos os pés do chão porque nos soltam a alma, sem vento, sem sol ou sem lua, na verdade o que está à volta não interessa nada. 
Quando tudo o resto não interessa, voamos.
(Há um parapente minúsculo na fotografia...)

14 março 2015


Sábados destes... 
...hoje é dia de tratar-me um bocadinho... Tentar pelo menos. 
Só me faltava mesmo era a massagem e o cabeleireiro... 
Com alguma sorte pode ser que alguém se ofereça para a massagem...
(alguém que me apeteça, claro, e que me tire este peso dos ombros 
que sinto encolhidos, repuxados, até às orelhas...)

Bom Dia 

Mario Benedetti

[...sim as noites são mais frias, de tão vazias, ecoam nas paredes nuas da alma todos os pensamentos que não queremos sentir. Sentimos tudo o que não queremos pensar, repetidamente. As noites são mais difíceis, e os dias de suposto descanso cansam de tanto nos obrigar a contrariar o que queremos. As noites custam mais. Para alguns, só para alguns. Como eu, que só me lembro que dez dias é hoje outra vez, ou amanhã, ou agora. Mas que é. E numas horas pesam-me semanas nos ombros, anos em instantes que os olhos se vêem obrigados a fechar, como por uma dor lancinante, como se assim não vissem, ou não quisessem ver, o que sentem.]

Boa Noite

13 março 2015


“Às vezes te odeio por quase um segundo

depois te amo mais

teus pêlos, teu gosto, teu rosto, tudo

tudo que não me deixa em paz.”

Cazuza

[já de mim a paz em ti abunda.
a tua memória esquece-se de me lembrar, entre um minuto e o outro, entre uma respiração e a outra, entre um dia e o outro, sempre.
não existo, não em ti.
se é tão fácil esquecer, porque não esqueço eu de me lembrar, e de me lembrar que me esqueceste (principalmente lembrar que me esqueceste, que não te sou, se te cheguei a ser...dói tanto isso, sei lá porquê), talvez, se pudesse escolher, eu escolhesse esquecer-me de te lembrar, de nos lembrar, de saber que respirar contigo é melhor, que rir contigo é melhor, que viver contigo perto é melhor - que me sinto melhor contigo, ao pé de ti. Talvez se me esquecesse de tudo o que senti, e senti que fomos, e que fui, e que posso ser, eu pudesse odiar-te em paz por mais de um segundo, de uma respiração, de um dia. talvez.]

Era uma ideia.
Uma boa ideia.
Digo eu...
... Mas eu não percebo nada disto...

Boa noite


12 março 2015


No... It's a crash!!...
Mesmo!... 
Não sei se foi, ou se ainda é, acidente, mas não deve ser e a culpa é só minha... 
(Esta ultima é a propósito dum post que vi ontem ali no Elasticidade do Tempo...)

Bom Dia

Na conversa até agora. Reparo nas horas, fecho o computador, e dou por mim a olhar para o lado, para aquele lugar no sofá, a pensar que dantes estava aqui, ao teu colo, e que já estaria a pensar que tinha mais poucas horas contigo. Não pensava nas poucas que iria dormir, nem se de manhã me iria custar acordar. Pensava em agarrar-te mais, em agarrar-me mais a ti e embrulhava-me, ainda mais, toda em ti. Quase que para o tempo não escapar, e tu com ele. Que tonta, nunca te agarrei, escapaste sempre, não estás. O tempo está, como se não tivesse escapado. Repousa nas minhas mãos vazias, embrulha-se na tua ausência sentada no sofá comigo ao colo.

Que coisa tão boa perceber a felicidade nas palavras de alguém de quem gostamos, nas cores da entoação com que se escreve, o ritmo da felicidade cheira-se nas letras, por poucas que sejam as frases que se trocam... e é bom, faz-nos renascer por dentro, acreditar que sim, que há coisas boas, que valem a pena. Fico feliz por eles e penso, como tonta assumida, que um dia alguém poderá ( se existe um dia pode-me calhar, sei lá, também pode ser que não, mas pode ser que sim... um dia) dizer de mim o mesmo, que me raptou para uns dias de namoro. Que quem o diga tenha o mesmo sorriso na cara que adivinho por trás das letras que leio, e que sei, sente-se, que será maior por dentro, como um brilho que reluz a toda a distância, e que eu faço de farol. Diz-me  que claro que está feliz, que sempre que estão juntos está feliz, estão, são felizes... 
É tão bom poder acreditar que a felicidade é um sítio certo e seguro para  que podemos correr de braços abertos, e donde nunca na verdade nos afastamos - e esse lugar é alguém onde estão os dois. 
É coisa boa, que me deixou a sorrir, estou aqui a escrever assim, de sorriso parvo na cara, a olhar para um ecrã que me deixa falar sozinha do bom que é a felicidade às vezes se espelhar, e me sobrar um bocadinho para ficar feliz por alguém. E por ainda me surpreender a acreditar nessa coisa de amar ser uma coisa boa e feliz. Sim, pode ser. É possível. Que bom... que bom saber que há felicidade genuína, imperfeita, mas talvez seja esse o toque da perfeição, porque é real.

Boa Noite

11 março 2015


"A primeira vez que dei por ti, foi quando dei pela tua falta. "

Miguel Esteves Cardoso

[é triste, mas acho que há muito quem seja assim... ]

Hoje liguei o bicho ao carro, aquele bicho que tem tudo, que quase podia contar a minha vida... e pus aquilo a tocar em aleatório... e saiu-me isto para abrir as hostilidades.. e eu gostei. É a minha música... ou é a minha música muitas vezes. É a música que uma mocinha que eu tenho aqui à frente tem no telemóvel para o meu numero... porque diz que é a minha música, porque eu dou em dançar quando isto passa no rádio, não consigo evitar... o que enfim dá direito a fornecer-lhe tesourinhos deprimentes que me impedem as ambições politicas que não tenho... 
Gosto, gosto da música, do tom, da vontade que me dá de dançar.... dançar: coisa que me falta há tanto tempo. Só conheço duas maneiras de libertar o  corpo e dançar é uma delas - e falta-me muitas vezes, é uma falta que se sente densa no corpo às vezes. Libertar o corpo, soltar cabelos, entregá-los ao vento, dar o corpo ao sol, mergulhar no ritmar do mar e fazer-me terra funda, onde se enterram os sonhos que voam alto e nos escapam, ou querem. Dançar e deixar o corpo ser o movimento que tem, mostrar o que é, respirar mexendo-se - fechar os olhos para ver por dentro a música a falar com o corpo, deixá-los conversar, rir, respirar, mexer juntos, gargalhar vivendo-se. 
Gosto, gosto da letra e do tom em que é cantada, talvez qualquer coisa naquele tom tenha algo que guardo na essência do que quase não mostro... e depois, depois, lembra-me o que me costumam apontar, os olhos, ou talvez mais o olhar expressivo que os olhos, o falar mais com os olhos que com a boca (alguém me dizia a rir há uns tempos "tu és tão expressiva, e tens tantas expressões diferentes, que às vezes, se uma pessoa se distrai, nem pareces tu mas és sempre muito tu"...), e a maneira como me mexo, que me lembra comentarem a forma como ando, coisa também reincidente nas pessoas que vão passando pela minha vida e que me ficaram de alguma forma... há coisas que ficam, e esta música lembra-me muitas delas, e por isso me acorda por dentro e dá vontade de mexer, de dançar, de sorrir com o corpo, e sim, pode não durar muito, mas dura o que durar... há que aproveitar o que mexe connosco e nos faz mexer! E eu hoje, mesmo a fazer figurinhas tontas, já dancei dentro do carro e por dentro de mim, e isso parecendo que não, é uma coisa boa, bem boa, mesmo...

Bom Dia.

Morro de ti, amor, de amor de ti,
da urgência da minha pele de ti,
da minha alma de ti e da minha boca,
E do insuportável que sou sem ti.

Jaime Sabines

[Falto-me na urgência de não me faltares.
Desalmada por um beijo roubado,
Tenho a alma a morar na tua boca
Em todas as palavras que o silêncio engoliu
E  tu calas em beijos que guardas de mim.
Matas-me por dentro dos teus lábios
Morro-te por dentro dessa pele
Que me prende a alma
E eu resto-me, insuportável, 
corpo oco,
De ser sem ti.]

Boa Noite


10 março 2015


e as duas coisas para a pessoa certa... 
...quem sabe?
(...eu não...)

Hoje em dia só quero dormir. Enquanto durmo não penso, não sinto, não sonho, nem medo tenho. Apago simplesmente, deixo de ser. Acordar é um suplício que suporto mal, tento olhar para o dia e pensar no que tenho de - ou devia - fazer. Nada me parece importante, não tão importante como fechar os olhos e apagar. Simplesmente. Isto não é bom, eu sei, mas também não faço mal a ninguém, não trato mal ninguém, não engano ninguém. De todos os males, talvez este, de só querer dormir, não seja o pior.
Mas temos que acordar, pior, temos de levantar e fazer alguma coisa que eu ainda não tenho quem me sustente, quem me banque alegremente, e não espero, nem quero, vir a ter. Por isso ainda há que fazer do coração tripas e tentar fazer alguma coisa...

Bom Dia

09 março 2015




" a mão presa no pescoço a subir pela cabeça, lentamente, mas de pulso forte, entre força e vontade, mas sempre carinho. fica-se ali na tensão, entre te quereres soltar, e gostares de sentir o aperto de quem te quer. mente e corpo em luta. coração e cérebro a discutirem-se entre a liberdade e a entrega. entre a quase dor e o quase prazer. maravilhoso, como o corpo fala ali mais que mil palavras. não há teorias, razões, ou perfis que encaixem melhor, que testem melhor uma relação: é o corpo. é a forma como se move, como se toca, como se entrega. e, se a forma como agarra, diz muito de um homem, diz mais de uma mulher a forma como se deixa agarrar. a forma como se deixa prender, como se entrega, como se confia aos braços do seu homem. como diz, sem falar: sou tua."


Talvez por este agarrar o meu fascínio por mãos. O toque certo com a firmeza exacta. O cheiro do desejo agarra-se à pele com paixão, entranha-se na vontade, no olhar, no respirar de cada som que nos enleva. Os corpos que falam enquanto se mexem, que se entregam à entrega, que agarram a vontade da pele com a pele. Os corpos que se chegam, aconchegam e se abandonam à essência despida de pele. 
Saudades de sentir isto, de me sentir assim. De me render, de confiar-me a alguém sem reservas, de deixar-me ser em alguém. Presa na mais genuína liberdade. Essencial, sentirmo-nos de alguém.

Boa Noite




Hum hum... 
Só se for a visão do precipício... Isso era coisa para me fazer saltar hoje em dia...

Bom Dia.

"Treme. Podes tremer. Desculpa se te fiz ter frio, mas podes tremer. Porque sabes que o meu corpo é quente. Porque sabes que as minhas mãos te aquecem, sabes que alcançarei o que houver, onde houver, para te cobrir, para te tapar, para te dar conforto, agarrar-te-ei, abraçar-te-ei com força para não tremeres mais ou então para tremermos os dois, para dividirmos e custar menos, até estarmos de novo quentes, prontos para mais, prontos para outra, para partilhar, sem achar que isso é lá contigo e eu satisfeito me afasto enquanto tu tremes a um canto como se nada disso me tocasse. Podes tremer, desculpa se te causei frio vezes demais, mas foram vezes a menos, e em todas elas o teu frio foi o meu, e nunca tremeste sozinha."


Nem de propósito, sobre o frio que não é sobre o frio, mas sobre não haver frio de quem se quer bem em que não se alcance o que houver para aquecer, ou para tremer junto. Não, não é sobre o frio, é sobre partilhar, e estar presente, é querer bem, e querer ver bem, seja o frio culpa nossa ou não, podendo aquecer ou não, é não achar que há coisas que "são lá contigo", é estar e ser de alguém com alguém. É ninguém ter frio sozinho. E isso ser quente, mesmo no frio. Ou apesar do frio.

(talvez eu não esteja tão errada em tanta coisa, há mais quem veja o que eu vejo, quem pensa como acho que se deve pensar, quem sente com o que vê e pensa)

Boa Noite

08 março 2015

Todo o dia angustiado, todo o dia tremendo de frio.
Todo o dia pareceu um século, um pesadelo.
Todo o dia uma tempestade me desassossegou, todo o dia me senti mal, uma espécie de dor que não começa nem acaba, persiste intensa, contínua, por todo o corpo.

Al Berto

[há frios que não se sabem aquecer. Tão dentro do por dentro onde a luz não chega, onde o sol não aquece. Há gelo que so se pode derreter pelo calor que nasce da alma. Se a alma dói em todo o corpo, o gelo algema o corpo, quieto, a si mesmo, numa tensão que cansa o dia até invadir a noite. Aguarda-se o sono para se fazer nosso dono, para nos libertar do que somos e queremos adormecer, ou pelo menos, fechar os olhos... só, sem sonhar, sem nada, só entregarmo-nos à escuridão vazia, que não pensa, nem sente. Que quase nos descansa porque nos larga. Pelo menos até amanhã. Pelo menos.]

(foto @allenandbear)

Outras das minhas flores preferidas.
Se uma pessoa se rodear do que gosta será mais fácil ser feliz?
Ou sendo feliz gostamos mais do que nos rodeia?
Eu gosto de coisas simples, despretensiosas, da preguiça que enche a alma, do deixarmo-nos ser o que somos. Do sol que nos basta e das sombras que nos descansam.
Tenho a cabeça cheia de coisas, pensamentos que não me largam, a vida cheia de sombras que não me descansam, antes inquietam e complicam. Sinto-me  carregada de coisa nenhuma e pesada de tudo. Sinto tudo tanto que parece que não sinto nada senão confusão. Só sei do que gosto, e gosto de coisas simples, do sorriso descomplicado, da varanda com sol, de fechar os olhos e sentir-me viva. Fecho os olhos e a vida foge-me. Não me encontra, não a encontro. As maos vazias o olhar sem destino.

Bom dia.
Outra vez aqui na varanda, sentada num degrau a meio caminho de sítio nenhum. Perdida, completamente perdida, de mim, da vida, dum sentido, que seja. Como se a vida tivesse mais maneiras de nos tirar o tapete do que as que nos conseguimos equilibrar. Sinto-me naquele momento preciso em que, por fracções de segundo, não sabemos se vamos cair ou aguentar-nos ao tropeção. Não sei o que pensar, como pensar. Não sei já o que esperar, ou o que esperam de mim. Não sei mais nada, só sinto. E no que sinto sinto-me perdida, sem amparo, sem companhia, sem eco de compreensão. Sem nada. E ao mesmo tempo tudo em turbilhão, num equilíbrio precário que me grita por dentro e me desfaz, que me rompe os dias dos olhos. Estou apavorada de medo nao sei de quê, sinto-me cair e combater a queda, exausta e sofrida, sei que nao aguento mais, nao aguento mais uma queda, sei, sinto que não me levantarei mais. 
Onde, onde é que estás? Se te grito toda por dentro e não me ouves? Onde é que estás, que não me estás se não te estou por dentro a gritar por ti? Onde é que te estou?

07 março 2015

"Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam"

Nuno Júdice

[...O que eu não esqueço, e porquê? Porque não se embacia a memória do que sinto, do que senti, do que fui e sou ainda às vezes? O beijo que não se desfaz do que nunca fez, do que nunca se fez dele - uma maré de promessas não prometidas que se sentem nos lábios que ainda beijam o que só embacia a memória. Tu não vens.]

Boa Noite

Esta é uma frase que eu adorava poder dizer. Que acho. Que acho que gosto de ti. Haveria uma esperança, uma esperança de poder estar errada, de poder não gostar. Pois não posso, não consigo dizê-la. 
Talvez o que nos define seja aquilo que sabemos e como sabemos, e o que não sabemos e vamos tentando saber, descobrir - ir achando, em tentativa erro. Talvez não sejam as atitudes, como todos dizem, que nos definem, mas sim o que sabemos e não sabemos, e o que fazemos da vida tricotando estas malhas. Ou as atitudes são afinal esse tricotar, se calhar. Eu sei poucas coisas, certezas então tenho poucas, perguntas tenho sempre  de sobra. Talvez as minhas perguntas e as minhas dúvidas me definam melhor do que o pouco que sei, ou acho saber. Mas do que sei, as dúvidas alheias não me abalam, se eu sei é porque sei como sei. As dúvidas que me põe não me fazem duvidar, principalmente sobre o que sinto (mas que é natural que noutras pessoas possa suscitar dúvidas, isso entendo). Talvez nem sempre saiba mostrar o que sinto, mas as dúvidas dos outros não me fazem questionar o que sinto. O que se sente é uma coisa que se passa por dentro de nós, é impermeável às dúvidas dos outros, embora tão permeável ao que eles nos mostram - porque é também fruto disso, ou ainda mais daquilo que lhes vemos mais do que mostram. 
Eu não acho que gosto, e não acho que sou teimosa, eu sei que gosto, se digo que gosto, e sei que sou muito teimosa. Não em tudo, mas em muita coisa se quero e gosto. Eu teimo se calhar tempo demais, mas agora de repente acho que dez dias é o mesmo que ontem, que é o mesmo que amanhã, ou já daqui a uma hora, porque há coisas que se acham que não importam. Acham. Mas eu teimo com esta ideia. Eu acho que há fomes que doem de vontade, sei que dói muito, porque a mim me dói todas as noites. Há fomes que são de pele, de qualquer pele, e há fomes que são de carinho e afecto e ternura e desejo de alguém - não alguém que engane a fome, alguém que seja a fome que não se cura, nem se engana. Eu acho que quando se tem uma fome dessas não há outra pele que nos alimente, que nos cure da vontade, que nos deixe descansar. Acho, mas estou com tanta, mas tanta vontade, de perceber essa coisa de enganar o estômago, de apaziguar a pele, de esvaziar a vontade, só para perceber se essa atitude diz de mim alguma coisa diferente, se isso diz alguma coisa. A alguém. Mesmo que eu continue a dizer o mesmo e que sou a mesma, que gosto e quero o mesmo, que o que interessa é quem temos por dentro, de quem gostamos - ou para alguns, de quem achamos que gostamos - e que o resto não tem importância  nenhuma. 
Afinal, no fim, talvez eu ache que não tem, e que não consigo achar que gosto de ti, na mesma, porque isso não muda - eu sei que gosto, mas a pele grita para que a esvazie de toque, de desejo, de tesão. Afinal é só uma atitude. Acho eu. Não tem de querer dizer nada. É enganar o estômago, ou alguém. Não achas?